Alguma vez você presenciou um profissional da saúde que se acidentou com material perfurocortante? Vários procedimentos apresentam esse risco de acidente, como sutura, inserção de acesso venoso, incisões cirúrgicas e aplicação de medicamentos injetáveis. Você sabe o que fazer quando ocorre um acidente desse tipo? No post de hoje, vamos falar um pouco sobre acidente com material perfurocortante e como é protocolo nesses casos.
De acordo com a Portaria nº 1.748/2011, os materiais perfurocortantes “são aqueles utilizados na assistência à saúde, que têm ponta ou gume, ou que possam perfurar ou cortar”, como por exemplo, agulhas e lâminas de bisturi. Um acidente com perfurocortante provoca uma exposição percutânea (ou seja, atravessa a pele), podendo expor o acidentado a um material biológico (como o sangue), que apresenta capacidade de carregar consigo vários tipos de patógenos. Os três mais envolvidos nesse tipo de acidente são HIV, hepatite B (HBV) e hepatite C (HCV)
Anualmente, no mundo, estima-se que cerca de dois milhões de profissionais da saúde apresentam exposição ocupacional a materiais perfurocortantes. Essa quantidade de exposição acarreta em torno de de mil casos de HIV, 16 mil casos de hepatite C e 66 mil casos de hepatite B. No Brasil, não há dados oficiais sobre o número de acidentes com materiais perfurocortantes.
O risco de transmissão de algum patógeno, após um acidente com material perfurocortante, depende de vários fatores. O primeiro é o próprio patógeno. No caso do HIV, o risco estimado após acidente por material perfurocortante contaminado é em torno de 0,23%. No HCV, estima-se o risco em cerca de 1,8%. Já na HBV, depende da pessoa-fonte estar em período de replicação viral. Caso esteja, o risco é de 22-31% da pessoa exposta (acidentada) desenvolver hepatite clínica e de 37-62% para conversão sorológica de infecção. Se não estiver em fase replicante, o risco é de 1-6% para a hepatite clínica e de 23-37% para soroconversão.
Outros fatores que aumentam o risco de transmissão são o volume/tipo de material biológico e a quantidade de inoculação viral. Um maior volume está relacionado a lesões profundas, agulha de grosso calibre/com lúmen, sangue visível no perfurocortante e veia/artéria como sítio prévio no paciente-fonte. Quanto ao material biológico, o sangue é o principal veículo para transmissão do HIV, HBV e HCV, porém diversos outros materiais apresentam essa capacidade, estando eles descritos na tabela abaixo. Já a inoculação viral depende das condições clínicas da pessoa-fonte (alta carga viral causa uma maior inoculação) e do tipo de patógeno (exemplificado anteriormente)
Materiais biológicos com riscos de transmissão | |
HIV | Sangue Sêmen Secreção vaginal Líquor Líquido amniótico e sinovial.Líquidos de serosas (pleural, peritoneal e pericárdico) |
HBV | Sangue Sêmen Secreção vaginalLíquorLíquido sinovialLavados nasofaríngeosSaliva |
HCV | Sangue (predominantemente) |
A profilaxia pós exposição (PEP) é a primeira coisa que vem à cabeça, mas não podemos esquecer que a conduta imediata é o cuidado com a área exposta. Deve-se realizar uma lavagem exaustiva do local, com água e sabão, sendo o uso de soluções anti-sépticas degermantes uma opção adicional ao sabão. Não há evidência de que a expressão local reduza o risco de transmissão. Está contra-indicado procedimentos que aumentem a área exposta (como cortes e injeções locais) e o uso de soluções irritantes (como éter e hipoclorito de sódio).
Após, devemos avaliar o acidente quanto ao potencial de transmissão de HIV, HBV e HCV. Isso é visto através do tipo de exposição, volume/tipo de material biológico, status sorológico da fonte (se possível) e status sorológico/susceptibilidade do exposto. A profilaxia dependerá do conjunto dessas informações, além do tempo transcorrido desde a exposição.
O acidente perfurocortante já se enquadra como um tipo de exposição com potencial transmissão. O volume/tipo de material biológico deve ser avaliado em cada caso, como explicado anteriormente. Se o material biológico não tiver risco potencial de transmissão dessas doenças, realiza-se apenas os cuidados locais da ferida. O tempo transcorrido após a exposição deve sempre ser perguntado, pois é um dos determinantes para início da profilaxia, sendo de até 72 horas para iniciar a profilaxia do HIV e até 7 dias para da HBV (no caso de exposição percutânea). Para avaliação do status sorológico, é realizado teste rápido de HIV (detecta o anti-HIV), HCV (detecta o anti-HCV) e HBV (detecta o HBsAg) na pessoa exposta, além de verificar o status vacinal para HBV, necessitando da comprovação de imunidade através do anti-HBs. Se possível, a pessoa-fonte também deve realizar os mesmo testes rápidos, sem condicionar ou retardar o atendimento do acidentado à presença da fonte.
Como dito anteriormente, isso será definido com base nos dados clínicos colhidos anteriormente. Abaixo, seguem os fluxogramas para avaliação de profilaxia e acompanhamento, já considerando um acidente com perfurocortante contaminado com material biológico de risco para o HIV, HBV e HCV. Lembrando que não há profilaxia para o HCV (apenas o acompanhamento) e que se o material biológico não for de risco, não há necessidade de PEP e/ou acompanhamento.
O esquema preferencial da profilaxia para o HIV é feito com antirretrovirais (ARV), sendo eles o Tenofovir (TDF)/Lamivudina (3TC) e Dolutegravir (DTG), na dose de 01 comprimido coformulado de TDF/3TC 300mg/300mg, uma vez ao dia, associado a 01 comprimido DTG 50mg, também uma vez ao dia. A duração total da profilaxia é de 28 dias. As contraindicações, esquemas alternativos e situações especiais podem ser consultadas nesta página do Ministério da Saúde. Quanto ao acompanhamento, é importante explicar sobre efeitos colaterais, medidas de prevenção à infecção do HIV, além do monitoramento de sinais e sintomas de quadro agudo. Os exames laboratoriais são os descritos no fluxograma acima.
A profilaxia do HBV pode envolver a vacina contra a hepatite B e a Imunoglobulina Hiperimune contra Hepatite B (IGHAB). Se indicada, a vacina deve ser administrada, de preferência, no momento do primeiro atendimento ou nas primeiras 24 horas da exposição. Já a IGHAB, nos casos de acidente com perfurocortante, pode ser realizada até 7 dias da exposição, de preferência nas primeiras 48 horas. É realizada uma dose única de 0,06mL/kg, IM, em extremidade diferente da que recebeu a vacina para hepatite B. Caso a dose da ultrapasse 5mL, dividir a aplicação em duas áreas corporais diferentes. O acompanhamento laboratorial está descrito no fluxograma.
Quanto à hepatite C, não há profilaxia. Deve-se realizar o acompanhamento, para que, caso venha a ocorrer o desenvolvimento da doença, seja feito um diagnóstico oportuno. O tratamento antiviral é muito eficaz e, quando realizado no início da doença, evita complicações mais graves.
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Resumindo, é preciso avaliar se o material biológico é um potencial transmissores dessas doenças. Caso seja, será necessário verificar o status sorológico do paciente exposto e, se possível, o paciente-fonte, definindo se é o caso ou não de iniciar a profilaxia. O acompanhamento dependerá dessa etapa anterior. Agora, se o material biológico não for de risco, não se faz a PEP/acompanhamento.
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Nascido em Teresina-PI em 1991. Formado pela Universidade de Brasília (UnB) em 2018, com residência em Medicina de Familia e Comunidade, concluída em 2021.
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