Apesar de serem classicamente manejados de forma simples, sem cuidados adicionais além da drenagem e da antibioticoterapia, os abscessos cutâneos merecem uma atenção especial. O motivo são as peculiaridades clínicas-terapêuticas importantes, que podem fazer diferença para os pacientes.
Os abscessos cutâneos fazem parte do grupo das infecções cutâneas superficiais, tendo como principais diagnósticos diferenciais a celulite e a erisipela. Eles são definidos como uma coleção purulenta localizada, sobretudo, na derme e no espaço subcutâneo, geralmente, desencadeada após alguma complicação local. Fatores de risco para o surgimento de abscessos cutâneos incluem:
Localmente, as infecções cutâneas superficiais cursam com uma clínica típica de hiperemia, calor, dor e edema. Os abscessos cutâneos são diferenciados clinicamente das erisipelas e das celulites pela presença de abaulamento e ponto de flutuação com possível saída de conteúdo purulento na lesão.
A linfonodomegalia regional também pode aparecer. Sistemicamente, em casos mais graves, as infecções cutâneas podem cursar com febre, mal-estar, indisposição, náusea e vômito. Felizmente, a grande maioria dos casos restringe-se a infecções locais sem repercussões sistêmicas.
A menor parte dos casos que evoluem sepse cursam com alterações de sinais vitais, como hipotensão e taquicardia, além de comprometimento de múltiplos órgãos, como insuficiência renal, hepática e hematimétrica. Outras complicações incluem endocardite, osteomielite, síndrome do choque tóxico e artrite séptica.
Aqui, os médicos devem ter ainda mais atenção, pois os abscessos cutâneos se distinguem das infecções cutâneas superficiais, as quais, geralmente, possuem como agente etiológico o S. pyogenes (beta-hemolítico do grupo A).
A causa mais comum de abscessos cutâneos são infecções por S. aureus (tanto MSSA quanto MRSA). É possível observar um crescimento importante no número de infecções por MRSA de comunidade, o que preocupa a vigilância epidemiológica.
Pacientes que possuem uma epidemiologia de contato cutâneo íntimo com outras pessoas, como militares, esportistas e presidiários, estão mais associados com infecções por MRSA.
Outros fatores de risco incluem: uso de drogas EV, infecção por HIV, recente hospitalização ou cirurgia, hemodiálise, etc. Abscessos com colonização polimicrobiota, incluindo anaeróbios, são mais frequentes em região perioral, perivaginal e perirretal.
Esses detalhes são muito importantes porque guiam a terapêutica antimicrobiana adequada para cada paciente. Uma celulite deve ser manejada de forma diferente a de um abscesso de membro inferior, por exemplo.
O diagnóstico dos abscessos é clínico, conforme as características já mencionadas anteriormente da lesão. Contudo, caso haja dúvida diagnóstica, o uso da ultrassonografia é essencial para determinar a presença ou a ausência de coleções nos tecidos cutâneos.
Caso existam sinais de comprometimento sistêmico (febre, taquicardia ou toxemia), é preciso solicitar exames laboratoriais gerais, como hemograma, função renal e eletrólitos. A hemocultura pode ser solicitada, porém só positiva em cerca de 10% dos casos.
Pacientes saudáveis, sem sinais de complicação local ou sistêmica, após a drenagem, não necessitam que o material purulento seja enviado para cultura. As indicações para envio de material para cultura incluem:
Entre os sintomas de abscesso, se existir a suspeita de complicações locais, como osteomielite, exames de imagem adicionais também podem ser úteis, como a ressonância magnética.
Entretanto, como tratar abscesso cutâneo? Esse ponto é extremamente importante e alvo de muitas divergências na literatura. Por isso, vamos tentar traduzir de forma sistemática e protocolar as principais evidências no momento.
O tratamento de abscesso cutâneo com antibioticoterapia é alvo de controvérsias devido à flora microbiana presente em cada localidade. Nos Estados Unidos, onde a maioria das evidências são produzidas, há um aumento importante da flora de MRSA de comunidade.
A flora brasileira é pouco estudada por diversos motivos: pouco interesse em realizar estudos, pouco envio de material de cultura para laboratório e baixo nível de evidência das publicações até o momento. Deve-se levar em consideração o risco de infecções por MRSA no tratamento.
Antes de iniciar o fluxograma de tratamento dos tipos de abscesso, conheça alguns critérios para uso correto de antibioticoterapia EV, profilaxia para endocardite, drenagem de abscesso e ampliação de espectro para anaeróbios.
Todo abscesso deve ser abordado com drenagem, a não ser que seja extremamente pequeno ou já possua drenagem espontânea (isso pode ser observado clinicamente). Alguns abscessos devem ter avaliação realizada por especialistas:
Paciente sem critérios para introdução de antibioticoterapia
Paciente com critérios para introdução de antibioticoterapia.
Paciente com critérios de profilaxia de endocardite
Paciente com abscesso cutâneo de 4 cm e celulite perilesional em região de perna direita. Tem critério de antibioticoterapia, por se tratar de abscesso maior que 2 cm associado à celulite. Porém, não necessita de ATB EV, nem de cobertura para flora polimicrobiana. As opções incluem bactrim e clindamicina.
Paciente com abscesso perioral com sinais de necrose e sepse, portanto, indica-se ATB EV. Há necessidade de cobertura polimicrobiana por se tratar de tecido necrótico e localização.
Entre as opções, é possível vancomicina + rocefin + metronidazol. Além disso, como é um abscesso de alto risco, vale convocar especialidade cirúrgica para avaliação.
Com esses exemplos e fluxograma, dá para ver que o manejo correto dos abscessos cutâneos não é tão simples assim. Diferentemente de uma celulite, que é bem contemplada com uma cefalosporina de primeira geração, um abscesso deve ter cobertura para CA-MRSA (não somente para MSSA) e, possivelmente, germes anaeróbios, a depender de alguns critérios.
Agora que você compreendeu o fluxograma para uso de antimicrobianos, que tal conhecer alguns cuidados necessários para a realização da correta drenagem dos abscessos cutâneos? Confira abaixo.
Após conhecer tudo sobre abscessos cutâneos, lembre-se que uma anamnese muito bem feita e um exame físico minucioso são importantes para manejar qualquer paciente, independentemente da queixa. Quer aprender mais sobre as práticas de emergência por meio de conteúdos gratuitos? Então, conheça a Academia Medway!