Hoje vamos falar sobre a crise do feocromocitoma. Os feocromocitomas e os paragangliomas são tumores neuroendócrinos originados nas células cromafins, sendo produtores e secretores de catecolaminas, como a norepinefrina e a epinefrina.
Os feocromocitomas são tumores originados na medula da adrenal, enquanto que os paragangliomas são tumores extra-adrenais, em geral localizados na cadeia simpática.
E quando é que nos lembramos do feocromocitoma? Em geral, quando estamos em uma investigação de hipertensão arterial secundária.
No entanto, é essencial pensar na hipótese diagnóstica de feocromocitoma no ambiente de emergência na vigência da crise de feocromocitoma, pois não realizar o tratamento direcionado a essa patologia está associado ao aumento importante de mortalidade! Vamos lá?
Em cerca de 30% dos casos, os feocromocitomas/paragangliomas estão associados a mutações germinativas de um gene de susceptibilidade, tal como o gene RET (relacionado com a síndrome de neoplasias endócrinas múltiplas – NEM 2A e 2B), VHL (síndrome de von Hippel-Lindau), NF1 (neurofibromatose tipo 1).
Nos demais casos, a doença é esporádica.
A maior parte dos sintomas ocorrem por produção de catecolaminas pelo tumor:
Alguns pacientes podem ser assintomáticos ao diagnóstico, principalmente aqueles com achados de massa em região de adrenal ou aqueles que são submetidos a rastreamento de neoplasias familiares.
Devemos solicitar alguns exames bioquímicos, como metanefrinas livres plasmáticas, metanefrinas urinárias fracionadas e catecolaminas urinárias fracionadas.
Em relação à interpretação, podemos dizer que valores acima de 4-5 vezes o limite superior da normalidade são altamente específicos para Feocromocitoma.
Valores pouco superiores ao normal podem ser resultado falso positivo, sendo comum acontecer secundário ao uso de drogas, como tricíclicos, betabloqueadores, BZD, levodopa, paracetamol). Assim, é orientado que esses medicamentos sejam interrompidos pelo menos 2 semanas antes da dosagem.
Quanto aos exames de imagem, cerca de 85% dos tumores são feocromocitomas e dos paragangliomas, a maioria se localiza no abdome. Assim, o primeiro estudo de imagem para o diagnóstico topográfico deve ser exame de imagem do abdome total.
– Lesão hipercaptante na TC;
– Lesão com hipersinal em T2.
– Qual? Cintilografia com MIBG.
A Crise do Feocromocitoma é uma forma importante de manifestação, sendo considerada uma emergência endocrinológica, o que é necessário reconhecimento precoce.
É considerada como uma condição com uma alta taxa de mortalidade. Pode ser a primeira manifestação do tumor neuroendócrino ou surgir após algum tempo do início dos sintomas descritos anteriormente, no qual a suspeita ou a confirmação de Feocromocitoma já foi feita.
Corresponde a uma forma aguda da apresentação do feocromocitoma, com repercussão hemodinâmica grave induzida pela secreção de catecolaminas.
Tipicamente correspondem a crises ou ataques de hipertensão e taquicardia, associados à cefaleia, sudorese e palidez cutânea, associados a alteração hemodinâmica e a lesão de órgão-alvo.
Entre as lesões de órgão-alvo, pode haver a miocardiopatia por catecolaminas, que se manifesta como a síndrome de Takotsubo com dor torácica e sintomas de disfunção cardíaca. Há, ainda, inúmeras disfunções que podem estar associadas:
As crises duram minutos a horas (em geral até 1 hora) e podem ser espontâneas ou deflagradas por fatores precipitantes, como estresse emocional, procedimentos diagnósticos e terapêuticos, como endoscopia ou anestesia, estimulação direta ao tumor (gravidez, distensão urinária, palpação abdominal), uso de medicamentos (como metoclopramida, tricíclicos e glucagon).
Crise do Feocromocitoma gera alteração hemodinâmica e lesão de órgãos-alvo, que pode ser reversível com o tratamento adequado ou se a crise melhorar espontaneamente.
Em 2014, foi proposto uma classificação das Crises de Feocromocitoma por Whitelaw et al., em que a crise é classificada em tipo A e em tipo B.
Na crise tipo A (mais comum), é definida uma crise mais limitada, com instabilidade hemodinâmica sem hipotensão sustentada, sendo que a crise tipo B é definida como uma apresentação mais grave com hipotensão sustentada, choque e disfunção de múltiplos órgãos.
As crises podem evoluir e não são fixadas, ou seja, pacientes com crises do tipo A podem progredir para crises do tipo B.
As catecolaminas atuam principalmente em receptores alfa-adrenérgicos, provocando vasoconstrição arterial profunda, o que culmina com hipertensão e diminuição relativa do volume intravascular.
Isso leva à diminuição da perfusão de órgãos-alvo e isquemia tecidual e é o principal mecanismo de falência de órgãos na Crise do Feocromocitoma. A angina pode ocorrer devido a vasoconstrição da artéria coronária e ao vasoespasmo, o que pode gerar isquemia do miocárdio.
Além disso, há um efeito tóxico direto das catecolaminas sobre os miócitos, o que pode causar a miocardiopatia por catecolaminas. Não se sabe ao certo o motivo do choque e da hipotensão sustentada, mas acredita-se que podem estar associados a disfunção do miocárdio, hipovolemia e dessensibilização de barorreflexos.
Devemos considerar o diagnóstico de Crise do Feocromocitoma em qualquer paciente com crise hipertensiva, choque inexplicável, insuficiência ventricular esquerda ou disfunção múltipla de órgãos, ou seja, acaba sendo um desafio no cenário de sala de emergência!
Mas fique atento, não coma bola em outros diagnósticos até mais prováveis em contexto de crise hipertensiva (dissecção de aorta, IAM e etc).
A investigação inicial deve incluir dosagem de catecolaminas e metanefrinas na urina e no plasma. Mas e em contexto de Sala de Emergência em que os exames demoram anos para ficar prontos? Se há suspeita clínica significativa, tomografia computadorizada (TC) das glândulas suprarrenais deve ser realizada.
Ultrassom não é o método preferido para a avaliação das glândulas suprarrenais, mas em pacientes instáveis pode ajudar na beira do leito para identificar um tumor de adrenal.
Internação em UTI: afinal de contas, a definição de crise do feocromocitoma é instabilidade hemodinâmica e disfunção orgânica!
Reanimação com fluidos intravenosos: devido à vasoconstrição importante na Crise do Feocromocitoma, há uma hipovolemia intravascular relativa.
De início, ela pode não ser clinicamente observada, mas pode ficar bem evidente e te assustar quando tratamento com vasodilatador é instituído, tal como o alfa-bloqueio que veremos a seguir.
Dessa forma, é necessária uma reanimação com fluidos intravenosos junto ou antes do início da terapia com alfa-bloqueio para evitar hipotensão grave.
Também é importante a vigilância constante da resposta à fluidoterapia e o cuidado em pacientes com miocardiopatia.
Alfa-bloqueio: é o ponto central do tratamento e deve ser iniciado de forma cautelosa e sustentada! A função do alfa-bloqueio é reverter a vasoconstrição e a hipertensão. Mas qual agente alfa-bloqueador utilizar?
O início do alfa-bloqueio é mais simples na Crise do Feocromocitoma do tipo A. Já no tipo B o início é mais problemático.
Mesmo que o alfa-bloqueador reverta o processo patológico, a presença de hipotensão sustentada limita o uso e, assim, uma reposição volêmica mais agressiva e até assistência hemodinâmica pode ser necessária para melhorar a hemodinâmica antes da introdução do alfa-bloqueador.
E por que a importância de introdução o mais precoce possível do alfa-bloqueador? A mortalidade das pessoas não submetidas a alfa-bloqueio é de aproximadamente 40%, enquanto a mortalidade dos submetidos é menor que 2%!
Outras medidas que podem ser tomadas:
Sulfato de Magnésio: é um agente terapêutico útil na Crise do Feocromocitoma. Além disso, é um antagonista do cálcio, gerando vasodilatação arteriolar e corrigindo a hipertensão, além de possuir efeito alfa-bloqueador, inibindo a secreção de catecolaminas.
A vantagem do sulfato de magnésio em relação aos agentes de alfa-bloqueio é a disponibilidade em contexto de sala de emergência e UTI. A sua dose é:
Manejo Específico da Hipertensão: a hipertensão na Crise do Feocromocitoma pode ser grave, mas pode alterar rapidamente com hipotensão.
Em geral, o tratamento acima descrito com reposição volêmica, alfa-bloqueio e até uso de sulfato de magnésio será eficaz no manejo da hipertensão.
Entretanto, em alguns casos, é necessária a introdução de uma terapia específica para controle pressórico, que em geral se utiliza o Nitroprussiato de Sódio (Nipride), com a vantagem de ter meia-vida curta e isso auxiliar na titulação da dose.
Os betabloqueadores não devem ser utilizados antes do alfa-bloqueio. O motivo para isto é que, na presença de catecolaminas em excesso, há estimulação dos receptores ß2, o que promove vasodilatação, que atenua os elementos hipertensos e vasoconstritores de uma crise.
Assim, se fornecermos um betabloqueador, perderemos esse efeito “compensador” e, desta forma, permite-se que haja atividade alfa-adrenérgica sem oposição e pode haver piora da crise hipertensiva.
Após adequado alfa-bloqueio e reanimação com fluidos, os betabloqueadores podem ser utilizados para controlar taquicardia reflexa ou taquiarritmia.
Se evoluir com hipotensão:
Hipotensão transitória pode ocorrer como consequência da pressão arterial lábil. Nestes casos podemos fazer uma reposição volêmica mais agressiva.
Alguns relatos ainda descrevem o uso de inotrópicos e agentes vasopressores (como adrenalina e noradrenalina) em uma tentativa de controlar a hipotensão e comprometimento circulatório, mas não existem estudos que mostrem se estas medicações são benéficas ou não.
Em geral, se paciente hemodinamicamente instável a despeito das medidas, considerar suporte circulatório avançado!
Terapia Cirúrgica: a ressecção cirúrgica é o tratamento definitivo, mas há controvérsia com relação ao momento ideal da cirurgia.
Ao nível ambulatorial, fora da Crise do Feocromocitoma, o paciente deve estar alfa-bloqueado antes da cirurgia.
Já quando o paciente está em Crise e muito instável ou com as medidas acima descritas com falhas, alguns consideram a necessidade de adrenalectomia de emergência, com ou sem o alfa-bloqueio (pois haverá remoção rápida da fonte do excesso das catecolaminas, o que permitirá a estabilização clínica).
Os pacientes estão em condições apropriadas para realizar intervenção cirúrgica quando:
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Bons estudos!
Residência em Clínica Médica no Hospital das Clínicas da FMUSP. Graduação em Medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Intercâmbio acadêmico em estágio de pesquisa científica na Harvard Medical School/Brigham and Women's Hospital. Experiência como Médica-Preceptora da Disciplina de Emergências Clínicas da FMUSP.