Com certeza você já atendeu vários pacientes com cefaleias na emergência, já teve dores de cabeça ou então um familiar te mandou aquela mensagem insensata no final de semana à noite perguntando qual remédio tomar para enxaqueca. E não é pra menos! Alguns dados interessantes:
Os 10% restantes podem parecer pouco, mas 10% de algo tão comum acaba sendo um número considerável, certo? Então hoje o papo é exatamente sobre isso: como identificar causas potencialmente graves de cefaleias na emergência.
Mas, antes de começarmos, temos uma dica de ouro pra te dar: se você quer dominar a base da analgesia e sedação e se sentir seguro para prescrever um plano de analgesia otimizado e individualizado, sugiro fazer o nosso Curso de Analgesia e Sedação: do PS à UTI.
Agora sim, vamo lá?
Você já deve ter percebido que há centenas de possibilidades de apresentação das dores de cabeça – e não é pra menos: existem mais de 200 tipos de cefaleia! Para organizar esse tema tão amplo, foram criados os critérios diagnósticos para cada um dos tipos de cefaleias pela International Headache Society, o chamado ICHD-3 (The International Classification of Headache Disorders – 3rd edition).
Então fica fácil, né?! Na frente das cefaleias na emergência é só entrar nessa lista, ver se o paciente se encaixa e pronto! Aí você me diz: “Vish… mas eu perdi 3 horas e meu paciente não se encaixa em nenhuma delas! O que faço agora?”.
Primeiro passo: calma lá! É claro que a abordagem de cefaleias na emergência não se resume a critérios diagnósticos, pessoal! Eles foram feitos para te ajudar a reconhecer, classificar e tratar adequadamente os pacientes que sofrem com dores de cabeça. Porém, na emergência, o seu principal objetivo é responder a uma pergunta: é uma cefaleia primária ou secundária?
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O grande problema com as cefaleias na emergência está exatamente nessa diferenciação. Por isso, guarde bem: as cefaleias primárias são aquelas em que a dor de cabeça é a própria doença – e são a maioria. Já as cefaleias secundárias são sintomas de outras doenças potencialmente ameaçadoras à vida – e são a minoria.
Esse discernimento, como você deve imaginar, é feito baseado em anamnese e exame neurológico direcionados, com o objetivo de prevenir sequelas neurológicas, consequências graves e até mesmo óbito.
Bom, você já entendeu que frente a qualquer caso de cefaleias na emergência devemos buscar dados da história, do exame físico, do exame neurológico, sinais e sintomas que indiquem uma possível cefaleia secundária.
“Mas como obter todos esses dados essenciais?”. Obviamente, com uma boa anamnese e exame neurológico direcionado! Valorize como o paciente te conta a história!
Os dados que você obtiver da história devem ser suficientes para caracterizar tudo sobre o paciente e sobre a cefaleia. Você já deve imaginar que isso é uma lista imensa! E não é pra menos: a cefaleia é uma queixa comum a centenas de doenças e pode ser traiçoeira, especialmente se você deixar passar dados básicos como esses que vamos discutir.
O primeiro passo é caracterizar tudo sobre o paciente:
O segundo passo é caracterizar tudo sobre a cefaleia e, para começar, é muito importante definirmos a evolução temporal da dor de cabeça, conforme a figura a seguir:
Por fim, vamos nos atentar aos dados essenciais do exame neurológico:
Agora que você já sabe caracterizar uma cefaleia no PS, vamos falar dos critérios diagnósticos das principais dores de cabeça. Para começar, vamos falar da principal cefaleia primária do PS: enxaqueca. “Ah, Caio! Coisa chata! Pra que eu preciso disso?”. Dica: é muito importante você saber os critérios diagnósticos de enxaqueca porque, se presentes, a chance de patologia secundária é MUITO BAIXA (<1%). Ou seja, te dá segurança no PS para tratar adequadamente esse pacientes e liberá-los para casa assim que houver controle da dor, sem exames complementares (e sem iatrogenia!).
Todo mundo conhece alguém ou já atendeu uma crise de enxaqueca. É aquele paciente com várias crises de uma dor limitante, que prefere ficar num quarto quieto e escuro até a dor passar. No entanto, dessa vez ele vai para o PS por náuseas e porque vomitou a medicação que havia acabado de tomar. No atendimento, ele pede para você falar baixo e apagar as luzes da sala de medicação. É isso: lembre dessas características para gravar os critérios. São eles:
1. Pelo menos 5 CRISES com as seguintes características:
2. Duração de 4 a 72h (não-tratada ou tratada sem sucesso)
3. Com 2 das características a seguir:
a) Unilateral (hemicraniana)
b) Pulsátil
c) Moderada a intensa (limita as atividades rotineiras)
d) Agravada por esforço físico habitual (como subir escadas)
4. Pelo menos 1 dos seguintes:
a) Náuseas E/OU vômito
b) Fotofobia E fonofobia
c) Ausência de outra melhor explicação para a cefaleia
Se fizer o diagnóstico correto, você prescreve as medicações adequadas, a dor melhora na próxima hora e você consegue liberá-lo para casa (obviamente se não houver nenhum sinal de alarme).
Mas não se engane: o paciente deve preencher TODOS os critérios acima. Por que digo isso se todo mundo já viu crise de enxaqueca durante mais de 72h (o famoso “estado de mal enxaquecoso”)? Porque essa característica, por si só, já é um sinal de alarme! Ou seja, pode ser a descompensação da enxaqueca por alguma patologia secundária!
Agora que você sabe identificar uma enxaqueca no PS sem estresse, vamos falar de cefaleia tensional. É o tipo de dor mais comum no mundo, mas infrequentemente é intensa a ponto de levar o paciente ao PS para ser medicada. Ou seja, esses pacientes são mais ambulatoriais. Porém, já que chegamos até aqui, fica fácil lembrar dos critérios de cefaleia tensional, que é praticamente o oposto de enxaqueca. Dê uma olhada a seguir:
Por fim, você deve conhecer os critérios para cefaleia em salvas, a segunda cefaleia primária mais importante que chega no PS. Quem já atendeu uma dessas nunca se esquece: geralmente homem, por volta dos 40 anos, com dor muito intensa, olho vermelho e lacrimejando, agitado e inquieto, andando de um lado para o outro e gritando por analgesia! Já dá pra ter ideia dos critérios:
Pronto! Agora você sabe identificar as principais cefaleias na emergência! Aí você me pergunta: mas caso eu suspeite de uma cefaleia secundária (baseada na minha história e exame neurológico), qual o algoritmo de exames complementares? E aí, infelizmente, vem uma notícia algo desagradável: não há!
Ora, é óbvio que os exames complementares direcionados à investigação de uma cefaleia vão depender da sua hipótese diagnóstica: pensei em meningite, minha prioridade é o líquor; pensei em HSA, TC Crânio; pensei em arterite temporal, provas de atividade inflamatória (VHS e PCR); e assim por diante…
Então, chegamos à uma conclusão: não há fórmula mágica para cefaleias na emergência. Todo o “desenrolar” da investigação e manejo vão depender da sua história inicial. Por isso cefaleia é um tema bem complexo. E não é pra menos, já que esta é a manifestação clínica de inúmeras doenças, das mais benignas às patologias potencialmente fatais!
Bom, não temos um algoritmo de cefaleias na emergência. Aí vem a segunda pergunta: há algoritmo de tratamento? E, aqui mais uma vez, vai depender da sua hipótese diagnóstica e, obviamente, das características e comorbidades do paciente.
O tratamento da crise de enxaqueca é diferente do manejo inicial da cefaleia por uma HSA, da mesma maneira que é diferente da medicação para alívio sintomático de uma neuralgia do trigêmio, assim por diante… Por esses motivos, reservamos outros artigos para abordar especificamente esses temas. Fique atento nas publicações do nosso blog nas próximas semanas para saber mais sobre esse tema fascinante, tão amplo e complexo!
Então agora você não vai ter mais dúvida sobre como tirar a história e identificar as principais cefaleias na emergência: Tenha segurança ao atender qualquer cefaleia na emergência baseando-se principalmente na queixa do paciente e como ele te conta toda a sua história, além de um exame neurológico direcionado bem feito.
Aproveitando, se você ainda não baixou o nosso Guia de Prescrições, essa é mais uma dica para você estar preparado para atender em qualquer PS do Brasil! Faça o download gratuito!
Espero que tenham gostado!
Abraço e até mais!
Paranaense nascido em 1990. Formado pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR) de Curitiba em 2014. Residência em Neurologia pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Palo (HCFM-USP), concluída em 2019. No HCFM-USP, experiência como preceptor dos residentes entre 2019-2020. Concluiu um fellowship em Neuroimunologia em 2021. Experiência como médico assistente do departamento de Neuropsiquiatria do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná (HC-UFPR). "As doenças são da antiguidade e nada se altera sobre elas. Somos nós que mudamos na medida em que estudamos e aprendemos a reconhecer o que antes era imperceptível."
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