Cerca de 5% dos pacientes que têm um AVC apresentam um quadro de Ataque Isquêmico Transitório (AIT) no mês anterior. E aí, você se sente seguro para orientar e tratar pacientes com AIT?
Você sabe que a Medway transforma aquelas doenças que dão um frio na barriga só de imaginar chegarem no seu plantão em textos fáceis de ler e com todas informações importantes e atualizadas. Então, vem comigo pra mais um!
“Entupiu, mas depois desentupiu!”
Também conhecido como “Mini-AVC”, o AIT é definido como “um quadro em que o paciente apresenta sintomas de AVC, porém com reversão espontânea dos sintomas em até 1 hora”.
Portanto, se liguem, que apesar de essa ser a definição atual do Ataque Isquêmico Transitório (AIT), mas ela tem sido questionada nos últimos anos. Até o final do texto, você será capaz de diagnosticar e tratar pacientes com AIT e ainda entenderá por que sua definição pode mudar no futuro.
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“Por que entupiu?”
O AIT é um AVC que não deu certo (que bom!). Nele, ocorre uma obstrução ao fluxo sanguíneo, ocasionando uma isquemia transitória no território irrigado pela artéria acometida.
A obstrução geralmente é causada por êmbolos. Muitos deles são por descolamento de placas de ateroma, outros decorrentes de patologias cardíacas pró-trombóticas como fibrilação atrial paroxística, Flutter atrial e forame oval patente.
Esse paciente muitas vezes já vai ter aterosclerose intracraniana, então a artéria já vai estar com uma luz menor deixando fácil para a placa terminar de entupir o cano!
Em situações especiais, a isquemia pode ser causada por êmbolos formados por trombos sépticos (descolamento de vegetações valvares da endocardite), por viscosidade extremamente aumentada (policitemia grave, por exemplo) ou diretamente por hipóxia grave (como intoxicação por monóxido de carbono).
Fatores de risco modificáveis | Fatores de risco não modificáveis |
Hipertensão arterial | Sexo masculino |
Hiperlipidemia | História pessoal de AVC |
Diabetes mellitus | História familiar de AVC |
Tabagismo | Idade |
Etilismo | |
Cardiopatias (Flutter atrial, fibrilação atrial, infarto agudo do miocárdio, por exemplo) |
“É igual, mas é diferente!”
O AIT é um AVC que teve resolução espontânea dos sintomas em menos de 1 hora. Logo, a origem dos sintomas, a fisiopatologia dos sintomas e a prevenção das patologias são as mesmas. A diferença é que o AVC persiste após esse tempo, de modo que as sequelas são praticamente garantidas.
Antes de falarmos sobre os sintomas de um AIT, é sempre importante lembrar que saber desconfiar de um AVC é fundamental, afinal, é uma doença muito comum de surgir no PS. Sabemos que o manejo desses pacientes com AVC não é fácil e, principalmente por ser uma corrida contra o tempo, não diagnosticá-lo pode alterar completamente a vida do doente. No nosso e-book gratuito AVC: do diagnóstico ao tratamento, te ensinamos o manejo do AVC, desde o primeiro contato com o paciente até a alta hospitalar. Informação nunca é demais, então que tal dar uma olhada lá também? Clique AQUI e baixe gratuitamente!
Os sintomas de AIT são os mesmos de AVC (novamente: sua diferença consiste apenas na duração dos sintomas), de modo que são sinais e sintomas decorrentes de isquemia em território cerebral.
Os sintomas estão relacionados às artérias acometidas e os territórios do homúnculo de Penfield irrigados por elas.
Você pode aprender mais sobre as diferentes apresentações clínicas de um quadro de isquemia cerebral neste post do blog.
O seu paciente vai relatar ter apresentado sintomas de déficit neurológico focal. A duração costuma ser de 5 a 10 minutos, com melhora espontânea do quadro em seguida.
Os principais sintomas que o seu paciente pode relatar são:
“A clínica é soberana?”
O diagnóstico de Ataque Isquêmico Transitório (AIT) é clínico, baseado na história e no exame físico. Aqui, os exames complementares vão ajudar principalmente a descartar os diagnósticos diferenciais.
A maior parte dos pacientes vai chegar assintomática no pronto-socorro e relatar na história sintomas de AVC que surgiram do nada e melhoraram espontaneamente.
Mas não é porque o paciente está assintomático que você vai mandar ele embora sem antes descartar os diagnósticos diferenciais. Sigam-me os bons!
“Doutor, o senhor vai pedir algum exame?”
“– Sim! Vou querer um exame físico por favor!”
Aqui, temos que lembrar das causas de AIT e dos diagnósticos diferenciais.
“Doutor, é pra chamar o pessoal do laboratório?”
“– Com certeza!”
Vamos pedir:
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Nada de ficar mais um dia com dúvidas sobre eletrocardiograma, hein?
Neuroimagem: a ressonância magnética com difusão é o exame padrão ouro para avaliação de isquemia cerebral e consegue avaliar até quadros isquêmicos mais agudos (justamente como é o caso do AIT), nos quais a isquemia dura < 24h. Porém, pouquíssimos hospitais brasileiros têm disponibilidade desse exame em serviços de urgência e emergência. Na maior parte dos casos, você terá disponível a tomografia computadorizada de crânio sem contraste, a qual ajudará a excluir fenômenos hemorrágicos (o que já é meio caminho andado!), mas não poderá avaliar sequelas isquêmicas menores.
O uso de contraste rotineiramente não provê benefícios adicionais e não é recomendado. A avaliação dos exames de imagem foi brilhantemente abordada aqui.
Depois de determinar que o paciente possui risco de ter um AIT, você deve aplicar o score ABCD2.
Pontuação | Critério |
1 | Idade > 60 anos |
1 | Pressão arterial > 140 sistólica ou > 90 diastólica |
2 | Sintoma: fraqueza unilateral |
1 | Sintoma: distúrbio de fala |
2 | Duração dos sintomas: > 60min |
1 | Duração dos sintomas: 10-60 min |
0 | Duração dos sintomas: < 10 min |
1 | Diabetes |
Score 0‐3 = baixo risco (1% risco em 48hrs) |
Score 4‐5 = risco moderado (4% em 48hrs) |
Score 6‐7 = alto risco (8% em 48hrs) |
Ao avaliar o paciente, é interessante aplicar a escala do NIHSS, que quantifica o déficit neurológico do paciente (ela pode ser vista aqui). Lá na frente, essa escala vai te ajudar a confirmar o diagnóstico e a guiar o tratamento.
Como pode haver sequelas se conceitualmente pra gente fazer diagnóstico o paciente precisa ficar zerado? É aí é que entra o X da questão!
O diagnóstico é clínico e baseado nos sintomas, de modo que muitas vezes, mesmo com melhora dos sintomas, o paciente pode apresentar pequenas sequelas cerebrais isquêmicas não visíveis na TC! Além disso, por ser um diagnóstico clínico, vai depender do grau de observação do examinador. Então, se o exame não for minucioso, pequenos déficits podem passar despercebidos.
E é por isso que há muitos especialistas que advogam que o diagnóstico deve ser realizado levando em conta o tecido, e não os sintomas, de modo que seriam considerados AIT apenas os casos em que não há sequela isquêmica. Porém, isso só seria possível utilizando a RM por difusão rotineiramente, o que é inviável na maior parte dos serviços.
O risco de curto prazo é avaliado através da escala ABCD2 mencionada anteriormente e é estratificado de acordo com a pontuação no score.
Score 0‐3 = baixo risco (1% risco em 48hrs) |
Score 4‐5 = risco moderado (4% em 48hrs) |
Score 6‐7 = alto risco (8% em 48hrs) |
O risco de longo prazo foi avaliado em uma metanálise que incluiu estudos publicados entre 1970 e 2020 e concluiu que o risco médio foi de 7,4% em 90 dias, 4,1% em 30 dias, 3,8% em 7 dias e 2,4% em 2 dias.
Ou “E agora, o que é que eu faço?”
Após toda essa jornada para entender de onde vem, para onde vai, o que causa e como eu descubro, só falta saber o que eu faço com esse paciente!
Assim como nos casos de AVC, há necessidade de realizar profilaxia secundária para novo episódio isquêmico. Depois de descartarmos eventos hemorrágicos na TC de crânio, iniciamos a profilaxia.
Em pacientes de baixo risco no ABCD2, isso é feito com AAS 300mg, seguido de AAS 100mg diariamente. Caso o paciente seja de alto risco no ABCD2 (> 4 pontos), há indicação de terapia antiplaquetária dupla com 300-600mg de clopidogrel em dose de ataque, seguido de 75mg diariamente associado a AAS 300mg dose de ataque, seguido de 100mg de AAS diariamente, por até 21 dias, depois mantendo apenas o AAS.
É de suma importância controlar os fatores de risco do paciente, mantendo atenção no controle pressórico, controle de LDL com estatinas de alta potência, cessação de tabagismo, exercícios físicos (150 min/semana), dieta do mediterrâneo, controle de peso e controle do consumo de álcool ou de preferência cessação total.
É sabido que em média 3,5% dos pacientes que sofrem AVC tiveram AITs nas 48h anteriores. Então, nosso paciente é um paciente de risco!
Para guiar a decisão de internar ou não o paciente Ataque Isquêmico Transitório (AIT), deve-se utilizar o resultado do score ABCD2, mencionado anteriormente. Pacientes de alto risco devem ser internados para monitorização e investigação. Já pacientes de risco moderado, a decisão deve ser individualizada. Caso haja fatores secundários que dificultem o retorno do paciente ao serviço médico (exemplo: idosos com alto grau de dependência; pacientes com problemas sociais; usuários de droga), a internação é mais bem indicada.
Se este post sobre Ataque Isquêmico Transitório (AIT) te ajudou, compartilhe com seus colegas e contribua para a evolução deles também! Não passe mais aperto nas emergências dos pronto-socorros por aí. Confira o PSMedway e salve mais pacientes! No nosso Instagram, também temos várias dicas pra você conduzir casos graves com segurança.
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Gaúcho. Médico formado pela UFPEL, residente de Ginecologia e Obstetrícia na UFMG. Tenho 2,04m de altura, sou cozinheiro cria da quarentena e tenho FOAMed na veia. Bora junto!