Um dos temas que merecem atenção é a circulação fetal. Por isso, é hora de aprender tudo sobre esse assunto. Assim, você direciona os estudos e fica craque tanto para os atendimentos no plantão quanto no dia a dia médico.
A seguir, você entenderá o que é circulação fetal e como ela acontece entre organismo materno e fetal. Cada estrutura desse processo também será apresentada para um entendimento completo. Confira!
Antes de abordarmos a circulação fetal, é necessário destacarmos que, para tudo isso funcionar, o feto tem algumas estruturas diferentes do adulto. O próprio sangue é diferente, sendo rico em hemoglobina fetal, muito melhor em captar o oxigênio e segurá-lo, mesmo que a pressão parcial de O2 (PaO2) seja baixa.
Imagem 2 – Curvas de saturação da hemoglobina fetal e da hemoglobina materna (Fonte: Physiology and consequences of foetal haemoglobin by Alex Yartsev – Jan 27, 2020 | https://derangedphysiology.com/)
No gráfico acima, repare que, com uma PaO2 de 30mmHg, um feto alcança uma saturação de quase 80%, enquanto um adulto não passa de 60%. Além disso, o sangue do feto tem uma quantidade proporcional muito maior de hemoglobina, com valores entre 15-17 g/dl, e um hematócrito tão alto que, em adultos, seria considerado patológico.
Imagem 3 – Hematócrito fetal comparado com o de adulto (Fonte: autoral.)
Então, não se assuste com a diferença nos valores de saturação do feto intrauterino comparado com um adulto, pois ele possui vários mecanismos para compensar isso. Confira o passo a passo do processo a seguir!
Imagem 4 – Esquema da Circulação Fetal (Fonte: Autoral.)
Quero aproveitar para te contar que temos um e-book completo e gratuito com os temas mais relevantes para o acompanhamento de rotina da gestante, com base nas recomendações mais recentes do Ministério da Saúde e da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo). Estou falando do e-book ABC do pré-natal: o que todo estudante de medicina deve saber! Aproveita para já fazer download clicando AQUI.
As trocas gasosas durante a circulação fetal acontecem na placenta. Ela recebe sangue pobre em O2 pelas duas artérias umbilicais e devolve sangue rico em O2 pela veia umbilical. Essas estruturas estão indicadas na imagem abaixo.
Imagem 5 – Duas artérias umbilicais trazem o sangue para a placenta e uma veia umbilical leva o sangue de volta ao feto (Fonte: Corte histológico do cordão umbilical; Creative Commoms license).
A placenta tem uma “banheira de hidromassagem”, na qual o sangue materno fica contido. É dessa banheira que o feto pega o oxigênio e despeja o CO2.
Os jatos que a enchem são as artérias uterinas (enchem de sangue rico em O2). Os drenos são as veias uterinas (retiram sangue dela e mandam de volta para circulação sistêmica materna).
Nessa “banheira”, ficam mergulhados vasos capilares umbilicais. As artérias umbilicais tornam-se capilares, fazem as trocas gasosas e transformam-se na veia umbilical.
A v. umbilical chega ao feto e divide-se: 10% vai para o fígado e 90% para o ducto venoso. Se todo sangue passasse pelo fígado, o sangue oxigenado seria misturado na veia portal (saturação 28%) e na veia cava inferior (saturação 28%), ficando com uma concentração muito baixa de O2 para distribuir ao resto do corpo.
Então, o ducto venoso faz esse desvio (shunt) direto para a veia cava inferior. Lá, o sangue mistura-se com sangue pobre em oxigênio e vai em direção ao átrio direito.
Para ter uma ideia, o sangue da veia cava inferior abdominal chega com uma saturação de 28%. Após a mistura, vai para a veia cava inferior torácica com saturação de 67%.
O sangue da veia cava inferior torácica chega ao átrio direito. Lã, mistura-se novamente com sangue da veia cava superior e do seio coronário. A maior parte do sangue passa para o átrio esquerdo por meio do forame oval. A outra pequena parte vai para o ventrículo direito e para as artérias pulmonares.
Recebe sangue da veia umbilical e faz um shunt para a veia cava inferior, impedindo que a maior parte do sangue misture-se com o sangue venoso da veia porta. Além disso, possui um esfíncter que se fecha durante a contração uterina. Serve para proteger o coração do aumento de volume que chega pela veia umbilical durante as contrações.
Do átrio direito, a maior parte do sangue passa pelo forame oval e vai para o átrio esquerdo. A menor parte vai do átrio direito para o ventrículo direito e é injetada nas artérias pulmonares.
Da artéria pulmonar, existe o último shunt: o ducto arterioso, que desvia o sangue da circulação pulmonar e manda diretamente para a aorta. Lembre-se: os pulmões e a maior parte dos vasos pulmonares estão colabados, então a resistência é muito grande nessa circulação, difícil para o sangue chegar até os pulmões.
Nessa fase, apenas chega aos pulmões o necessário para nutrir o parênquima. O pouco sangue que passa pela circulação pulmonar retorna ao coração pelas veias pulmonares e chega como sangue venoso ao átrio esquerdo.
Enquanto isso, o sangue que passou pelo forame oval chega ao átrio esquerdo, mistura-se com o sangue que chega das veias pulmonares, passa ao ventrículo esquerdo e é ejetado na aorta.
As artérias coronarianas e os troncos cerebrais são ramos que saem da aorta antes do ducto arterioso. Então, o coração e o cérebro recebem sangue com maior concentração de oxigênio.
Quando o ducto arterioso chega, sangue com maior oxigênio mistura-se novamente com sangue com menos oxigênio. Esse sangue misturado será distribuído aos membros e aos demais órgãos do corpo.
O forame oval realiza um shunt do átrio direito para o átrio esquerdo, outro shunt importante. Ele desvia a maior parte do sangue para não passar pelos pulmões e se misturar com o sangue venoso que está chegando pela veia cava superior e pelo seio coronário no átrio direito e no ventrículo direito.
Esse é o último shunt da circulação fetal. Ele desvia a maior parte do sangue da circulação pulmonar direto para a aorta. Os pulmões e os capilares pulmonares do feto estão colabados, então, apenas a quantidade necessária de sangue circula no pulmão para nutrir o parênquima.
Após a aorta receber o ducto arterioso, ela distribui o sangue para a circulação sistêmica. Porém, é das artérias ilíacas internas que saem as artérias umbilicais. É interessante notar que a saída de sangue venoso do feto para a mãe não ocorre no ponto mais baixo de saturação.
Ainda há sangue que segue irrigando o resto do corpo e chega como sangue venoso na veia cava inferior. De fato, a saturação nas artérias umbilicais é de 56%, enquanto na veia cava inferior abdominal (antes de receber o ducto venoso) é de 26%.
Após o nascimento, acontecem vários fatos novos em relação à circulação fetal. O bebê começa a respirar, os pulmões abrem-se, e os vasos pulmonares circulam sangue com liberdade.
Quando o cordão umbilical é cortado, o sangue passa em circuito fechado, seguindo o caminho natural de artéria para arteríolas, capilares e vênulas para veias. Esses acontecimentos fazem com que todo sistema precise mudar para se adaptar, e o corpo é muito bom nisso.
Durante a circulação pós-nascimento, as veias e as artérias umbilicais não têm mais função, por isso, atrofiam. Também não há mais sangue indo para a placenta ou chegando dela.
Como não há essa movimentação da placenta pela veia umbilical, passando pelo ducto venoso e desembocando na veia cava inferior, o sangue chega ao átrio direito com menos pressão. Além disso, sem sangue chegando nas artérias umbilicais (sistema com baixa pressão), a resistência periférica sistêmica aumenta.
Ainda durante a circulação após o nascimento, a pressão do átrio direito iguala-se à do átrio esquerdo, o fluxo da direita para esquerda pelo forame oval para, e ele começa a se fechar.
Com a abertura dos vasos da circulação pulmonar, o sangue da artéria pulmonar flui livremente para os pulmões. Agora, a pressão da aorta é maior que a pressão da artéria pulmonar. Então, o fluxo do ducto arterioso inverte-se, indo da aorta para a artéria pulmonar.
Existem três principais substâncias que fazem o ducto arterioso permanecer aberto:
Com a inversão do fluxo do ducto arterioso, um sangue rico em oxigênio passa pelo ducto, favorecendo o fechamento. Além disso, a expansão pulmonar está relacionada ao aumento de bradicinina e à diminuição de PGE2 e PGI2, o que também favorece o fechamento do tubo.
As antigas estruturas que faziam parte do sistema circulatório fetal tornam-se vestigiais.
Estrutura no feto | Estrutura no adulto |
Veia umbilical | Ligamento redondo |
Artéria umbilical | Ligamento umbilical |
Ducto venoso | Ligamento venoso |
Forame oval | Fossa oval |
Ducto arterioso | Ligamento arterioso |
Agora, você já sabe tudo sobre a circulação fetal! Então, que tal conferir outros temas importantes para a atuação médica? Na Academia Medway, você encontra conteúdos gratuitos, como e-books e minicursos, que guiam o seu aprendizado e melhoram sua performance nos atendimentos diários. Confira!
Gaúcho. Médico formado pela UFPEL, residente de Ginecologia e Obstetrícia na UFMG. Tenho 2,04m de altura, sou cozinheiro cria da quarentena e tenho FOAMed na veia. Bora junto!