Fala, galera! Mais um texto sobre Cirurgia aqui na Medway e, finalmente, chegamos a uma das principais causas de abdome agudo: a apendicite aguda. Essa doença é comumente atendida primeiramente pelo médico do PS que, antes de tudo, precisa suspeitar, confirmar o diagnóstico e fazer o primeiro passo do tratamento, para então poder chamar o colega cirurgião.
Aos futuros ou atuais cirurgiões, quais são as opções cirúrgicas então? é melhor cirurgia por videolaparoscopia ou aberta? Devemos fazer uma bolsa para o coto apendicular ou apenas sutura transfixante? É necessário drenar a cavidade? Vamos tentar esclarecer essas e outras dúvidas de uma vez por todas.
Bora lá?
Como começar a conduzir o caso?
Antes de tudo, devemos avaliar nosso paciente para verificar se ele(a) possui condições clínicas de suportar o estresse cirúrgico. Segundo, devemos avaliar se é uma apendicite simples ou complicada.
Terceiro, devemos realizar um acesso venoso para hidratação, correção de distúrbios hidroeletrolíticos e iniciar antibióticos intravenosos. “Ah doutor, mas eu já ouvi falar que existem trabalhos que diziam que eu poderia tratar apendicite não-complicada apenas com antibiótico!”. Calma, esse resumo é apenas sobre o tratamento cirúrgico. Discutimos melhor sobre o tratamento não-operatório no nosso artigo sobre tratamentos para apendicite.
Certo! Mas e se o paciente usa algum antiagreganteplaquetário como AAS ou clopidogrel? Devo suspender a medicação e esperar o tempo de meia-vida? A resposta é NÃO. Vários trabalhos demonstraram que a utilização dessas medicações não aumentou o risco de complicações, tempo de internação hospitalar, necessidade de reinternação ou mortalidade.
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Cirurgia videolaparoscópica ou aberta?
A resposta é VÍDEOsempre que possível, tanto para apendicite simples quanto complicada! A apendicectomia videolaparoscópica oferece diversas vantagens significativas em relação a apendicectomia convencional em termos de dor pós-operatória, infecção de sítio cirúrgico, tempo de internação hospitalar, retorno precoce às atividades laborais, custos hospitalares e melhores notas nos escores de qualidade de vida.
A cirurgia aberta deve sim ser valorizada também, afinal em diversas meta-análises, ela possui uma menor taxa de abscesso intra-abdominal e menor tempo operatório. Além disso, existem pacientes como cardiopatas nos quais uma anestesia geral apresenta um risco muito maior para o paciente do que uma anestesia de neuroeixo (ex. raquianestesia). Portanto, sempre que possível, considerando a experiência do cirurgião, disponibilidade de material do hospital, história de cirurgia prévia, idade, gênero, índice de massa corporal e gravidade da apendicite.
Certo! Indiquei cirurgia, mas onde fica o apêndice?
O apêndice cecal ou vermiforme é uma formação diverticular, de formato cilíndrico e em fundo cego, com comprimento de 6 a 9 cm em média. Une-se ao ceco em sua porção póstero-medial logo abaixo da válvula ileocecal, portanto, localizado na fossa ilíaca direita, na confluência das tênias do cólon. A tênia livre, ou tênia anterior, é localizada na face anterior do cólon, sendo a principal guia para determinar a localização do apêndice. Normalmente a base do apêndice localiza-se na mesma posição, mesmo em grávidas (antigamente acreditava-se que pelo crescimento do útero, o apêndice seria empurrado cranialmente, mas trabalhos recentes demonstram que a localização do apêndice normalmente é a mesma da mulher não-grávida). Já a ponta do apêndice pode localizar-se em diversas posições como do lado direito do abdome, pelve ou retroperitônio.
O chamado mesoapêndice é o mesentério que contém a irrigação e drenagem do apêndice. No interior do mesoapêndice encontra-se a artéria apendicular, que é um ramo terminal da artéria mesentérica superior, pela artéria íleocólica ou íleocecólica.
Antibióticos
Nos casos de apendicite simples, é recomendado apenas uma dose de antibiótico na indução anestésica. Nos casos de apendicite complicada, é necessário utilizar no pós-operatório, mas a duração deve ser no máximo de 3 a 5 dias.
Como conduzir uma apendicite não-perfurada?
Também chamada de apendicite não-complicada ou apendicite simples, se trata da maioria dos casos de apendicite, sem sinais clínicos ou radiológicos de perfuração (ex. massa inflamatória, flegmão ou abscesso).
Tempo para realizar a cirurgia → Os pacientes instáveis, em choque séptico ou com peritonitedifusa devem ser manejados clinicamente com suporte clínico (hidratação, correção de distúrbios hidroeletrolíticos, suporte hemodinâmico) e planejar a cirurgia imediatamente para retirar o foco infeccioso.
Nos demais pacientes, é possível planejar a cirurgia nas próximas 12 a 24 horas, sem influenciar no tempo de internação, taxa de complicações ou eventos adversos. Dessa forma, podemos avisar o centro cirúrgico e planejar a cirurgia em horário comercial, afinal, além de não prejudicar o paciente, todos gostamos de uma boa noite de sono.
Como conduzir uma apendicite perfurada
Tempo → Os pacientes sépticos, instáveis ou com perfuração livre ou peritonite difusa, devem ser levados imediatamente para cirurgia associada a antibioticoterapia.
Nos casos de apendicite com sinais/sintomas localizados, precisamos avaliar se o paciente apresenta alguma coleção abdominal como flegmão ou abscesso:
Abscesso < 3 cm → apendicectomia imediata com antibioticoterapia
Abscesso ≥ 3 cm → Nessa situação devemos avaliar a experiência da equipe e as condições do hospital. Nos centros menores com menor experiência em videolaparoscopia, é possível tentar punção guiada por radiointervenção associada a antibioticoterapia por 7-10 dias. Caso haja falha na punção (sem melhora clínica) ou impossibilidade da técnica, a apendicectomia é recomendada. Nos centros com maior experiência em videolaparoscopia, a cirurgia imediata para abscesso ou flegmão é uma opção segura, com menor taxa de reinternações e reintervenções em relação a terapia não-operatória.
flegmão → se a apendicectomia for factível e houver baixa probabilidade de necessitar de ressecção maior (ex. ileotiflectomia), a cirurgia é recomendada. Caso antecipe uma possível necessidade de ressecção maior, é preferível realizar antibioticoterapia e reavaliar clinicamente o paciente. Caso não tenha melhora clínica com antibióticos, a cirurgia é recomendada.
Tanto nos casos de abscesso quanto flegmão que foi optado por terapia não-cirúrgica (antibioticoterapia associada ou não a punção por radiointervenção), é importante acompanhar os pacientes durante pelo menos 6 a 8 semanas e solicitar colonoscopia e tomografia computadorizada para os maiores de 40 anos (maior incidência de neoplasias de apêndice e cólon).
A taxa de recidiva do flegmão e/ou abscesso após terapia conservadora (antibioticoterapia com ou sem radiointervenção) é de 12 a 24%. Apesar dessa taxa relativamente alta, a chamada “apendicectomia de intervalo” (cirurgia após o tratamento inicial) só é indicada nos casos de sintomas recorrentes/persistentes. Cuidado nas questões de residência médica, que algumas bancas podem indicar a apendicectomia de intervalo de rotina.
Técnica cirúrgica laparoscópica
Posicionamento: paciente posição supina com o braço esquerdo rente ao corpo; torre de vídeo do lado direito do paciente; cirurgião e auxiliar do lado esquerdo do paciente
Posição dos trocárteres: existe uma variedade de combinações possíveis para as punções, mas todas seguem o princípio de triangulação, sendo o apêndice cecal o ápice do triângulo. Apesar de vários casos descritos utilizando single-port (portal único), a literatura sugere a técnica de 3 portais pela superioridade no tempo operatório, incidência de infecção de ferida operatória e quantidade de anestésico necessário.
Preensão do apêndice ileocecal com a pinça de apreensão introduzida pela fossa ilíaca direita;
Com o gancho, no trocarte da fossa ilíaca esquerda isola-se o apêndice de seu meso a partir de sua extremidade rente ao apêndice para cauterizar ramos terminais da artéria apendicular, progressivamente, até a base, e o ceco próximo ao apêndice é liberado dos apêndices epiplóicos que se localizem na vizinhança. Como alternativa ao gancho, é possível utilizar clips laparoscópicos, pinças de energia como o bisturi ultrassônico ou Ligasure (pinça bipolar laparoscópica). As desvantagens dessas opções alternativas são: a necessidade de abordar a artéria apendicular e não os ramos terminais (maior risco de sangramento), remanescente maior do mesoapêndice junto a peça cirúrgica (aumenta o volume a ser retirado, necessitando de endobag)
sutura da base do apêndice com fio de algodão 2-0 agulhado de 20 cm de extensão, transfixando a serosa em dois pontos para melhor fixação da ligadura, sendo facultativa outra sutura mais distal para secção do apêndice entre as suturas, sem risco de extravasamento de seu conteúdo. Nesse passo cirúrgico, como alternativa às suturas, é possível utilizar um grampeador videolaparoscópico, que reduz o tempo cirúrgico, mas aumenta o custo do procedimento. Não há diferença no tempo de internação, complicações ou eventos adversos independente da técnica utilizada para ligadura do apêndice.
secção do fio de sutura e o restante do fio agulhado permanece na cavidade abdominal para futura realização da bolsa de invaginação do coto apendicular;
preensão do apêndice próximo à base através da pinça de apreensão introduzida, com redutor, no trocarte de 10 mm da fossa ilíaca esquerda, ou entre as duas suturas, quando a segunda sutura foi realizada;
secção do apêndice com uso do gancho introduzido pela fossa ilíaca direita, entre a sutura da base e a da pinça de apreensão (ou entre as duas suturas realizadas), evitando-se extravasamento do conteúdo do apêndice.
retirada do apêndice apreendido, tracionando a pinça de apreensão imediatamente após a secção para dentro do trocarte (Figura 4), sendo que na maioria das vezes o diâmetro do apêndice permite sua retirada tracionando-se a pinça e o redutor; sem o meso, mesmo bastante inflamado, dentro do trocarte de 10 mm;
o apêndice é tracionado e colocado dentro do trocarte de 10 mm;
o trocarte de 10 mm é retirado da parede abdominal com o apêndice no seu interior e, após a sua saída, ele é novamente introduzido na parede abdominal, evitando-se desta maneira o uso de sacos de extração que, além de aumentarem o custo do procedimento, exigem manobras para introdução do apêndice em seu interior que podem demandar tempo e risco de contaminação da cavidade abdominal;
sutura em bolsa no ceco em torno do coto apendicular para seu sepultamento. Esse tempo cirúrgico também é divergente entre os cirurgiões. Estudos demonstram que a simples ligadura ou sepultamento do coto não demonstram diferenças nos resultados.
Técnica aberta (convencional)
Posicionamento: paciente em posição supina
Incisão: caso seja possível palpar massa inflamatória, a incisão deve ser feita no local da massa. Nos demais casos, a incisão padrão é a de McBurney (incisão oblíqua no ponto de McBurney – ponto imaginário na junção do terço médio e terço distal de uma linha imaginária da cicatriz umbilical até a espinha ilíaca ântero-superior). Outras opções de incisão são: Lanz (incisão oblíqua, mas menos angulada do que a de McBurney), Rockey-Davis (incisão horizontal) com ou sem extensão à Rutherford morrison e Fowler-weir, ou incisões pararretais (Jalaguier – pararretal externa; Lennander – pararretal interna)
Abertura do subcutâneo e das fáscias de Camper e Scarpa para expor a aponeurose do oblíquo externo.
Incisão da aponeurose na direção das fibras da oblíquo externo, seguido de divulsão das fibras musculares
Dissecção romba do oblíquo interno e transverso separando-os da fáscia transversalis
Pinçamento e abertura da fáscia transversalis e peritônio
Procurar o apêndice cecal pela palpação de lateral para medial na goteira parieto-cólica direita, ou encontrar uma das tênias e seguindo-a até o ceco, com posterior exteriorização do apêndice pela incisão, e se possível do ceco.
A técnica retrógrada consiste na preensão do mesoapêndice na e isolamento da artéria apendicular na base do mesoapêndice, com ligadura e secção. O passo seguinte consiste no “emagrecimento” do apêndice pela dissecção com eletrocautério do apêndice e o mesoapêndice.
A técnica anterógrada consiste na dissecção com eletrocautério separando do apêndice cecal do mesoapêndice até a base, seguido de controle vascular da artéria apendicular.
Realizado ligadura ou sutura transfixante da base do apêndice, e secção. A técnica cirúrgica em relação do coto apendicular pode variar desde a confecção da bolsa de tabaco ou técnica de Ochsner (é feita através da amputação do coto, submetido à ligadura ou não), realizar a sutura da base do coto apendicular associando a técnica de Parker Kerr, na qual há sobreposição de tecido à linha de sutura, ou manter apenas o coto apendicular com ligadura simples. O guideline de Jerusalém de 2020, grande referência no assunto recomenda apenas a ligadura simples do coto apendicular, sem inversão do coto, pois as complicações infecciosas não diferem entre as técnicas.
Realizado fechamento por planos até a pele.
Uso de drenos
O principal guideline mundial é contra a utilização de drenos, mesmo nos casos de apendicite perfurada, abscesso ou peritonite. A utilização de drenos não tem benefício em prevenir abscessos intra-abdominais e levam a um maior tempo de hospitalização. Além disso, há pouca evidência que altere a morbimortalidade nos primeiros 30 dias dos pacientes que utilizam drenos em relação aos que não usam dreno.
Anatomopatológico
Uma observação importante após a cirurgia é sempre mandar a peça cirúrgica para anatomopatológico. A prevalência de neoplasias de apêndice é rara, com < 1% das apendicectomias. Os principais tumores do apêndice encontrados são:
Tumor carcinoide ou neuroendócrino → em geral a apendicectomia simples é suficiente para a maioria dos casos. Nos tumores > 2 cm ou com linfonodos comprometidos está indicado colectomia direita.
Adenocarcinoma → o tratamento padrão é a colectomia direita.
Mucocele de apêndice (cistos de retenção, pólipos serrilhados, neoplasia mucinosa de apêndice de baixo grau, neoplasia mucinosa de apêndice de alto grau, adenocarcinoma mucinoso, pseudomixoma peritoneal) → é possível realizar a apendicectomia e biopsiar áreas suspeitas, mas sempre com cuidado para não extravasar o conteúdo e disseminar células neoplásicas que podem levar a um pseudomixoma peritoneal ou recidiva tumoral local.
Ufa! É isso, gente!
Espero que todos tenham gostado e que tenha acrescentado conhecimento para prática de vocês. Se tiverem ficado dúvidas, podem mandar comentários que a gente responde!
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Nascido em 1993, em Maringá, se formou em Medicina pela UEM (Universidade Estadual de Maringá). Residência em Medicina de Emergência pelo Hospital Israelita Albert Einstein.