Fala, pessoal! Agora vamos discutir um assunto que vocês, com certeza, sabem muito! Acredito que já ouviram sobre o recém-nascido amarelinho/amarelão, inclusive já devem ter visto alguns. A icterícia neonatal é uma das manifestações mais comuns nos RNs!
A responsável por essa coloração amarelada na pele e conjuntiva é a bilirrubina. Guarde bem esta definição: a icterícia neonatal ocorre quando a concentração sérica de bilirrubina indireta (BI) é maior que 1,5 mg/dL ou quando a concentração sérica de bilirrubina direta (BD) é maior que 1,5 mg/dL, desde que esta represente mais do que 10% do valor de bilirrubina total (BT). Para percebermos o ‘’amarelinho’’ no exame físico, a BT deverá estar igual ou maior a 5 mg/dl.
Raramente será preciso tratar essa condição, porém uma minoria de RNs precisará de intervenção terapêutica por conta do risco de desenvolvimento de Encefalopatia por Hiperbilirrubinemia.
Bora relembrar o metabolismo da bilirrubina, galera! É importante ter em mente que a bilirrubina sérica é proveniente da destruição das hemácias, evento comum nos recém-nascidos. Mas, como assim? O RN apresenta, proporcionalmente, uma quantidade maior de hemácias circulantes. Além disso, suas hemácias têm um tempo de vida média menor do que as hemácias adultas, cerca de 70-90 dias apenas.
Assim, essa maior degradação das hemácias fetais no sistema retículo endotelial leva a uma produção de bilirrubina que é de 2 a 3 vezes maior do que no adulto! A bilirrubina, então, será transportada ligada à albumina através da corrente sanguínea até o fígado, onde ela deve ser conjugada e, posteriormente, excretada nas fezes.
Entretanto, o aumento de bilirrubina causa uma sobrecarga dos hepatócitos que no RN apresentam, intrinsecamente, uma menor capacidade de captação, conjugação e excreção da substância.
Uma vez no intestino, a bilirrubina pode ser desconjugada e, assim, reabsorvida através da circulação entero-hepática ou, então, degradada por bactérias e eliminada nas fezes.
Todos esses fatores juntos contribuem para o acúmulo de bilirrubina sérica no RN, que se manifesta clinicamente como icterícia!
A principal manifestação clínica da icterícia neonatal é a coloração amarelada da pele e mucosas do RN. A depender da porção do corpo em que está ictérica, podemos classificá-la em zonas, chamadas de zonas de Kramer:
Com as zonas de Kramer, conseguimos ter uma ideia do nível de bilirrubina. Entretanto, como são parâmetros subjetivos, o ideal é obter a bilirrubina sérica e/ou transcutânea para podermos avaliar a icterícia de um recém-nascido. Vai aí um bizu da prática, que já devem ter escutado: ABAIXO DO UMBIGO, SINAL DE PERIGO!
Podemos dividir a icterícia neonatal em dois grupos, de acordo com a prevalência do tipo de bilirrubina. Temos a icterícia por hiperbilirrubinemia indireta, produzida pelo aumento sérico da fração livre: a bilirrubina indireta (BI) e a icterícia por hiperbilirrubinemia direta, decorrente do aumento sérico da fração conjugada: a bilirrubina direta (BD).
O primeiro passo na investigação é avaliar o valor da BT e qual o tipo de bilirrubina mais prevalente. Na hiperbilirrubinemia indireta, alguns exames podem ser solicitados para auxiliar no diagnóstico:
No caso da hiperbilirrubinemia direta, esses são os exames que ajudam na investigação:
Não esqueçam: nossa primeira e principal hipótese diagnóstica deve ser a atresia de vias biliares (AVB). A AVB é uma doença caracterizada pela ausência ou obliteração dos ductos biliares extra-hepáticos. É a principal indicação de transplante hepático em crianças, GRAVÍSSIMO! Os RNs com AVB apresentam icterícia progressiva nas primeiras 8 semanas de vida e podem apresentar acolia fecal e colúria. Há demonstração, ainda, do aumento de enzimas hepáticas!
Apesar de a ABV ser a principal etiologia, outras causas devem ser consideradas, como sepse, outras doenças do trato biliar, toxinas, inflamação e doenças metabólicas (ex hipotireoidismo congênito) ou genéticas.
A principal causa da icterícia por hiperbilirrubinemia indireta no RN é a icterícia fisiológica! É um quadro comum, benigno e autolimitado e é um reflexo da adaptação neonatal ao metabolismo da bilirrubina, como já vimos! Geralmente, tem início a partir do 2º dia de vida, com pico entre o 3º e 5º dia de vida, não vai além da zona II de Kramer, resolvendo-se em 1 semana.
Quando a icterícia foge desse padrão, temos a obrigação de pensar em causas patológicas. Ou seja: início nas primeiras 24 horas de vida e/ou sua progressão rápida pelas zonas de Kramer.
Existem também alguns fatores de risco para o desenvolvimento da icterícia patológica. Sempre que eles estiverem presentes, devemos ter atenção redobrada para a progressão da icterícia!
Agora, vamos discutir, com mais detalhes, algumas causas patológicas mais frequentes!
A icterícia por leite materno tem início entre o 3º e 5º dia de vida, com pico após 2 semanas, quando começa a cair lentamente, desaparecendo entre 3 e 12 semanas após o nascimento. São bebês saudáveis, com bom ganho de peso, em aleitamento materno exclusivo. É um diagnóstico de exclusão!
O aumento de bilirrubina deve-se exclusivamente à fração indireta e provavelmente é decorrente de algum fator presente no leite materno. Algumas fontes recomendam a descontinuidade do aleitamento por 48-72 horas, com o seu retorno logo após. Mas pelo risco de prejudicar o aleitamento, recomenda-se atualmente a manutenção do aleitamento materno com controle e observação da evolução da icterícia.
Já a icterícia do aleitamento materno é associada a uma baixa ingestão de leite pelo recém-nascido, que favorece a lentificação do trânsito intestinal e, assim, a maior circulação entero-hepática. Essa icterícia, geralmente, se estende além da primeira semana de vida e deve ser tratada com o estabelecimento do aleitamento materno!
No caso de uma icterícia de início precoce e rápida evolução, sempre temos que pensar em icterícia de origem hemolítica. Além da hemólise fisiológica que ocorre nos recém-nascidos, alguns fatores podem intensificar esse processo!
Nesses RNs, haverá marcadores de hemólise aumentados, como reticulócitos e DHL, e pode existir anemia associada, com hemoglobina e hematócrito reduzidos.
A deficiência de G6PD é uma deficiência enzimática genética associada ao cromossomo X e deve ser pesquisada em todo RN que apresenta icterícia não fisiológica, mesmo que outra causa explique a hiperbilirrubinemia.
A esferocitose é outra doença genética caracterizada por uma alteração na forma das hemácias: ao invés de serem bicôncavas, têm formato de esfera. Isso faz com que as hemácias sejam degradadas mais facilmente pelo sistema retículo-endotelial, favorecendo assim, o aumento dos níveis séricos de bilirrubina.
A doença hemolítica por incompatibilidade Rh ocorre quando as hemácias do feto e/ou RN portadoras do antígeno Rh são destruídas por anticorpos maternos anti‑Rh. Para sua ocorrência, a mãe deve ser sensibilizada em gestação anterior, com prova de coombs indireto positivo. Nesses RNs, o coombs direto é SEMPRE positivo.
Já a doença hemolítica por incompatibilidade ABO é característica de um RN com tipagem A ou B, filho de mãe O. É mais comum na primeira gestação e é menos grave do que a incompatibilidade Rh. O coombs direto é positivo em apenas 20% dos casos.
Pessoal, a Sociedade Brasileira de Pediatria, em conjunto com a de Dermatologia, atualmente contraindicam o famoso banho de sol! Ele não tem efeito na resolução da icterícia e aumenta o risco de câncer de pele no futuro. Se atingir níveis preocupantes, lançamos mão da FOTOTERAPIA ou EXSANGUINEOTRANSFUSÃO.
Gente, existem algumas tabelas e gráficos que vão nos guiar nessas decisões, mas independentemente de qualquer coisa, tenham isso em mente: o valor da bilirrubina no RN sempre tem que ser avaliado em conjunto com as horas de vida do paciente.
É importante, também, classificar os RNs de risco baixo, médio e elevado risco. Para a classificação, consideramos a idade gestacional do RN e a presença de fatores de risco para encefalopatia hiperbilirrubínica:
Assim, valores de BT acima da curva específica para cada RN são indicativos de fototerapia. Temos, ainda, outro gráfico para manejo clínico da icterícia neonatal: o nomograma de Bhutani. Este permite classificar o risco de hiperbilirrubinemia nas próximas horas de vida em RN com 35 semanas ou mais de idade gestacional, conforme a idade pós-natal. Dessa forma, os RNs são classificados em zonas de risco (alto, intermediário alto, intermediário baixo e baixo). Essa classificação permite ao pediatra liberar ou não a alta hospitalar, bem como elaborar a investigação e tratamento da icterícia. Cuidado! Ela não indica tratamento, então não confundam!
E, para fechar com chave de ouro, questiona-se acerca do que é encefalopatia bilirrubínica (EB)? É ela que a gente quer tanto evitar!
É a mais temida complicação da icterícia neonatal por hiperbilirrubinemia indireta, decorrente da passagem da bilirrubina através da barreira hematoencefálica, acarretando lesão neuronal grave! A fase aguda ocorre nos primeiros dias e perdura por semanas, com letargia, hipotonia e sucção débil.
Se a hiperbilirrubinemia não for tratada, a doença pode progredir para hipertonia com hipertermia e choro agudo de alta intensidade, apneia, coma, convulsões e morte.
As crianças que sobrevivem à EB apresentarem a forma crônica da doença, com sequelas neurológicas graves, conhecida como Kernicterus. A forma mais eficaz de prevenir essa doença é o seguimento clínico rigoroso de um paciente com hiperbilirrubinemia indireta e/ou fatores de risco, com instituição de terapêuticas adequadas sem retardo.
Muito bom, pessoal! Tenho certeza de que agora ninguém mais passa aperto com icterícia neonatal, principalmente em relação aos diagnósticos diferenciais!
Se quiserem mais um gostinho da Neonatologia, recomendo o artigo de Hipoglicemia Neonatal! E vocês encontram todos esses temas bem mais aprofundados no nosso Extensivo e Intensivo São Paulo!
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Até a próxima, gente!
Referências
1- Lopes FA, Campos Jr. D. Tratado de Pediatria. Sociedade Brasileira de Pediatria – Volume 2. 4ª Ed – Editora Manole – 2017.
2 – Baptista, M et. al. Doença Hemolítica do Feto e Recém-nascido. Secção de Neonatologia da Sociedade Portuguesa de Pediatria. 2014.
Baiana criada em Aracaju, nasceu em Jacobina em 1996. Formada pela Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública no fim de 2018, Residência em Pediatria na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Sua maior vontade é levar tudo o que tem aprendido para o nordeste e contribuir para formação de médicos mais humanos.