Fala, pessoal! Tudo certo? Mais um tema da Psiquiatria por aqui, mas que podemos relacionar a qualquer paciente da prática médica. Isso porque a agitação psicomotora não está presente apenas nos pacientes psiquiátricos, mas pode aparecer em qualquer paciente internado ou não. Vamos começar nossa discussão trazendo dois casos, de forma a torná-la mais produtiva.
CASO 1: Paciente masculino, 35 anos, etilista importante e de longa data, internado há 2 dias por pneumonia bacteriana. De acordo com a enfermeira, desde a noite passada, paciente mostra-se inquieto, com dificuldade em permanecer deitado em sua cama e, por vezes, encara assustado a parede, falando que bichos sobem em seus braços. Ao exame, apresenta-se desorientado em tempo e espaço, sudoreico, descorado 2+/4+, temperatura 37,8oC, FC:110 bpm, FR:16 irpm, PA:160×100, com tremor de extremidades.
CASO 2: Paciente feminina, 82 anos, chega ao pronto-socorro acompanhada da filha, que relata que há 1 dia paciente iniciou mudança comportamental. Filha afirma que a paciente tentou agredi-la na manhã de hoje enquanto a mais jovem realizava tarefas domésticas, atividade feita todos os dias sem intercorrências. Ao exame físico, apresenta-se confusa, desorientada em tempo e espaço, agressiva e resistente à aproximação da equipe para examiná-la. Temperatura: 37,5oC, FC:80 bpm, satO2: 97%, massa palpável em hipogástrio.
Depois dessa leitura, você já deve ter uma ideia do que é agitação psicomotora, mas trazemos, aqui, a definição: a agitação psicomotora é definida como um estado de excitabilidade, com aumento exacerbado da atividade motora decorrente de estímulos externos ou internos, percebida por mudanças frequentes de posição, postura tensa e até mesmo aumento do tom de voz. Esses sintomas podem desencadear comportamentos agressivos e violentos, sendo a emergência psiquiátrica mais comum da prática clínica.
Primeiramente, é interessante ter uma equipe bem treinada para o manejo desse paciente e um ambiente propício. O passo inicial é verificar se ele está ameaçando a própria segurança ou a dos outros e propor as medidas necessárias (falaremos mais sobre elas ao final do texto) antes de iniciar a anamnese, o exame físico e o exame psíquico. Estes últimos, por sua vez, devem ser realizados na presença de, pelo menos, 2 profissionais da saúde (a fim de inibir comportamentos violentos contra a equipe) ao mesmo tempo, devido à urgência do quadro. Durante o exame, é importante avaliar algumas informações com o objetivo de descartar ou firmar o diagnóstico mais provável:
Nesse momento, é de suma importância, quando possível, abordar diretamente a temática da violência, oferecendo apoio para lidar com a situação e limitando a evolução do quadro.
Para isso, vamos voltar aos 2 casos que apresentei lá no começo.
Temos um paciente etilista importante e de longa data, taquicárdico, hipertenso, com tremores, agitação psicomotora, alucinações e desorientação. Sem relato de comorbidades.
Na maioria das vezes, diante dos quadros de agitação, pode não ser tão clara a etiologia alcoólica devido a uma história meio “rasa” e com poucos ou nenhum antecedentes. Isso acontece por conta da dificuldade de conversar com o paciente. Mesmo assim, podemos deduzir alguns pontos (ex: etilismo e alucinações) a partir do exame físico e psíquico detalhado.
Nesse caso, nossa principal hipótese diagnóstica seria abstinência alcoólica grave, possivelmente, um episódio de delirium tremens, levando em consideração a história de etilismo, o relato de alucinação (“olha assustado para a parede”), a microzoopsia, os tremores e o tempo de abstinência até o início dos sintomas.
Dentre as causas psiquiátricas de agitação psicomotora, a abstinência alcoólica é uma das mais comuns, mas o quadro pode acontecer também devido a episódios psicóticos ou maníacos, uso de antipsicóticos, uso de anticonvulsivantes, uso de drogas (anfetaminas, cannabis, ácido lisérgico, entre outros) e também devido a um transtorno de personalidade prévio.
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Temos uma paciente idosa, agressiva e desorientada com uma massa palpável em hipogástrico. Aqui, logo podemos nos atentar a uma das principais causas de agitação nos pacientes da clínica médica, principalmente em idosos: o delirium, o qual, provavelmente, foi desencadeado por uma infecção do trato urinário (massa palpável em hipogástrio nos remete a um bexigoma, o que, devido à estase urinária, poderia estar levando a um quadro infeccioso).
Não só a ITU, mas qualquer quadro infeccioso poderia levar a quadros semelhantes, mas não só eles. Também podemos citar:
O mais importante para diferenciar as causas psiquiátricas da causas clínicas será nossa anamnese e exame físico, mas podemos lançar mão de alguns exames complementares a fim de excluir algumas causas quando estivermos em dúvida, sendo que os mais utilizados são:
Ocasionalmente, poderá ser necessário a coleta de vitamina B12, ácido fólico, liquor, tomografia computadorizada ou ressonância magnética de crânio e eletroencefalograma.
Bom, como já foi comentado no meio do texto, a primeira medida é avaliar o risco que o paciente traz ou corre devido à sua agressividade e agitação. Inicialmente, vamos tentar dialogar com o paciente, falando calmamente, demonstrando empatia com um diálogo sem julgamento ou provocações e o escutando, a fim de criar o vínculo terapêutico.
Pode ser que essa intervenção não funcione e a possibilidade de agressão da equipe nos leve a pensar na contenção mecânica. Nesse momento, é importante avisar o paciente sobre o que está sendo feito, o motivo e o caráter não punitivo da medida. Além disso, é preciso lembrar-se de deixar a cabeça levemente mais alta do que o corpo para evitar broncoaspiração, manter as vias aéreas pérvias e monitorizar os sinais vitais com frequência.
O terceiro pilar do tratamento da agitação psicomotora é a contenção química com uso de medicações (usada também em quadros mais intensos, enquanto tentamos descobrir se a etiologia é clínica pois, se sim, é de fundamental importância tratar a condição de base). A principal medicação a ser utilizada será o benzodiazepínico (lorazepam, diazepam, midazolam, etc), mas podemos lançar mão também de antipsicóticos (haloperidol, quetiapina, risperidona, etc). A escolha da medicação dependerá de:
Após a administração de medicações desse tipo, é importante realizar avaliações frequentes do estado geral e sinais vitais do paciente devido aos possíveis efeitos colaterais das medicações, principalmente rebaixamento do nível de consciência e acatisia (piora da agitação).
Em episódios como esses, é fundamental recordar também algumas medicações que não devem ser utilizadas:
Conforme já discutimos, no caso 1, o paciente pode ser tanto da Psiquiatria quanto da Clínica Médica, mas acredito que, aqui, ele vá ser acompanhado posteriormente pela Psiquiatria devido ao etilismo. Aqui temos um quadro de delirium tremens, uma forma de abstinência alcoólica grave, e, portanto, precisamos agir rapidamente.
A medicação mais interessante, nesse contexto, são os benzodiazepínicos e a contenção mecânica também pode ser necessária. Além disso, é essencial fazer reposição volêmica com glicose e tiamina para evitar mais complicações decorrentes do quadro (como a encefalopatia de Wernicke, que já abordamos nesse post aqui) e dar suporte em relação ao vício.
No caso 2, temos uma paciente, a princípio, da Clínica Médica, com grande chances de apresentar ITU. Iremos começar avaliando a necessidade de medidas de segurança. Caso a paciente em questão estivesse agredindo membros da equipe hospitalar ou a si mesma, poderíamos considerar a contenção mecânica em leito de emergência e a aplicação de quetiapina ou haloperidol para que, depois, com a paciente um pouco menos agitada, fizéssemos o rastreio infeccioso da nossa principal hipótese diagnóstica com um exame de urina 1 e urocultura e a passagem de uma sonda vesical (devido ao bexigoma).
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Bianca Bolonhezi. Nascida em São Paulo/SP em 1996, formou-se em medicina pela Faculdade de Medicina do ABC em 2020. Apaixonada pelo comportamento humano e seus desdobramentos. Uma ávida leitora que, no meio de tantos livros, se encantou pela educação.