Definimos gravidez ectópica como qualquer implantação do embrião fora da cavidade endometrial. Esta pode ser tubária (95-97% dos casos), abdominal, ovariana ou cervical (colo uterino). Sua incidência é de 2%, mas vem aumentando recentemente devido, provavelmente, ao aumento das tecnologias e métodos diagnósticos.
Infelizmente, ainda hoje é uma das principais causas de morte materna no primeiro trimestre de gestação, sendo responsável por 9% dos óbitos maternos durante o ciclo gravídico-puerperal. Por esse motivo, seu diagnóstico precoce e estabelecimento de tratamento adequado são extremamente importantes.
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Dor abdominal, sangramento vaginal e atraso ou irregularidade menstrual são considerados a tríade clássica de sinais e sintomas que compõem o quadro clínico.
Os achados do exame físico variam de acordo com o estado hemodinâmico da paciente. É possível encontrar desde pacientes com exame físico normal até mulheres com evidente instabilidade hemodinâmica. O exame ginecológico pode revelar a presença de sangramento vaginal, geralmente em pequena quantidade, escuro, acompanhado de coágulos e restos de decídua.
Em virtude do acúmulo de sangue e coágulos na pelve, o exame do fundo de saco posterior pode ser extremamente doloroso (sinal de Proust) e por isso é também denominado “grito de Douglas”.
Após o estabelecimento da suspeita de gravidez ectópica, devemos inicialmente realizar o diagnóstico da gravidez através da dosagem sérica do beta-hCG. Confirmando a gestação, é fundamental a realização de uma ultrassonografia transvaginal (USGTV) para determinarmos a sua localização.
Observação: com hCG > 1500-2000 mUi/ml (chamado de valor discriminatório), deve-se obrigatoriamente visualizar saco gestacional tópico. Caso não seja visualizado, é altamente sugestivo o diagnóstico de gravidez ectópica.
Em virtude dos avanços diagnósticos, que possibilitam com bastante frequência a identificação de formas incipientes de gravidez ectópica, o tratamento dessa enfermidade tem sofrido grandes mudanças nas últimas décadas.
Se no passado o único objetivo era salvar a vida da paciente por meio da laparotomia com hemostasia e retirada da gravidez ectópica, atualmente, em função do diagnóstico precoce e do melhor conhecimento da fisiopatologia dessa doença, pode-se oferecer, em casos selecionados, condutas terapêuticas mais conservadoras, com o intuito de preservar o futuro reprodutivo das pacientes.
O tratamento pode ser cirúrgico (radical ou conservador) ou clínico (medicamentoso ou expectante), porém, a escolha do tipo de terapêutica deve ser individualizada e depende de:
Nos casos de instabilidade hemodinâmica, não há muito o que pensar: o tratamento é laparotomia imediata! E como geralmente ocorreu a ruptura da massa tubária, a cirurgia a ser realizada deve ser salpingectomia, ou seja, a retirada da trompa acometida.
Nos casos de estabilidade hemodinâmica em que se supõe que não houve ruptura da massa ectópica e há desejo de gestação futura, e quando a massa anexial for menor que 3,5 – 4 cm, a conduta pode ser cirúrgica ou medicamentosa (menos agressiva). Caso contrário, a conduta deve ser apenas cirúrgica.
Via de regra, como em grande parte das vezes, o diagnóstico não é tão precoce, e o tratamento padrão da gravidez ectópica recairá na abordagem cirúrgica. Há dois tipos principais de cirurgias: a abordagem conservadora com preservação da tuba uterina, que exige estabilidade hemodinâmica, versus a abordagem mais radical via laparotômica.
Infelizmente, até o momento, existem poucos estudos prospectivos bem controlados que comparam o futuro reprodutivo das pacientes submetidas a diferentes formas de tratamento cirúrgico de gravidez ectópica. Alguns estudos retrospectivos sugerem que a taxa de gravidez intrauterina futura posterior à cirurgia conservadora é semelhante ou levemente superior à verificada após a salpingectomia.
O que sabemos é que o prognóstico de uma futura gestação após episódio de gravidez ectópica parece depender principalmente dos antecedentes da paciente e do estado da tuba contralateral.
O tratamento conservador (salpingostomia) deve ser realizado quando os próximos 4 critérios estejam presentes:
Uma vez optado pela cirurgia conservadora, a melhor abordagem é a salpingostomia linear, que consiste na incisão superficial na parede tubária sobre o saco gestacional, que deve ser removido por sucção. Além disso, não deve ser realizada a sutura da parede da tuba acometida, a qual cicatrizará por segunda intenção.
Opta-se pela ressecção segmentar da tuba uterina nos casos em que o local de implantação da gravidez ectópica se encontra muito danificado ou necrosado, ou ainda na persistência de sangramento posterior à salpingostomia. Mesmo havendo controvérsias, alguns cirurgiões recomendam a ressecção segmentar sempre que a gravidez ectópica se implanta na região ístmica, visto que a porção proximal da tuba apresenta lúmen mais estreito e camada muscular mais espessa do que a ampola tubária, podendo ocorrer maior grau de lesão tubária quando se verifica esse tipo de implantação.
A chamada ordenha tubária fica reservada aos casos em que o tecido trofoblástico está sendo eliminado espontaneamente pelo infundíbulo. Como frequentemente o tecido gestacional infiltra a parede tubária, extrapolando os limites do lúmen tubário, a realização de um procedimento vigoroso, na tentativa de forçar a expulsão, pode resultar na remoção incompleta do tecido trofoblástico, criar falso pertuito e obstruir a tuba.
Já a cirurgia radical, ou seja, salpingectomia, que consiste na retirada total da tuba uterina acometida, deve ser realizado quando:
A cirurgia laparoscópica, sem dúvida alguma, é a mais benéfica do que a cirurgia laparotômica e deve ser preferida sempre que houver condições clínicas para a sua realização, pois possibilita menor manipulação, evitando a formação de aderências, menor tempo cirúrgico e de internação, com melhor e mais rápida recuperação pós-operatória e menos complicações, além de um melhor resultado estético, pois se trata de uma cirurgia minimamente invasiva.
Contudo, a laparoscopia não deve ser indicada em caso de instabilidade hemodinâmica, sendo a laparotomia a melhor via de abordagem.
Por fim, não há diferença significativa na permeabilidade tubária, na taxa de gravidez intrauterina subsequente e na recorrência de gravidez ectópica a depender da via de abordagem escolhida.
A gravidez abdominal representa de 0,15 a 1,4% das gestações ectópicas. Os sintomas mais comumente encontrados são amenorreia, dor abdominal agravada pelos movimentos fetais nos casos de gestação avançada, sangramento vaginal e alterações do trânsito intestinal.
O tratamento depende fundamentalmente da vitalidade e da viabilidade do produto conceptual. Classicamente, uma vez estabelecido o diagnóstico de gravidez abdominal, em virtude do elevado risco de complicações maternas, particularmente as hemorragias incoercíveis, procede-se à interrupção da gravidez por laparotomia.
Quando o diagnóstico é realizado tardiamente, no entanto, diante de feto vivo e viável, pode-se aguardar, com a paciente hospitalizada, até que o produto conceptual se desenvolva com menor gravidade das possíveis consequências da prematuridade. A abordagem da placenta constitui um tópico crucial nos casos de gravidez abdominal. A princípio, deve-se remover a placenta, exceto se esta estiver implantada em região com estruturas vitais ou com vasos de grande calibre devido ao risco de hemorragia tardia, formação de abscesso, fístula envolvendo víscera abdominal e sepse.
A gravidez ovariana é a forma mais comum de gravidez ectópica localizada fora da tuba uterina e corresponde a 0,5 a 3% das gestações ectópicas. Em geral, o diagnóstico de gravidez ovariana é feito apenas durante a cirurgia. Mesmo assim, é muitas vezes confundido com o de corpo lúteo roto, sendo somente possível ter certeza do diagnóstico com o exame anatomopatológico.
A conduta diante dessa gestação é a ooforectomia ou cistectomia por laparotomia. Entretanto, nos dias atuais, muitos casos têm sido tratados com laparoscopia ou tratamento medicamentoso.
A gravidez cervical é aquela cuja implantação ocorre no canal endocervical. Ela representa menos de 1% das gestações ectópicas e tem sido associada à alta morbidade e resultados adversos para o futuro reprodutivo da paciente.
A manifestação clínica mais frequente é sangramento indolor no primeiro trimestre da gravidez. Outras características clínicas são orifício externo do colo entreaberto, orifício interno fechado e alargamento desproporcional da cérvix.
No passado, o tratamento-padrão era a histerectomia total abdominal, porém, atualmente, o tratamento conservador com metotrexato sistêmico ou local é o mais empregado. Outras opções terapêuticas incluem dilatação e curetagem com tamponamento por sonda de Foley e embolização das artérias uterinas.
Denomina-se gravidez heterotópica (ou combinada) a coexistência de gravidez ectópica e tópica. No passado, sua incidência era de 1:30000 gestações, porém atualmente varia de 1:4000 a 1:6000, devido ao aumento das gestações por reprodução assistida.
Em virtude da gestação intrauterina, a dosagem sérica de beta-hCG não auxilia no diagnóstico, tampouco no acompanhamento após terapêutica conservadora. De modo geral, cerca de dois terços dessas gestações intrauterinas resultarão em recém-nascidos vivos, enquanto um terço acabará em abortamento.
O tratamento cirúrgico é o preferível nestes casos, ainda que envolva riscos anestésicos para a mãe e o feto. Havendo morte do produto conceptual localizado fora da cavidade uterina, desde que a paciente se encontre assintomática, a conduta expectante pode ser uma alternativa terapêutica.
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Paulista, nascido em Americana em 1995. Formado pela Universidade de Brasília em 2019. Residência em Ginecologia e Obstetrícia no HC-FMUSP. Sucesso é o acúmulo de pequenos esforços repetidos dia a dia. Siga no Instagram: @danielgodamedway