Quando se trata de Neurologia, muitos torcem o nariz só de pensar. Porém, nem tudo pode ficar na responsabilidade do neurologista. Por isso, todo médico precisa saber um pouco sobre essa área e reconhecer um AVC. Devido a essa importância, vamos explicar como lidar com o AVC isquêmico.
Para despertar sua curiosidade, vamos a uma situação hipotética: quando o paciente chega ao PS com um lado do corpo fraco e a boca torta, por onde o atendimento começa? Se você já se perguntou isso, é hora de aprender como começar a conduzir um paciente com suspeita de AVC.
AVC é a sigla para acidente vascular cerebral. Essa condição pode ser de origem isquêmica (a mais comum) ou hemorrágica (apesar de ser menos frequente, é potencialmente mais grave). Por ser mais recorrente, o AVC isquêmico (AVCI) é o foco deste artigo.
Como outros eventos de origem vascular, esse quadro tem origem súbita: não é infrequente que o paciente saiba relatar exatamente o que ele estava fazendo na hora que iniciou o déficit. Os sintomas mais relatados são a fraqueza de um lado do corpo e o desvio de rima labial, associado ou não a hipoestesia do mesmo lado.
Contudo, é importante ressaltar que o AVC não é apenas uma fraqueza. Qualquer déficit neurológico que surja agudamente deve despertar a suspeita dessa condição, como vertigem súbita, rebaixamento do nível de consciência, etc.
Na suspeita de um déficit neurológico de origem vascular, a escala do National Institute of Health Stroke Scale (NIHSS) pode ser utilizada para tornar a avaliação mais rápida e objetiva.
A aplicação da escala pode ser feita não só por médicos, mas também por outros profissionais de saúde. O objetivo é quantificar rapidamente os déficits por meio de uma pontuação que leva em consideração o nível de consciência, motricidade, sensibilidade e fala.
Além da gravidade, a evolução da escala ao longo das horas e dos dias subsequentes permite acompanhar a resposta ao tratamento, mas não é só isso! Não dá para esquecer de avaliar a glicemia capilar. A hipoglicemia é uma condição que pode provocar um déficit focal novo e simular um AVC. Por isso, todo paciente ganha um dextro.
O primeiro exame complementar que o paciente com suspeita de AVC deve fazer é a tomografia de crânio sem contraste. O objetivo é descartar um evento hemorrágico, pois apesar de ser bem menos frequente, a abordagem terapêutica é completamente diferente do isquêmico (cujo tratamento envolve a trombólise química).
Clinicamente, apesar dos sinais que podem sugerir um evento hemorrágico, como a cefaleia mais forte ou o rebaixamento do nível de consciência, só a tomografia de fato descarta o sangramento.
Para evitar trombolisar alguém que está sangrando, a TC é feita sem contraste. Se houver sinal de sangramento, isso aparece como uma imagem branca e hiperdensa na tomografia. Entretanto, se o paciente estiver nos 80% de casos de AVC, portanto de origem isquêmica, a TC pode ajudar com algumas pistas:
A tomografia de admissão também tem o objetivo de classificar o paciente de AVC isquêmico na escala do ASPECTS. Ela avalia dez territórios diferentes em cada hemisfério: núcleo caudado, núcleo lentiforme, cápsula interna, ínsula e segmentos de M1 a M6 da artéria cerebral média.
Todos os pacientes começam com dez pontos na escala (TC normal). A cada um desses territórios com hipodensidade, o paciente perde um ponto. Por exemplo, hipodensidade em cápsula interna e núcleo lentiforme: menos dois pontos, ASPECTS 8. Quanto menor for a pontuação, haverá mais sinais de isquemia presentes e maior será a gravidade ou mais tardia será a evolução da isquemia.
É sempre importante saber desconfiar de um AVC, afinal, é uma doença muito comum de surgir no PS. Sabemos que o manejo desses pacientes com AVC não é fácil e, principalmente por ser uma corrida contra o tempo, não diagnosticá-lo pode alterar completamente a vida do doente. No nosso e-book gratuito AVC: do diagnóstico ao tratamento, te ensinamos o manejo do AVC, desde o primeiro contato com o paciente até a alta hospitalar. Informação nunca é demais, então que tal dar uma olhada lá também? Clique AQUI e baixe gratuitamente!
A TC também pode ser absolutamente normal. Em todos os casos, sinta-se mais seguro para determinar a instituição do tratamento, trombólise e/ou trombectomia mecânica.
O tratamento do AVC isquêmico é a trombólise com alteplase endovenoso, visando à recanalização do vaso obstruído. Infelizmente, nem todo paciente de AVCI recebe um tratamento específico para a causa da oclusão. Isso porque, para indicar a trombólise, é preciso avaliar se o paciente preenche alguns critérios:
Para a realização da trombólise, a pressão arterial do paciente não deve ser maior que 185/110 mmHg, sendo autorizado, se for necessário, o tratamento com drogas vasoativas (geralmente nipride).
A dose é 0,9 mg/kg de alteplase EV até um máximo de 90 mg, em que 10% da dose em bolus e o restante é infundido em 1 hora. Durante a trombólise, o paciente deve ser monitorizado de perto, pois a PA deve ser mantida abaixo de 180/105 mmHg, e a escala do NIH deve ser repetida a cada 15 minutos.
O objetivo é monitorar possíveis sinais de piora neurológica. Caso o paciente apresente uma piora na escala do NIH de quatro pontos ou mais, são indicadas a interrupção da trombólise e a repetição da TC de crânio de urgência para descartar a transformação hemorrágica.
Além da trombólise, atualmente, há a trombectomia mecânica. Trata-se de um procedimento neurointervencionista no qual, por meio de acesso vascular (pela radial ou femoral), introduz-se um device que aspira o trombo.
A trombectomia mecânica tem critérios mais específicos de inclusão: pacientes com oclusão arterial proximal (devido ao acesso vascular), com pontuação NIH maior ou igual a seis pontos.
Inicialmente, eram incluídos pacientes com início do déficit em até 6 horas, mas, atualmente, sabe-se que a trombectomia mecânica pode ser feita em até 24 horas do início dos sintomas em alguns casos específicos.
Vale ressaltar que a trombectomia tem um NNT baixíssimo (apenas três). Ou seja, a cada três pacientes submetidos ao procedimento, um terá um benefício real. Atualmente, é um dos tratamentos com melhor eficácia na Medicina!
Quando o paciente dorme bem e acorda hemiparético, a avaliação fica um pouco mais delicada. Isso porque, agora, não dá para definir exatamente o momento de início dos sintomas.
Nesse caso, existe uma avaliação mais específica pela ressonância magnética. Por meio de diferentes sequências, a RMN revela, indiretamente, o tempo de evolução da isquemia e se é seguro aquele paciente ser trombolisado.
Apesar de ser diferente, a ressonância pode ser utilizada para AVC. Entretanto, sabe-se que, no Brasil, essa não é uma realidade acessível, uma vez que é um exame caro, demorado e menos disponível que a TC.
Dessa forma, existe uma avaliação que pode ser feita pela própria tomografia, chamada de perfusão. O objetivo é definir quanto de tecido cerebral já está morto e quanto é potencialmente salvável. A partir dessa estimativa do início dos sintomas, validada por estudos, é possível definir se a trombólise será feita.
Depois da saga no serviço de emergência, inicia-se a segunda parte. É investigada a causa do AVC para instituição da profilaxia secundária para evitar recorrências. Afinal, ter um AVC prévio é o fator de risco mais importante para um novo episódio.
Além disso, os pacientes são avaliados por uma equipe multidisciplinar, composta por médicos, enfermeiros, fisioterapeutas e fonoaudiólogos, para iniciar a reabilitação o mais precocemente possível.
Esse cuidado é importante para a recuperação ser completa e melhorar a qualidade de vida daquele paciente que eventualmente pode apresentar alguma sequela do evento.
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Carioca, natural de Niterói, nascida em 1997, capixaba de coração. Formada pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) em 2021. Residência em Neurologia pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP). “O médico que sabe apenas medicina, nem medicina sabe.”