Classificação e tratamento da dengue

Conteúdo / Medicina de Emergência / Classificação e tratamento da dengue

Provavelmente você já deve ter ouvido falar na classificação da dengue. Sabia que ela é essencial para manejo e prevenção de casos graves? A classificação da dengue serve para orientar o manejo desta doença, levando em consideração aspectos clínicos e de condições prévias do paciente.

Muitas evoluções desfavoráveis podem ser evitadas se nos atentarmos mais para a classificação da dengue e aplicarmos o fluxograma corretamente. A altíssima incidência de casos de dengue no Brasil, bem como o seu potencial para gravidade, exige do médico brasileiro domínio sobre esse assunto. Bora lapidar e aprimorar o conhecimento nesse tema?

Antes de continuarmos, o que acha de ler nosso e-book de Doenças exantemáticas? Aqui você aprende as principais patologias, suas características e como diferenciá-las. Bora baixar e ficar por dentro de informações essenciais e práticas para te ensinar a manejar e diagnosticar as doenças exantemáticas? Clique AQUI e baixe agora!

A dengue 

A dengue é uma doença sazonal, transmitida pelo mosquito Aedes aegypti. Pode se apresentar através de 4 sorotipos: 1, 2, 3 e 4. Todos têm potencial para apresentar formas assintomáticas, brandas e graves. A primeira infecção pode ser grave em todos os 4 sorotipos, mas a tendência é que a gravidade seja maior na segunda ou terceira infecção. Os sorotipos 2 e 3 são os mais virulentos

Quando penetra no organismo através da picada do mosquito, o vírus se dissemina pelo corpo, liberando interleucinas que alteram a permeabilidade do endotélio e provocam uma depressão medular. O resultado é uma combinação de

  • Mialgia e cefaléia retro orbitária →  o tecido muscular (incluindo músculos oculomotores) são locais onde o vírus se multiplica. 
  • Alterações da pressão arterial com tendência à queda → causado pelo aumento da permeabilidade vascular e extravasamento de líquido.
  • Plaquetopenia → causada pela depressão medular (diminuição na produção e qualidade das plaquetas), associado ao aumento do consumo de plaquetas pelo estado inflamatório. 

Com esses sintomas, três fases clínicas podem ocorrer: fase febril, fase crítica e fase de recuperação. 

Na fase febril é marcada pela febre (obviamente), geralmente alta, que dura de 2 a 7  dias. A febre é tardia, geralmente aparece após 3 a 4 dias do início de outros sintomas como: cefaleia, adinamia, mialgia, artralgia, dor retroorbitária, exantema (50% dos casos)

anorexia, náuseas e vômitos. Geralmente após a fase febril há melhora dos sintomas com retorno do apetite.

A fase crítica aparece após a defervescência da febre, aparecendo geralmente em torno do 6º dia de doença, mas pode ocorrer entre o 3º e 7º dia. Vem acompanhada dos sinais de alarme, que são consequência do aumento da permeabilidade vascular.

Os sintomas de alarme são: dor abdominal intensa (referida ou à palpação) e contínua; vômitos persistentes, acúmulo de líquidos (ascite, derrame pleural, derrame pericárdico); hipotensão postural e/ou lipotimia; hepatomegalia maior do que 2 cm abaixo do rebordo costal; sangramento de mucosa; letargia e/ou irritabilidade; aumento progressivo do hematócrito.

Nessa fase podemos ter a evolução para a chamada dengue grave, antigamente nomeada de dengue hemorrágica. A dengue grave é marcada pela presença de choque, disfunção de órgãos (hepatites, encefalites e miocardites) e/ou hemorragias graves. 

Na fase de recuperação o líquido extravasado é reabsorvido e o débito urinário volta a subir. É necessário estar atento às infecções secundárias e complicações da hiper hidratação. 

A classificação da dengue

Antes de seguirmos, para você que quer ser capaz de interpretar qualquer ECG, saiba que nosso Curso de ECG está com inscrições abertas! Esse curso foi pensado para te levar do nível básico ao especialista, e conta com aulas específicas para discussões de casos clínicos, questões para treinamento, apostilas completas e flashcards! Está esperando o que para saber tudo sobre ECG? Clique aqui e se inscreva!

Voltando ao nosso tema, vistos de forma geral as fases clínicas e sintomas da dengue, podemos abordar então a classificação da dengue. Ela é baseada em dados da anamnese e do exame físico e dividida em grupos: A, B, C e D. 

E um dado importante: a classificação da dengue muda a cada reavaliação. Portanto, os dados avaliados na classificação devem ser investigados ativamente durante a consulta e a cada reavaliação do paciente. Isso inclui palpação do abdome, realização de aferição de PA e prova do laço em todas as consultas, durante o episódio de dengue. 

Grupo A

O grupo A é o mais simples! Se o paciente não tem sinais de alarme ou comorbidades, ele é grupo A! 

Nesse caso, os exames são dispensáveis, mas podem ser realizados a critério clínico. 

O tratamento é realizado com hidratação vigorosa → 60 ml/kg/dia, sendo 1/3 com solução salina (soro caseiro, soro fisiológico ou sais de reidratação oral) e no início com volume maior. Para os 2/3 restantes, orientar a ingestão de líquidos caseiros (água, suco de frutas, soro caseiro, chás, água de coco etc.). 

Habitualmente, pode-se correr o risco de na hora da orientação, dar a informação de “beber muita água”. Mas o tratamento da dengue é muito mais que isso: atenção para prescrição formal da quantidade de líquido ingerido. Faça as contas e oriente seu paciente adequadamente! 

Deve-se evitar a ingestão de salicilatos e não utilizar AINES. Além disso, para as dores e mal estar, prescrição de dipirona e paracetamol, apenas. 

O paciente deve ser orientado a retornar após a defervescência da dengue, ou seja, quando permanecer 48h sem febre, ou se não houver febre, no quinto dia de doença. 

Grupo B 

O grupo B compõe os pacientes que não têm sinais de alarme, mas têm um risco maior de gravidade. Esse risco é considerado se há comorbidades associadas ou se há sinais de sangramento espontâneo, como sangramento gengival, petéquias na pele ou sangramento induzido – na prova do laço. 

E aí está a grande importância da prova do laço – para sabermos a classificação da dengue de um paciente, SEMPRE é necessário realizar a prova do laço! Agora, se ele já apresentou sangramento espontâneo, não é mais necessário fazer a prova do laço, beleza? 

Para se enquadrarem no grupo B, são consideradas condições clínicas especiais e/ou de risco social ou comorbidades (lactentes – menores de 2 anos –, gestantes, adultos com idade acima de 65 anos, hipertensão arterial ou outras doenças cardiovasculares graves, diabetes mellitus, doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), doenças hematológicas crônicas (principalmente anemia falciforme e púrpuras), doença renal crônica, doença ácido péptica, hepatopatias e doenças autoimunes). 

Nesse caso, o hemograma é obrigatório, para avaliação de plaquetas e hematócrito, e o paciente deve permanecer em observação até o resultado deste. 

OU SEJA: se você está em uma unidade básica de saúde e o paciente é grupo B, deve haver suporte para realização de um hemograma e reavaliação no mesmo dia. Se não houver, ele deve ser encaminhado para um pronto atendimento para realização deste. 

NÃO SE ESQUEÇA DE HIDRATAR O PACIENTE ATÉ QUE SAIA O RESULTADO DO EXAME! 

Caso o hematócrito seja normal, o paciente deve receber avaliação clínica diária até mudança de classificação da dengue ou até 48 horas após a queda da febre, ou imediatamente em caso de sinais de alarme. As demais orientações de hidratação e tratamento medicamentoso seguem conforme no grupo A. 

Se há alteração do hematócrito (em mais de 10%, ou se estiver acima de 38 para crianças, 44 para homens e 50 para homens), deve ser realizada uma etapa de hidratação e nova avaliação laboratorial em 4 horas. 

Caso haja manutenção da alteração em hematócrito ou se apresentar sinais de alarme e , deve ser conduzido como o grupo C. 

Grupo C 

Também é fácil de definirmos o grupo C: presença de qualquer um dos sinais de alarme, já citados na fase crítica. 

O mais importante é iniciar a reposição volêmica intravenosa, na medida de 20ml/kg/h até melhora clínica e laboratorial. Esse processo pode ser repetido por até três vezes. Reavaliar sinais vitais, diurese, PA. Se a resposta for inadequada, deve ser conduzida como grupo D. Se houver resposta adequada, com melhora clínica, sinais estáveis, segue a fase de manutenção: 

→ 25ml/kg em 6 horas. Após, se houver melhora clínica, inicia-se a segunda fase → 

→ 25ml/kg em 8 horas, sendo ⅓ com soro fisiológico e ⅔ com soro glicosado. 

Aqui, devemos aumentar a gama de exames. Além de hemograma completo, é necessário albumina sérica, transaminases e radiografia de tórax para avaliar a presença de derrame pleural. Outros exames podem ser solicitados conforme necessidade: glicose, ureia, creatinina, eletrólitos, coagulograma, gasometria, ultrassonografia de abdome e de tórax. 

Exames de confirmação para Dengue são obrigatórios em pacientes do grupo C. 

Necessariamente, o paciente do grupo C deve permanecer em observação no período mínimo de 48 horas. Recebe alta se houver melhora clínica e ausência de febre nesse período. As plaquetas devem estar acima de 50 mil. O paciente retorna para casa, classificado como grupo B e deve ser a partir de então conduzido como tal. 

Grupo D 

O grupo D é o grande perigo da Dengue. Ele é caracterizado por paciente com presença de sinais de choque, sangramento grave ou disfunção grave de órgãos. O paciente deve ser acompanhado imediatamente em leito de terapia intensiva. 

São sinais de choque

  • Taquicardia
  • Extremidades distais frias
  • Pulso fraco e filiforme
  • Enchimento capilar lento (>2 segundos)
  • Pressão arterial convergente (<20 mm Hg)
  • Taquipneia
  • Oligúria (< 1,5 ml/kg/h)
  • Hipotensão arterial (fase tardia do choque)
  • Cianose (fase tardia do choque)

A expansão volêmica deve ser realizada com 20ml/kg em até 20 minutos, e repetir até 3 vezes se necessário. Se a resposta à expansão volêmica for inadequada, pode-se utilizar expansores plasmáticos, como albumina ou colóides sintéticos.

Pode ser necessário transfusão sanguínea em caso de sangramento, ou infusão de plasma fresco, vitamina K e crioprecipitado. 

Lembrar de oferecer O2 em todas as situações de choque! 

Os exames recomendados são similares aos do grupo C, mas aqui incluímos ecocardiograma para avaliar a função cardíaca. 

Um resumão da classificação da dengue

Para te ajudar em uma consulta rápida, segue um resumo com as principais características e tratamento de cada fase: 

Classificação da dengueCaracterísticas Conduta 
Grupo A Paciente sem sinais de alarme, comorbidades, grupo de risco ou condições clínicas especiaisAcompanhamento ambulatorial e hidratação oral. Exames a critério
Grupo B Paciente sem sinais de alarme, com sangramento espontâneo ou induzido. Condições clínicas especiais, comorbidades ou grupo de riscoObservação e reavaliação até resultado de exames, com hidratação oral supervisionada. Se necessário (em caso de recusa do soro oral), realizar hidratação venosa em 40ml/kg em 4 horas.Reavaliação diária, até 48 horas após a queda da febre
Grupo C Presença de sinal de alarmeExames obrigatórios para avaliação de função renal, hepática, hemograma, albumina sérica. Exames de imagem são recomendados (rx de tórax  e USG para avaliar derrame cavitários)
Grupo D Presença de choque Expansão volêmica, exames obrigatórios, acompanhamento em leito de terapia intensiva

Pronto! Entendeu a classificação da dengue e o tratamento?

O fluxograma de manejo da dengue é complexo e devemos nos atentar aos detalhes. 

Para mais detalhes na condução de casos graves, não deixem também de ler os nossos textos sobre a prevenção da Dengue, sobre a Dengue hemorrágica e sobre a vacina da Dengue!

Para auxiliar na visualização e consulta, a Prefeitura de São Paulo elaborou um fluxograma de fácil acesso e visualização. Vale a pena olhar e deixar na manga para consulta na hora do aperto!


Se você quiser conferir mais conteúdos de Medicina de Emergência, dá uma passada na Academia Medway. Por lá disponibilizamos diversos e-books e minicursos completamente gratuitos! Por exemplo, o nosso e-book ECG Sem Mistérios ou o nosso minicurso Semana da Emergência são ótimas  opções pra você estar preparado para qualquer plantão no país. Caso você queira estar completamente preparado para lidar com a Sala de Emergência, temos uma outra dica que pode te interessar. No nosso curso PSMedway, através de aulas teóricas, interativas e simulações realísticas, ensinamos como conduzir as patologias mais graves dentro do departamento de emergência! Pra cima!

É médico e quer contribuir para o blog da Medway?

Cadastre-se
PollyannaCristine Dias Ferreira

Pollyanna Cristine Dias Ferreira

Mineira, nascida em Uberlândia em 1994, Formada pela Universidade Federal de Uberlândia em 2017, com residência em Medicina de Família e Comunidade pela Universidade de São Paulo - Ribeirão Preto (conclusão em 2019). Experiência em USBF na cidade de Uberlândia. Por uma prática médica responsável e de qualidade.