E aí, gente? Se você pensa em uma infecção fúngica pulmonar em um paciente imunocomprometido, sua primeira hipótese deverá ser sobre a pneumocistose pulmonar (PCP), infecção causada pelo Pneumocystis Jirovecii. Descartada esta hipótese, iremos falar da infecção fúngica não PCP mais comum que ocorre nestes pacientes: a criptococose pulmonar.
Na maioria dos casos práticos estaremos falando de pessoas vivendo com HIV que não aderem ao tratamento, ou naquelas com doenças imunossupressoras severas, já que tanto a PCP quanto a criptococose pulmonar aparecem quando a contagem de CD4 encontra-se < 200 céls./mm3 (usualmente < 100 céls./mm3).
Os imunocomprometidos podem ser sim infectados pelo Cryptococcus Neoformans, mas a história natural nestes casos é a infecção ser subclínica e assintomática, sendo, muitas vezes, achados ocasionais de autópsias.
Os números de CD4 são importante de conhecermos, pois há indicação de fazermos screening com antígeno criptocócico sérico em pacientes com CD4 ≤ 100 céls./mm3 para todos os pacientes ou CD4 < 200 céls./mm3 no caso de pacientes que moram em locais com prevalência importante desta doença
Bom, a grande maioria das infecções ocorre devido a reativação de foco latente (da mesma forma que ocorre na tuberculose), mas ainda assim pode haver infecção nova ou reinfecção por novas cepas.
A apresentação nos PVHIV são mais graves e agudas em comparação aos imunocomprometidos não infectados pelo HIV, e entre estes, a infecção é mais grave nos transplantados. Os sintomas mais comuns em ambos são: febre, tosse e dispneia.
No caso dos PVHIV, a cefaleia ainda é um sintoma comum, e a disseminação do C. Neoformans para o sistema nervoso central ocorre em 60-95% dos casos. Ou seja, é comum você encontrar em PVHIV a associação entre criptococose pulmonar e meningoencefalite por cryptococcus, fique atento a isto!
Então, observe que as manifestações são um tanto inespecíficas e, por isto, você deve ter um alto grau de suspeita. Chegou paciente imunocomprometido, com achados pulmonares? Há uma gama de diagnósticos diferenciais infecciosos que você deve pensar:
Os infiltrados intersticiais que encontramos na radiografia de tórax da criptococose pulmonar podem simular aqueles encontrados na PCP, outro motivo para termos alta suspeição para este diagnóstico. Comumente podemos encontrar infiltrados alveolares, lesões de massa, pequenos derrames pleurais, linfadenopatias.
Em resumo, mais comumente iremos ver nódulos pulmonares e massas com ou sem cavitação. No caso da tomografia computadorizada de tórax, iremos comumente encontrar nódulos pulmonares periféricos, < 10 mm, principalmente em regiões mediais e superiores dos campos pulmonares.
No caso dos pacientes imunocomprometidos, o teste de escolha para triagem é o antígeno criptocócico sérico, sendo positivo em praticamente todos os PVHIV e em 56-70% dos imunocomprometidos não-HIV.
Geralmente, o antígeno sérico positivo está relacionado a uma doença pulmonar grave ou extrapulmonar (fungemia, acometimento do sistema nervoso central).
Por isto, um resultado positivo deve lhe levar a realização de hemoculturas e coleta do líquor do paciente para realização de cultura e dosagem do antígeno criptocócico no líquor, independente de sinais ou sintomas, com o objetivo de detectar meningoencefalite criptocócica associada.
O diagnóstico formal é obtido através de culturas positivas (escarro, lavado broncoalveolar, biópsia tecidual ou outros locais), sendo sugestivo o achado de leveduras encapsuladas nas amostras. Reservamos a biópsia tecidual para casos em que há suspeita de malignidade associada.
Legal, cheguei ao diagnóstico do paciente, irei começar o tratamento, vamos responder 3 perguntas agora: primeiro, qual medicação (ou medicações) usar; segundo, como eu sei que meu paciente está indo bem no tratamento, e terceiro, devo instituir alguma profilaxia secundária?
A escolha medicamentosa se baseia inicialmente em você determinar: é uma infecção disseminada (≥2 locais acometidos) ou há uma doença pulmonar grave (ex: infiltrado difuso, paciente com quadro grave).
No caso de doença grave ou disseminada, nosso tratamento vai se basear em uma fase de indução e outra de consolidação.
A indução dura duas semanas (podendo ser estendida em caso de não haver resposta clínica) e é feita preferencialmente com anfotericina B lipossomal (3-4mg/kg EV 1x dia) associado a flucitosina (100mg/kg dividido em 4 doses diárias).
Agora os pormenores: A dose de flucitosina deve ser ajustada para a função renal e em caso de indisponibilidade podemos usar o fluconazol 800mg/dia (VO ou EV).
No caso da indisponibilidade da anfotericina B lipossomal (acredite, acontece muito no nosso Brasilzão), devemos usar a Anfotericina B Complexo Lipídico (5mg/kg EV 1x dia) ou Anfotericina B deoxicolato (0,7mg/kg EV 1x dia).
Em alguns casos temos uma limitação importante de recursos e é importante deixarmos as opções consideradas de primeira linha, para indução, pela OMS, visto que o Brasil, às vezes, carece de recursos de saúde em muitos locais:
Se a fluticasona está disponível:
A terapia de consolidação é feita com fluconazol e deve ter duração mínima de 8 semanas. A dose deve ser 400mg/dia (nos que usaram Anfo B + Flucitosina) ou 800 mg/dia (nos que usaram Anfo B + Fluconazol).
Quando estamos falando de uma doença leve/moderada que está restrita ao pulmão, nosso tratamento é diferente. Consiste no uso de fluconazol (6mg/kg diário, normalmente 400mg/dia) por cerca de 6 a 12 meses. Em caso de indisponibilidade do fluconazol, podemos usar Itraconazol, voriconazol, posaconazol ou isavuconazol.
Como já demos um spoiler acima, nossa principal forma de acompanhar o tratamento e saber se nosso paciente está indo bem é através da clínica! Não ficamos dosando o antígeno criptocócico sérico para avaliar a resposta ao tratamento nem em imunocomprometidos e nem nos imunocompetentes! A boa e velha clínica será soberana!
Devemos mandar o fluconazol 200mg/dia como manutenção para estes pacientes, com o objetivo de reduzir recidivas.
Essa profilaxia deve ter uma duração mínima de 1 ano e, após este período, devemos avaliar o CD4 e a carga viral do paciente. No caso de paciente com CD4 > 100 céls./mm3 e CV indetectável está permitido a suspensão da profilaxia com fluconazol.
E aí, pessoal? Gostaram de saber mais sobre esse assunto? Falamos de uma doença que deve ser lembrada sempre em pacientes com imunocomprometimento e sintomas respiratórios.
Caso queira estar completamente preparado para lidar com a sala de emergência, conheça o PSMedway. Por meio de aulas teóricas, interativas e simulações realísticas, ensinamos como conduzir as patologias mais graves no departamento de emergência.
Paraense, forjado em 1990. Residência em Clínica Médica pelo Hospital Israelita Albert Einstein (HIAE). Neto de professor que me transferiu o amor pelo magistério. Apaixonado pelo raciocínio clínico, por uma boa resenha, viagens e novas experiências. Siga no Instagram: @rodrigocfranco