Fala, pessoal! Tudo bem? No texto de hoje, vamos entender como a conjuntivite bacteriana se manifesta e também quais são os sinais de gravidade a que devemos ficar atentos. Preparados?
Vamos começar com o básico… O sufixo grego “-ite” indica inflamação. Logo, “conjuntivite” indica uma inflamação da conjuntiva. Essa inflamação manifesta-se por meio de três fenômenos:
Existem várias outras causas de olho vermelho que não são conjuntivites, justamente por não apresentarem esses fenômenos. Alguns exemplos: uveíte, episclerite, esclerite, reação conjuntival a um corpo estranho, hemorragia subconjuntival, etc.
Ao contrário do que muitos pensam, essa inflamação não é, necessariamente, sinônimo de infecção. Por exemplo, os pediatras examinam muitas crianças portadoras de conjuntivite alérgica, frequentemente acompanhada de outras manifestações atópicas (rinite alérgica, asma brônquica, dermatite atópica, etc.).
Existem, também, casos raros de inflamação conjuntival de etiologia autoimune, como a conjuntivite lenhosa – uma doença que é “nota de rodapé” até mesmo em livros de Oftalmologia.
É válido lembrar, além disso, que nem toda conjuntivite é infecciosa.
Feitas essas considerações iniciais, vamos entrar, de fato, no tema das conjuntivites infecciosas. Mas, antes, duas importantes observações:
Você sabia que a maioria das conjuntivites infecciosas tem etiologia viral? Isso mesmo: os grandes responsáveis pela infecção e consequente inflamação da conjuntiva são os vírus – especialmente o adenovírus. Sendo mais específico, os vírus respondem por 80% das conjuntivites infecciosas no adulto. Nas crianças, há um maior equilíbrio entre casos virais e bacterianos.
As bactérias são responsáveis somente por uma minoria dos casos na população adulta. Os principais agentes etiológicos desse grupo são cocos Gram-positivos, com destaque para Staphylococcus aureus (mais comum), Streptococcus pneumoniae e Peptostreptococcus spp. Em crianças, esse perfil epidemiológico muda: o agente etiológico bacteriano mais comum passa a ser Haemophilus influenzae (cocobacilo Gram negativo).
Essa diferenciação costuma ser muito difícil para médicos não oftalmologistas, que não dispõem de lâmpada de fenda na sala de atendimento. Uma dica é que os quadros de etiologia bacteriana tendem a causar secreção mucopurulenta (aquela amarelada que “gruda os olhos”), enquanto o exsudato viral é tipicamente aquoso.
No entanto, o que foi descrito acima não é regra: quadros virais podem dar uma secreção mais amarelada e quadros bacterianos podem dar uma secreção mais aquosa. O oftalmologista consegue distinguir com mais precisão, uma vez que a reação conjuntival é tipicamente papilar nas conjuntivites bacterianas e folicular nas conjuntivites virais, fenômenos prontamente observados ao exame oftalmológico sob lâmpada de fenda.
A sorte é que, na prática do dia a dia, essa diferenciação não é imprescindível: ambos os quadros são autolimitados, com resolução espontânea em até duas semanas (geralmente, de 5 a 7 dias). A conduta mais importante a se fazer, tanto no quadro viral quanto no bacteriano, é orientar o paciente quanto a medidas para reduzir a transmissão da doença, tais como:
Outras orientações garantem alívio sintomático ao paciente:
A maioria dos casos de conjuntivite infecciosa tem causa viral e não requer o uso de antibióticos, que em nada acrescentariam no tratamento e só teriam o potencial malefício de aumentar a resistência da flora bacteriana local.
Entretanto, é nítido que, muitas vezes, o clínico não consegue fazer a diferenciação entre a conjuntivite viral e bacteriana. Nesses casos, em que existe a chance de ser uma bactéria, especialmente se a secreção for mucopurulenta e o quadro já tiver mais de 3 dias de evolução sem melhora, está indicado o uso de colírio antibiótico.
“Ué, mas a conjuntivite bacteriana não é autolimitada?”
Sim, foi exatamente isso que eu falei. Com ou sem antibióticos, o quadro bacteriano vai melhorar espontaneamente. A diferença é que o antibiótico acelera a resolução do quadro e também diminui a morbidade, ou seja, alivia os sintomas, deixando a situação um pouco menos desconfortável para o paciente.
Para o tratamento, pode ser utilizado colírio de fluoroquinolona (moxifloxacino, por exemplo) ou aminoglicosídeo (tobramicina), na seguinte posologia: 01 gota no olho acometido, 4 a 6 vezes ao dia, por 5 a 7 dias.
As bactérias Gram-negativas do gênero Neisseria fogem do padrão típico das conjuntivites bacterianas. Esqueça-se daquele quadro autolimitado, de evolução benigna… Aqui, a infecção é grave.
Essas bactérias, especialmente a Neisseria gonorrhoeae (o famoso gonococo, de transmissão sexual), são responsáveis por causar conjuntivite hiperaguda, uma condição rapidamente progressiva caracterizada por uma conjuntivite francamente purulenta unilateral ou bilateral.
Com purulenta, quer-se dizer purulenta mesmo. É tanto pus sendo produzido que, ao passarmos um cotonete, a secreção se refaz em poucos minutos. A imagem a seguir pode até ser sensível para alguns leitores.
Além da secreção purulenta abundante, outra coisa chama atenção na imagem: a quantidade de secreção presa na córnea. A Neisseria tem a capacidade especial – e muito perigosa – de penetrar no epitélio corneano íntegro. Isso significa que, se o tratamento da conjuntivite gonocócica não for feito adequadamente, o quadro pode evoluir para úlcera de córnea e causar, em casos mais dramáticos, perfuração corneana.
Frente a um quadro de conjuntivite hiperaguda, a primeira medida é entrar em contato com o oftalmologista de plantão. A avaliação oftalmológica é imprescindível nessas situações, não só para reforçar a suspeita diagnóstica e considerar diagnósticos diferenciais, mas também para avaliar se já existe lesão corneana, pois isso muda a conduta. Além disso, o material da conjuntiva tarsal inferior deve ser enviado para análise microbiológica com Gram e cultura.
Em razão da gravidade do quadro, o tratamento deve ser instituído imediatamente após a coleta diagnóstica. Não se deve esperar o resultado dos exames.
O tratamento é sistêmico e deve ser discutido com o colega oftalmologista. Basicamente, ele é feito da seguinte maneira:
Nestes casos, após questionar o paciente acerca de reações alérgicas prévias e comorbidades, é prescrita a aplicação intramuscular de ceftriaxona 1 g em dose única. Essa cefalosporina tem excelente cobertura para o gonococo. Problema resolvido, certo? Mais ou menos… Como o paciente adquiriu a doença pelo contato sexual, nada impede que ele também esteja infectado por clamídia. Sendo assim, também é indicado prescrever azitromicina via oral 1 g em dose única. Além de combater uma potencial infecção por clamídia, esse macrolídeo ainda diminui o risco de uretrite e salpingite pós gonocócica.
E os colírios? A literatura oftalmológica coloca o uso deles como sendo opcional, naquele mesmo esquema das outras conjuntivites bacterianas.
Aqui, realmente, não há margem para erro. O paciente, infelizmente, já vai ficar com sequela visual, e nosso objetivo é evitar que essa sequela aumente ou que evolua para perfuração corneana. Sendo assim, é indicada a internação hospitalar do paciente para realizar um curso de 03 dias de ceftriaxona 1g intravenosa de 12 em 12 horas.
Outra medida importante é conversar com o paciente sobre a necessidade de convocar os parceiros sexuais recentes para que seja realizada uma avaliação clínica e oftalmológica e seja instituído o tratamento necessário. Não se esqueça dessa importante medida de saúde pública!
Espero que este texto tenha ajudado a tirar suas principais dúvidas sobre as conjuntivites bacterianas. Se tiver algum questionamento sobre o tema, comente aqui embaixo que a gente responde!
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Até a próxima!
REFERÊNCIAS
1. Mannis MJ, Holland EJ. Cornea 4th Ed, Elsevier, 2017.
2. 2019/2020 BCSC – Volume 08: External Disease and Cornea – American Academy of Ophthalmology, 2019.
Nascido em 1994, no Rio de Janeiro, graduado em Medicina pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Residência em Oftalmologia na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP).