Fala galera, tudo bem? Espero que sim, porque o tema do texto de hoje está inserido dentro do manejo de uma condição que demanda muita atenção dos médicos e médicas que atendem nos Pronto Atendimentos: a neutropenia febril. Este quadro determina morbimortalidade significativa nos pacientes oncológicos e saber como manejar tais casos é essencial. Isso muda o desfecho das pessoas nessa situação!
Só que hoje trataremos especificamente de um escore usado na abordagem desses pacientes: o escore MASCC. Então fiquem tranquilos(as), é um texto mais breve, mais direcionado, mas que já entrega conceitos muito importantes! Bora juntos?
Todo paciente com os dois seguintes critérios, no contexto de tratamento oncológico, deve ser abordado como portador da condição de que estamos falando:
Detalhe: esses valores de temperaturas são definidos para aferição em cavidade oral ou em membrana timpânica. Considerando que, na realidade brasileira, afere-se a temperatura mais frequentemente na axila, pode-se usar a temperatura axilar ≥ 37,8º. Para diagnóstico, numa extrapolação que considera que a medição nesse local é, normalmente, cerca de 0,3 a 0,5ºC menor em comparação às aferidas nos sítios citados nas referências internacionais.
Negativo! Diante de quimioterapia recente, não espere o hemograma para começar a tratar o indivíduo! Se há febre, assuma se tratar de um caso de neutropenia febril e inicie o antibiótico! Essa conduta pode evitar a evolução para um quadro séptico e até para óbito!
Galera, em geral, tais quadros ocorrem entre 10 a 14 dias após a QT, período em que mais comumente se vê o nadir de neutrófilos provocado pela cito e mielotoxicidade do tratamento. Entretanto, recomenda-se que todo paciente que recebeu QT nas últimas 6 semanas deva ser manejado como portador de neutropenia febril se preencher os critérios listados acima.
Pensando de forma prática, a quimioterapia gera um efeito citotóxico difuso e todo tecido que possui alta taxa de renovação celular será afetado de forma significativa. É o que ocorre na medula, daí a neutropenia (e eventual pancitopenia), mas também é o que se observa na mucosa do trato gastrointestinal. Uma vez fragilizada, essa barreira não mais oferece uma proteção adequada contra as bactérias presentes nesse local. Elas passam a translocar de forma mais fácil, causando a infecção que determina o quadro da neutropenia febril.
Nesse contexto, a Pseudomonas aeruginosa ganha muita importância. Então, surge a necessidade de incluir cobertura antimicrobiana contra esse patógeno, independentemente do sítio suspeito de ser o foco da infecção.
Primeiro, antes de respondermos essa pergunta, existem avaliações que podemos fazer para definir “riscos” em geral, diante do processo de cuidado de um paciente em tratamento oncológico.
Uma das análises se presta a determinar o risco de desenvolvimento de neutropenia febril, a depender de três grandes parâmetros. O primeiro diz respeito ao perfil de paciente: esta condição é mais comum em idosos, mulheres e em obesos, por exemplo. Também se infere tal risco considerando o próprio impacto do câncer naquele indivíduo: lactato desidrogenase elevada, linfopenia e a ocorrência de mieloftise configuram cenários de maior propensão à neutropenia febril. Por último, também se analisa a intensidade do tratamento proposto, com a percepção de que há relação direta entre o aumento da potência da QT e o risco dessa entidade clínica.
Em outra abordagem, avaliamos o risco do paciente que já se encontra em neutropenia febril desenvolver complicações graves decorrentes deste quadro. É nesse ponto que entra o MASCC.
Por fim, podemos avaliar o risco de má resposta ao tratamento, usando parâmetros como idade (pior resposta em adultos comparados às crianças), atraso até diagnóstico, uso de antibiótico diferente dos preconizados, etc.
Então, como focaremos no MASCC, o objetivo deste texto é te dar elementos para caracterizar o risco da Neutropenia Febril evoluir com com complicações, fechado?
A partir dessa análise, poderemos, inclusive, direcionar o regime de tratamento e a segurança em liberar um paciente com neutropenia febril para tratamento em casa, por exemplo. Daí a relevância desse tema, pegou?
Trata-se de um escore criado pela “Multinational Association Supportive Care in Cancer”. Mas pra que ele serve, afinal?
O MASCC, assim como outros escores já criados, auxilia na definição do que é uma neutropenia febril de alto risco para complicações graves e o que se enquadra nas de baixo risco para tal evolução. Essa diferenciação é essencial, pois pode determinar quem deverá ser necessariamente tratado em regime hospitalar por um maior período e quem pode receber alta, com tratamento ambulatorial, após uma breve avaliação hospitalar, como já introduzido no tópico acima.
Se liga na tabela:
Elementos avaliados | Pontuação |
“Grau” de acometimento / de sintomas | Assintomático: 6 ptsSintomas leves: 5 ptsSintomas moderado a graves: 4pts |
Ausência de hipotensão | 5 pts |
Ausência de DPOC | 4 pts |
Portador de tumor sólido ou hematológico na ausência de infecção fúngica | 4 pts |
Ausência de desidratação que requer fluidoterapia EV | 3 pts |
Não hospitalizado ao aparecimento da febre | 3 pts |
Idade < 60 anos | 2 pts |
Tabela confeccionada com base nos conceitos presentes em: BOW E.; MARR K. A.; BOND. S.; Risk assessment of adults with chemotherapy-induced neutropenia. Uptodate. Revisão de literatura vigente até Setembro de 2021, última edição de conteúdo em: 2 de Janeiro de 2020.
Na avaliação, a pontuação máxima é 26.
Se ≥ 21 pontos → Baixo risco
Se < 21 pontos → Alto Risco
Tal análise deve ser feita no momento do diagnóstico da neutropenia febril, mas cabem reavaliações seriadas, conforme julgamento clínico.
Em resumo, trata-se tal escore como uma das ferramentas para predição desse risco, sem que ele configure uma peça-chave ou absoluta nesse sentido. Deve ser analisado em associação a outros parâmetros.
Trazendo para termos práticos, um MASCC < 21 pontos, especialmente se associado à Proteína C Reativa e procalcitonina elevadas, foi preditor de risco de morte em 30 dias e de bacteremia, respectivamente, em estudos retrospectivos. Esses dados tiveram significância estatística, portanto, como fatores de risco para evolução desfavorável nesses pacientes.
Podemos citar vários, mas para sermos objetivos, listo alguns: hipotensão, IC com congestão que demande tratamento, alterações de nível e conteúdo de consciência, insuficiência respiratória, arritmias, CIVD, diátese hemorrágica que requer transfusão sanguínea, etc.
Negativo! Como já esperado, há críticas sobre alguns aspectos. As principais incluem:
Como exemplo, não utilizamos tal escore para casos em que há quimio de alta intensidade, como indução de remissão em leucemias agudas, ou em casos de transplante alogênico de medula. Neutropenia febril, nesses contextos, já é de alto risco, independentemente do MASCC.
A sensibilidade na predição de desfecho desfavorável, no grupo de pacientes com tumores sólidos que trataram em esquema ambulatorial, foi afetada negativamente pela ausência de parâmetros de gravidade que compõem os critérios do MASCC, como hipotensão, em avaliação inicial. Isso reforça a importância de reavaliações periódicas naqueles pacientes tidos como baixo risco
Sim, pessoal, e te digo o porquê: na distinção entre pacientes que poderão ser tratados ambulatorialmente daqueles que merecem internação e maior cautela, utilizamos não só o MASCC. É o que defende as abordagens elaboradas pela Infection Society Disease of America (IDSA) e pela National Comprehensive Cancer Network.
Para essas referências, devemos nos valer de outros parâmetros na definição do risco desses pacientes, além do MASCC. Busquei fazer uma síntese para vocês do que é defendido por elas.
Em resumo, pacientes classificados como de alto risco serão tratados em regime de internação, com antibioticoterapia endovenosa.
Aqueles que se enquadram no grupo de baixo risco podem ser tratados de forma ambulatorial, após avaliação hospitalar inicial, na qual já será feita uma primeira dose de antibióticos e, a princípio, endovenosa. Posteriormente, poderão ter alta para regime ambulatorial e antibioticoterapia por via oral.
Por fim, percebeu que eu falei que podem ser tratados de forma ambulatorial? Isso não é regra. Especialmente no Brasil, em que muitos pacientes não preenchem o critério “f” para baixo risco, que diz respeito à certeza de chegada rápida ao serviço médico para reavaliação. Não negligencie isso, beleza?
Dominado? Entendeu a razão para ter sido criado, o contexto de aplicação, vantagens, desvantagens, bem como o significado do Escore MASCC? Espero, de coração, que sim!
Ficou curioso sobre como manejar em definitivo a neutropenia febril? Então se liga no texto que traz a abordagem completa sobre o assunto, já presente lá no nosso blog.
Dúvidas ou comentários? Deixem aqui embaixo! Será um prazer respondê-los!
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Forte abraço e até a próxima!
BOW E.; MARR K. A.; BOND. S.: Risk assessment of adults with chemotherapy-induced neutropenia. Uptodate. Revisão de literatura atual até Setembro de 2021, última edição de conteúdo em 2 de Janeiro de 2020.
Mineiro de Uberlândia, nascido em 1995, formado pela Universidade Federal de Uberlândia. Residência em Clínica Médica no Hospital de Clínicas da USP de Ribeirão Preto.