Cuidados paliativos e o não abandono: ortotanásia, distanásia e eutanásia

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Ortotanásia, distanásia e eutanásia: essas três palavras provavelmente aparecem para o estudante de Medicina pela primeira vez durante a graduação, quando se discutem os dilemas éticos. 

E depois… talvez não tenha existido o depois! Embora o significado desses termos estejam inseridos ou sejam intrínsecos à prática médica, pouco se vê, se lê ou se fala sobre eles. 

O risco que corremos de não retomar alguns conteúdos é deixar que os vieses do dia a dia, pouco a pouco, transformem e até deturpem o que realmente são. 

Por essa lógica, a maior parte daquilo em que acreditamos saber sobre algo e que até repassamos para outras pessoas pode ser só um acúmulo de saberes. Isso pode acontecer por experiência própria ou de outros, construído com base empírica. Infelizmente, podemos compartilhar informações rasas e potencialmente erradas. 

Exemplo: quantas vezes você, médico, já usou a expressão “não há nada mais a fazer por esse paciente, é ‘cuidados paliativos’”. Mas o que há de errado nisso? Continue a leitura com a gente e vamos revisar juntos alguns conceitos para entender melhor essa história. 

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Para começar a falar sobre ortotanásia, distanásia e eutanásia…

Voltando ao assunto, os cuidado paliativo é uma abordagem a pacientes e seus familiares que visa à qualidade de vida através da avaliação precoce e controle de sintomas físicos, sociais, emocionais, espirituais, no contexto de doenças que ameaçam a continuidade da vida, sejam agudas ou crônicas, com ou sem possibilidade de reversão.

Com essa definição, já somos capazes de desconstruir alguns mitos, não é? Sim, todo paciente com uma doença ameaçadora à vida merece receber cuidados paliativos, mesmo pessoas funcionais, independentes, ativas ou não, etc. 

A ideia é cuidar sempre: não existe abandono nessa prática. Sempre há o que fazer. E a morte faz parte da história da vida. 

Dentre os princípios dos cuidados paliativos, estão reafirmar a vida e entender a morte como um processo natural, sem antecipá-la e nem postergá-la. E de maneira muito simplificada, com base no fator tempo, vamos conceituar assim:

  • ortotanásia: morte natural;
  • distanásia: morte postergada com sofrimento;
  • eutanásia: morte antecipada. 

No Brasil, o cuidado paliativo se propõe a garantir a ortotanásia. Levando em conta a morte como desfecho inevitável e não sendo esperada reversibilidade do quadro, busca-se conforto e dignidade à pessoa nessa condição. 

A ortotanásia

Ortotanásia é não realizar medidas fúteis, que visam adiar a morte de uma pessoa cuja doença de base avança mesmo recebendo tratamento. Na medida em que a terapêutica não consegue mais restaurar a saúde, algumas tentativas de tratamento se tornam obstinadas no esforço de prolongar a vida. 

Decisões em situações de terminalidade não são fáceis. Geralmente são momentos intensos para pacientes e familiares. Embora não existam protocolos rígidos e uma única forma de cuidar do nosso paciente, devemos considerar: 

  • a irreversibilidade do quadro clínico;
  • o prognóstico da doença;
  • não esquecer que precisamos levar em conta o que é importante para aquela pessoa e família de que estamos cuidando. 

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A eutanásia

De volta ao tema, há uma confusão de definições que precisamos esclarecer. A intenção de ortotanásia e eutanásia são similares. Isso mesmo: ambas as práticas buscam o alívio do sofrimento. A diferença não está na intenção, e sim no método — o “como fazer”. 

Na ortotanásia, a doença de base é responsável pela morte e os métodos utilizados permitem que ela aconteça no tempo que deve ser, naturalmente. Já na eutanásia, o método consiste em procedimentos que provoquem a morte, encurtando a vida. 

E a distanásia? Onde fica nessa história? 

A distanásia busca manter a vida a qualquer custo, mesmo através de procedimentos desnecessários, invasivos, e com sofrimento à pessoa. Em algumas literaturas, vamos ver até o termo “tortura” quando se fala de distanásia.

O fato é que somos ensinados, durante a faculdade, a investigar, tratar, curar e salvar vidas. Será que somos ensinados a racionalizar essas condutas e permitir a morte, sem considerar que fracassamos? 

A morte não pode ser sinal de fracasso, pois faz parte da vida de todas as pessoas. A onipotência que muitas vezes nos é colocada faz a maioria de nós agir no sentido de vencer a qualquer custo esse desfecho. O que precisamos levar em conta é que, na distanásia, deixamos em segundo plano a qualidade dessa vida que prolongamos. 

Pois bem, vamos sintetizar essas três práticas na tabela seguinte. Consulte sempre que precisar! 

ORTOTANÁSIADISTANÁSIAEUTANÁSIA
INTENÇÃOAlívio de sofrimentoProlongamento da vidaAlívio de sofrimento
MÉTODONão-investimento de ações obstinadasTratamentos fúteisUso de doses letais e procedimentos para encurtar a vida
RESULTADOMorte no tempo certo (natural)Mais dias de vida com sofrimentoMenos dias de vida

Aspectos ético-jurídicos da ortotanásia, distanásia e eutanásia

Finalmente, vamos tratar dos aspectos ético-jurídicos. É fundamental falarmos sobre isso para trazer consistência e segurança aos nossos atendimentos. De maneira bem direta, vale dizer: no Brasil, eutanásia é crime. 

Do ponto de vista ético, assim se apresenta no código de ética médica (CEM): “É vedado ao médico abreviar a vida do paciente, ainda que a pedido deste ou de seu representante legal”.

A ortotanásia, distanásia e os cuidados paliativos assim aparecem em “Princípios fundamentais” do CEM, onde se lê: “Nas situações clínicas irreversíveis e terminais, o médico evitará a realização de procedimentos diagnósticos e terapêuticos desnecessários e propiciará aos pacientes sob sua atenção todos os cuidados paliativos apropriados”. 

Na Legislação Brasileira, ainda não há trecho específico sobre cuidados paliativos. Mas por interpretação, existem citações que suscitam o respeito à autonomia e à não-submissão a tratamentos degradantes.

Por exemplo: no Código Civil Brasileiro – Capítulo II, artigo 15: “Ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica”. 

O assunto é extenso e por vezes, polêmico, não é? E claro, toda a ciência que nos foi ensinada fica frágil frente a alguns aspectos da vida. Estar diante da inevitabilidade da morte não costuma ser um cenário confortável. Mas se tivermos em mente os princípios básicos da Medicina, vamos conseguir sustentar melhor nossas decisões. 

Pelo princípio da beneficência, devemos fazer o bem para nosso paciente e família. O importante é não fazer o mal e, assim, evitar o sofrimento e o prolongamento danoso. 

Ainda, lembramos os princípios da autonomia e justiça, que reforçam o envolvimento do paciente e família nas decisões, considerando seus valores e princípios e levando em consideração a proporcionalidade do que pode ou não ser ofertado.

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Referências

Manual de Cuidados Paliativos / Coord. Maria Perez Soares D’Alessandro, Carina Tischler Pires, Daniel Neves Forte – São Paulo: Hospital Sírio Libanês, Ministério da Saúde, 2020, 175p.

CARVALHO, R.T. Manual de cuidados paliativos ANCP: ampliado e atualizado. 2ed. 

SANCHEZ Y SANCHES, K.M.; SEIDL, E.M.F. Orthothanasia: a decision upon facing terminality. Interface – Comunic., Saude, Educ., v.17, n.44, p.23-34, jan./mar. 2013.

JUNIOR, E.A.B. Código de ética médica: comentado e interpretado. Timburi, SP: Editora Cia do eBook, 2019. 

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JulianaBastos

Juliana Bastos

Capixaba desde 1992. Formada pela Escola Superior de Ciências da Santa Casa de Misericórdia de Vitória (EMESCAM). Residência em Medicina de Família e Comunidade pelo querido Conça (Grupo Hospitalar Conceição), no Rio Grande do Sul. Residência em Cuidados Paliativos também pelo GHC. Trocar experiências amplia e ultrapassa qualquer fronteira. Ensinar é aprender junto! Entusiasta de cuidado e de pessoas!