Sempre que estamos frente a uma gestante no PS, vem a dúvida: será que pode ou não pode utilizar analgésicos na gestação para o tratamento de algum problema? Seriam eles úteis para o controle das dores, tão frequentes nesse período ou eles mascaram sintomas que podem se tornar graves? E se pode, é durante toda a gestação ou só no primeiro ou terceiro trimestre? Pode ficar tranquilo, pois chegou o momento de explicar todos esses pontos.
Bora lá?
Sentir dor pode ser algo extremamente incômodo e, por vezes, até incapacitante, tanto durante a gestação quanto fora dela. Nós, médicos, somos peças fundamentais para ajudar os pacientes com esta queixa. Cabe lembrar que, na gestação, quadro álgicos pré-existentes podem piorar.
Muitas pacientes possuem condições reumatológicas, hematológicas, neurológicas ou psiquiátricas que necessitam de medicação analgésica para controle da dor — e aí entra também a questão dos analgésicos na gestação.
Além disso, há diversas causas fisiológicas que podem levar a dores durante toda a gestação. Muito comum observar cólicas nas primeiras semanas da gravidez, o que pode estar relacionado à dilatação da cavidade endometrial com o desenvolvimento inicial do embrião.
Lembrem-se, o útero possui uma cavidade endometrial virtual, que fica constantemente colabada pelas paredes miometriais. Quando há algum processo que leve a sua distensão, seja por sangramento menstrual ou pelo desenvolvimento de um saco gestacional, o miométrio tende a se contrair, gerando as cólicas.
Outro fator responsável por muitas crises álgicas nas gestantes é a chamada “embebição gravídica”. A progesterona está em níveis elevados desde o início da gravidez, como forma de auxiliar na manutenção do endométrio receptivo ao embrião.
Esse hormônio tem um efeito sistêmico e atua nas articulações maternas, com o objetivo de “afrouxar” a sínfise púbica e permitir sua distensão no momento do parto. Contudo, a progesterona não consegue selecionar apenas a sínfise púbica e acaba atuando em todas as articulações! Com isso, pode haver instabilidade de articulações devido ao relaxamento de ligamentos, podendo levar à lombalgias e dores mecânicas.
Um terceiro fator agravante para as dores gestacionais se relaciona ao ganho de peso e à alteração do centro de gravidade da grávida. Pensem comigo, vocês já viram uma gestante a termo caminhando? Ela anda com uma postura característica, a “marcha anserina”, decorrente do deslocamento anterior do centro de gravidade do corpo da grávida em função do crescimento do bebê, placenta e líquido amniótico.
Com isso, as mulheres tendem a apresentar uma hiperlordose lombar e passos mais afastados e oscilantes. Dessa forma, elas utilizam uma musculatura totalmente diferente daquela que estavam acostumadas até então, o que pode gerar dores musculares e lombalgia. Tudo isso é de essencial compreensão no que diz respeito aos analgésicos na gestação.
Mas atenção! Antes de iniciar qualquer medicação analgésica na gestação devemos ter certeza que a dor não representa alguma alteração patológica, como um abortamento, um trabalho de parto prematuro ou, até mesmo, um descolamento prematuro de placenta. Apesar de essas condições apresentarem outros sintomas associados, não podemos deixar que os analgésicos mascarem condições mais graves!
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A indústria farmacêutica nos fornece um amplo arsenal para o tratamento da dor. Cabe aos médicos escolher as melhores opções para cada caso. Certas drogas não são seguras durante a gestação, podendo causar teratogenicidade, abortamento e complicações materno-fetais. Por outro lado, o uso de outras medicações depende de uma avaliação a respeito de riscos e benefícios, levando-se em conta a mãe e o feto.
Por isso, muitas vezes ao pensarmos em prescrever analgésicos na gestação, surge um sentimento de medo de acabar realizando mais mal do que bem. Mas está na hora de resolver esses receios! Vamos revisar as medicações que podem ser usadas na gestação e caprichar no atendimento de gestantes no Pronto Socorro!
Categorias das drogas na gestação | |
Pelo FDA (Food and Drug Administration), as medicações podem ser classificadas em categorias a depender da segurança de sua utilização na gestação, baseado em estudos científicos: | |
A | Estudos adequadamente realizados, controlados em mulheres grávidas mostram risco ausente para o feto. |
B | Sem evidência de risco em humanos. Ou achados em animais mostraram risco, mas em humanos não. Ou se estudos em humanos não foram feitos, estudos em animais não mostraram risco. |
C | Sem estudos positivos em humanos e em animais para risco fetal, ou inexistem estudos. Contudo, os benefícios potenciais justificam o risco. Ou seja, o risco não pode ser excluído. |
D | Evidência positiva de risco, durante a investigação ou após a liberação no mercado, foi mostrado risco fetal. Entretanto, a depender da indicação, os benefícios podem superar os riscos. |
X | Contraindicado na gravidez. Estudos mostram que o risco é claramente maior que o benefício. |
Para descobrir a categoria de uma medicação, existem vários aplicativos médicos que podem te ajudar. Descubra aqui alguns apps que podem te ajudar nos plantões!
E antes de seguirmos para a escada analgésica, quero aproveitar para te contar que temos um e-book completo e gratuito com os temas mais relevantes para o acompanhamento de rotina da gestante, com base nas recomendações mais recentes do Ministério da Saúde e da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo). Estou falando do e-book ABC do pré-natal: o que todo estudante de medicina deve saber! Aproveita para já fazer download clicando AQUI.
Pela Organização Mundial da Saúde (OMS), temos uma estratégia para tratamento da dor que consiste basicamente em três degraus crescentes de analgesia, podendo estar ou não associados com adjuvantes.
Esses degraus, servem de parâmetro para progredir adequadamente a medicação da paciente, evitando uso desnecessário de medicações analgésicas e controle insatisfatório da dor.
No nosso Guia de Prescrições, temos um capítulo inteiro só sobre analgésicos potentes, então vale a pena dar uma olhada!
Primeira linha para tratamento da dor.
Os AINEs, quando utilizados no terceiro trimestre, têm risco aumentado de complicações maternas como hemorragia pós-parto, trabalho de parto prolongado e irritação gástrica. Além disso, no feto, temos efeitos adversos como oligoâmnio e fechamento precoce do ducto arterioso, podendo cursar até com hipertensão pulmonar persistente e óbito fetal.
Existe a descrição também de síndrome do desconforto respiratório, hemorragia intraventricular, displasia broncopulmonar e enterocolite necrotizante. Sendo assim, na prática, não utilizamos os anti-inflamatórios não esteróides a partir das 28 semanas. No terceiro trimestre, os AINEs são classificados na categoria D.
Entretanto, os estudos são escassos durante o primeiro e segundo trimestre, mas mostram associação com malformações cardíacas e há incerteza quanto ao aumento de risco de abortamento. Na classificação, os anti-inflamatórios não seletivos (Ibuprofeno, Piroxicam, Diclofenaco, Cetoprofeno) são categoria B, os seletivos (Meloxicam, Nimesulida e Celecoxibe), são categoria C.
Temos aqui uma classe muito importante para tratamento da dor aguda intensa, idealmente associado com um analgésico não opioide. Idealmente, não deve ser utilizado para tratamento crônico.
Agora vamos para medicações que servem de adjuvantes para melhor controle da dor crônica quando associadas com outros analgésicos. Temos tanto os anticonvulsivantes quanto os antidepressivos:
Todos os anticonvulsivantes devem ser usados com cautela, devido ao risco de malformações maiores (sistema nervoso central, craniofacial, urogenital e cardíacas).
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Resumidamente, temos múltiplas opções seguras de analgésicos na gestação. Devemos sempre seguir uma ordem crescente de prescrição para a analgesia da paciente. Sempre devemos levar em consideração as comorbidades de base, seguimento e medicações em uso previamente à gestação.
Podemos utilizar o Paracetamol e Dipirona, durante toda a gestação, com preferência para o primeiro. Os AINEs não são utilizados no terceiro trimestre, mas podem ser usados no primeiro e segundo trimestres (apesar de não ser uma prática comum). Os analgésicos opioides devem ser prescritos na gestação em caso de necessidade, sempre na dose suficiente para controle da dor.
A ciclobenzaprina (relaxante muscular) é uma boa medicação para controle da dor lombar em gestantes. Os antidepressivos e anticonvulsivantes têm indicações mais reservadas, como medicações adjuvantes, sempre com ajuda da especialidade que realiza o seguimento correspondente (Reumatologia, Neurologia, Psiquiatria, Hematologia…).
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Gaúcho, nascido em Novo Hamburgo em 1995. Formado pela Faculdade de Ciências Médicas/Universidade Estadual de Campinas (FCM-UNICAMP) em 2019. Residência em Ginecologia e Obstetrícia no Centro de Atenção Integral à Saúde da Mulher CAISM-UNICAMP. Só escala a montanha quem é capaz de dar o primeiro passo.
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