Fala, pessoal! O assunto de hoje é aborto infectado. Vamos te dar um exemplo, e você deve pensar se o caso se encaixa como aborto infectado ou não: Você está no seu plantão no interior do estado de São Paulo, chega uma paciente MCR, branca, 24 anos, G2PN1A0, IG 10 semanas, relatando dor lombar intensa que persiste há horas, secreção de cheiro forte e, posteriormente, houve um episódio de sangramento. Relata estar também com febre (38ºC) e indisposição.
Ao exame físico apresentava-se com queda do estado geral, anictérica, acianótica, com febre de 39ºC, desidratada e hipocorada; ACV: RCR2T, BNF, FC:110bpm, sem sopros e pulsos normopalpáveis; AR sem alterações; Abdome: dor a palpação superficial e profunda em todo o abdome e sinal de Giordano positivo;
Exame ginecológico: presença de sangramento genital moderado com odor fétido e secreção purulenta, com dor ao toque bimanual, colo uterino aberto e volume uterino menor que o esperado;
O caso descrito acima ficou evidente para você que é um abortamento infectado? Se não, fica tranquilo que vamos destrinchar o caso todo com vocês para que fique ainda mais fácil de vocês identificarem esse tipo de aborto tanto na vida prática de pronto-socorro como nas provas de residência.
Eu sei que você já sabe de cor e salteado que o conceito de aborto é a interrupção da gravidez antes da 20ª semana de gestação ou com peso fetal inferior a 500g, mas é sempre bom reforçar, não é mesmo?
O aborto infectado corre por ascensão de bactérias da microbiota vaginal e intestinal à cavidade uterina, sendo muito comum em abortos provocados – com inserção de instrumentos e produtos químicos na cavidade uterina.
A infecção geralmente se inicia no endométrio com disseminação para o paramétrio, para o peritônio, para os linfáticos e para a circulação sistêmica, podendo evoluir para óbito.
A classificação clínica do aborto infectado é feita em 3 formas:
Você sabe pontuar quais são os sinais de infecção? Vou dar uma ajudinha:
E antes de seguirmos para o diagnóstico, quero aproveitar para te contar que temos um e-book completo e gratuito com os temas mais relevantes para o acompanhamento de rotina da gestante, com base nas recomendações mais recentes do Ministério da Saúde e da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo). Estou falando do e-book ABC do pré-natal: o que todo estudante de medicina deve saber! Aproveita para já fazer download clicando AQUI.
Geralmente, a paciente chegará com uma história ou com exame físico sugestivo de manipulação uterina ou infecção, e isso já deve acender uma luzinha na cabeça de vocês, pois são as causas mais comuns de abortamento infectado, somado ao sangramento com odor fétido.
Sempre que todos esses sinais que mencionamos aparecerem para você, lembre-se de pedir alguns exames como hemograma, tipagem sanguínea, VDRL, anti-HIV e creatinina (a creatinina é pedida em função do uso de aminoglicosídeo, pois quando houver sangramento importante com repercussão hemodinâmica ou síndrome anêmica aguda, a reserva de concentrado de hemácia com prova cruzada deve ser feita). O hemograma da paciente do caso vem com hemoglobina (hb)de 11,6g/dL, hematócrito (Ht) de 31,8%, contagem de leucócitos de 20840/mm3, sendo 2500 bastonetes (12%), contagem de plaquetas de 91000. Mostrando assim uma paciente com quadro infeccioso.
Os diagnósticos diferenciais são:
As complicações possíveis são:
A paciente deve ficar sem alimentação, com controle de sinais vitais e da diurese, iniciar SF 0,9% 1.000 mL para correr em 1 hora e, posteriormente, SF 250 mL com clindamicina 2700mg e gentamicina 240mg IV para correr em 1 hora.
O uso de antimicrobianos deve cobrir um amplo espectro, assim o esquema é o citado em cima, pois a infecção geralmente é polimicrobiana, envolvendo a Escherichia coli, Streptococcus, anaeróbios e patógenos sexualmente transmissíveis. Deles o Clostrididum perfringens está associado a uma maior causa de morte. A associação de ampicilina (1g IV 4/4h) pode ser adicionada se o paciente estiver em mal estado geral, com febre persistente após 48 horas de antimicrobianos, piora ou não melhora substancial do quadro do paciente e presença de abscesso tubo-ovariano.
Já tá ligado que agora você precisa pensar em como prosseguir com o esvaziamento, né? Por ser uma paciente com 10 semanas de gestação sem eliminação do feto, você deve prescrever misoprostol 400ug intravaginal 3 h antes da AMIU e marcar a AMIU. Além de reavaliar a paciente em 2 horas e caso não haja sepse grave, levar para o procedimento. NUNCA realizar em paciente sem condições clínicas né, gente?
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Caso a paciente apresente piora, investigue outro sítio de infecção, realizando exame de imagem de pelve, para descartar abscesso, apendicite. Solicite também urocultura, hemocultura e radiografia de tórax e avalie a necessidade de troca do esquema antibiótico.
Depois de 48 horas apirética e em bom estado geral, a paciente pode receber alta hospitalar sem o uso de antimicrobiano.
NÃO SE ESQUEÇA: aborto infectado tem que ter manejo rápido e adequado para não evoluir para sepse grave e óbito.
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*Colaborou: Nicole de Souza Bueno, aluna de medicina na faculdade FCMSJF
Nascido em 1993, em Maringá, se formou em Medicina pela UEM (Universidade Estadual de Maringá). Residência em Medicina de Emergência pelo Hospital Israelita Albert Einstein.