Você já deve ter se deparado (na Medicina ou na vida) com algum paciente cheio de deformidades ósseas que te fizeram pensar em artrite reumatóide (AR), certo? Mas você está afiado quanto às manifestações típicas dessa doença? Vamos revisar juntos neste artigo sobre as principais manifestações clínicas!
Bom, como toda doença, é fundamental entendermos a fisiopatologia da AR para, só depois, conhecermos suas manifestações.
Devemos entender que esta doença resulta de interações complexas entre genes, fatores imunológicos e ambientais, levando a uma quebra da tolerância imunológica e à inflamação sinovial em um padrão simétrico característico.
A suscetibilidade à doença depende de mais de cem genes, principalmente relacionados ao nosso complexo principal de histocompatibilidade (MHC) do antígeno leucocitário humano (HLA).
Porém, mais que uma herança genética, a doença e suas agudizações se relacionam a importantes estímulos ambientais, que ativam repetidas vezes a imunidade inata.
Essa relação é comprovada por estudos que demonstram que a taxa de concordância para gêmeos idênticos é de apenas 12 a 15% (ou seja, mesmo em indivíduos geneticamente idênticos, a minoria apresenta AR igualitariamente, demonstrando que o ambiente em que o indivíduo se insere, mais que sua carga genética, interfere nas manifestações da doença).
Dos estímulos ambientais que contribuem, o mais bem definido é o tabagismo que, associado a fatores genéticos particulares, pode aumentar a suscetibilidade em até 20 a 40 vezes.
Basicamente, esses fatores em somatório gerarão uma cascata de produção inflamatória que aumenta as concentrações de anticorpos antiproteínas citrulinadas (processo chamado de citrulinação) e citocinas, culminando em:
Uma vez estabelecido o processo autoimune, a sinóvia na AR se organiza em um tecido invasivo que pode degradar a cartilagem e o osso, comportando-se como um tumor localmente invasivo.
Entenda, portanto, a AR como uma doença crônica, sistêmica, autoimune, de etiologia desconhecida, que envolve principalmente as articulações sinoviais. É importante a identificação da doença, pois o diagnóstico tardio pode levar a incapacidade locomotora significativa dentro de 10 a 20 anos.
A apresentação clássica da doença é de um quadro poliarticular e com início gradual. Exceções quanto a velocidade de progressão e o número de articulações envolvidas podem ocorrer. Sistemicamente, os doentes podem apresentar mialgia proeminente, fadiga, febre baixa, perda de peso e depressão.
A AR clássica apresenta-se de forma crônica ou subaguda com o predomínio dos seguintes sintomas: dor, rigidez (especialmente rigidez matinal) e inchaço de muitas articulações.
Normalmente, as articulações metacarpofalângicas (MCP) e interfalângicas proximais (IFP) dos dedos, as articulações interfalângicas dos polegares, os punhos e as articulações metatarsofalângicas (MTP) dos dedos dos pés são locais de artrite no início da doença.
Outras articulações sinoviais dos membros superiores e inferiores, como cotovelos, ombros, tornozelos e joelhos, também são comumente afetadas.
O esqueleto axial geralmente é poupado, exceto a coluna cervical (particularmente C1 a C2), onde a doença grave pode causar sério comprometimento neurológico, geralmente em pacientes com doença de longa data.
Por ser uma artralgia inflamatória, a rigidez matinal é muito usual. Os doentes queixam-se de lentidão ou dificuldade de movimentação das articulações ao sair da cama ou após ficar muito tempo em uma posição, que envolve os dois lados do corpo e melhora com o movimento.
O exame físico articular demonstra dor a palpação articular, calor e rubor locais, sensação de derrame. A sinovite do punho pode se apresentar como síndrome do túnel do carpo mesmo em doença muito precoce, quando o inchaço pode não ser particularmente evidente.
A AR afeta as articulações periféricas em quase todos os pacientes. O envolvimento das articulações axiais e centrais é menos comum, ocorrendo entre 20 a 50 % dos pacientes, incluindo as articulações atlantoaxial do pescoço, acromioclavicular, esternoclavicular, temporomandibular, cricoaritenóidea, os ombros e quadris.
O envolvimento simétrico das articulações é um aspecto característico, embora possa ser menos aparente no início da doença.
A gravidade da doença articular e a consequente deformidade às vezes é notavelmente assimétrica, provavelmente devido ao uso compensatório de um só membro com menor deformidade ou mais habilidade motora.
Alguns pacientes podem apresentar sintomas episódicos e autolimitados, sendo que uma minoria evolui para a forma crônica da doença. É o chamado “reumatismo palindrômico”. Outra forma articular mais rara é a monoartrite persistente. Pode se manifestar em punho, joelho, ombro, quadril ou tornozelo.
Na ausência de tratamento, a degeneração sinovial resulta em deformidades clássicas que devem ser conhecidas:
O laboratório dos pacientes com AR revela sinais de inflamação crônica. Assim, usualmente apresentam leucocitose, plaquetose e anemia de doença crônica, além de PCR e VHS elevados.
Cerca de 75 a 80% dos pacientes apresentam teste de AR positivo para fator reumatoide, antiCCP ou ambos. Estes são definidos como “AR soropositivo”, visto que a presença dos anticorpos tem implicações diagnósticas, terapêuticas e prognósticas.
A análise do líquido sinovial revela um derrame inflamatório, com uma contagem de leucócitos tipicamente entre 1500 e 25.000/mm cúbico, caracterizada por uma predominância de células polimorfonucleares.
As radiografias podem auxiliar no diagnóstico ao demonstrarem estreitamento do espaço articular e erosões ósseas. A ressonância magnética é uma técnica mais sensível do que a radiografia simples para identificar erosões ósseas; no entanto, o significado clínico das erosões detectadas apenas pela RM aguarda elucidação
O envolvimento do sistema musculoesquelético além das articulações (por exemplo, ossos e músculos) e de órgãos não articulares (por exemplo, pele, olhos, pulmões, coração e outros) ocorre em aproximadamente 40% dos pacientes com artrite reumatoide e está associado ao aumento da gravidade da doença, à morbidade geral e à mortalidade prematura.
Sintomas e achados constitucionais e sistêmicos podem incluir dor generalizada, rigidez, febre, perda de peso e fadiga. O achado extra articular mais comum, contudo, é a perda óssea.
Pode ser generalizada, decorrente da imobilidade, do processo inflamatório e dos efeitos do tratamento:
Na ausência de terapia antirreabsortiva, pode-se esperar que todos os pacientes com AR percam mineral ósseo.
A mais comum das manifestações cutâneas da AR é o nódulo reumatóide. Os sintomas de secura ocular e/ou oral são as características da síndrome de Sjögren, que pode ocorrer em associação com a AR.
O envolvimento ocular na AR também pode incluir episclerite, esclerite, ceratite ulcerativa periférica e, menos frequentemente, uveíte.
O envolvimento pulmonar na AR pode incluir pleurisia e doenças pulmonares parenquimatosas, embora mais raras.
No coração, pode ocorrer pericardite e miocardite clinicamente aparentes, e a presença de nódulos reumatóides no pericárdio, miocárdio ou estruturas valvares são incomuns em pacientes com AR, embora haja um risco aumentado de doença arterial coronariana, insuficiência cardíaca e fibrilação atrial.
Já o acometimento vascular em si pode se manifestar como vasculite de vasos sanguíneos pequenos a médios, e também são observadas taxas acima do esperado de doença arterial coronariana (como já citado), vascular periférica e cerebrovascular.
1. Pathogenesis of rheumatoid arthritis. Gary S Firestein.
2. Clinical manifestations of rheumatoid arthritis. Bryant R England.
Graduada em Medicina pela Universidade Federal de Uberlândia. Clínica Média pela mesma instituição e Gastroenterologia pela USP-RP.