Fala, pessoal! Tudo bem? Hoje é dia de novidade aqui na plataforma. Vamos começar a falar sobre derrame ocular, tópico de uma especialidade que gera muita ansiedade tanto no paciente quanto no médico que está de plantão no Pronto Socorro: a Oftalmologia. Vamos ser sinceros: quantos de vocês sabem conduzir qualquer quadro ocular que não seja conjuntivite (e olhe lá)? Na faculdade de Medicina, temos muito pouco contato com a Oftalmologia, geralmente uma ou duas semanas apenas, tempo insuficiente para que a gente adquira a confiança necessária para conduzir mesmo casos simples de doença ocular. A Oftalmologia acaba se tornando, assim, uma especialidade “alienígena” para a grande maioria dos médicos.
Não há como negar que é uma área muito específica, um “mundo novo” dentro do corpo humano. O objetivo deste e de futuros textos não é, de forma alguma, transformar vocês em especialistas da área, e sim dar uma noção geral dos temas mais comuns que podem aparecer no seu consultório ou no pronto-socorro, a fim de que vocês possam, por conta própria, diferenciar os casos “tranquilos” daqueles potencialmente graves que necessitam de avaliação especializada com urgência.
Bora lá?
Nada melhor do que iniciar esta série de conteúdos falando sobre o famoso “derrame ocular”. Essa denominação de cunho popular assusta, afinal a palavra “derrame” remete imediatamente a um evento vascular grave, tal como um acidente vascular encefálico. Logo, é muito comum o paciente, ao perceber que está com um “derrame” no olho, ficar preocupado e procurar o serviço de pronto atendimento mais próximo.
Mas, afinal, o que é o tal “derrame ocular”? Precisamos ficar preocupados?
Para início de conversa, o nome correto do “derrame ocular” é hemorragia subconjuntival, também conhecida como hiposfagma. Ela ocorre pelo rompimento de pequenos vasos sanguíneos na conjuntiva, levando ao acúmulo de sangue entre a conjuntiva e a esclera (o “branco dos olhos”). O olho, assim, adquire um tom vermelho vivo.
Esse fenômeno pode ser causado por trauma ocular (mesmo de leve intensidade), uso de lente de contato ou cirurgia oftalmológica recente. No entanto, o mais comum é o paciente não saber estabelecer vínculo causal com nenhuma situação específica. Seria uma hemorragia subconjuntival idiopática, de surgimento aparentemente espontâneo. Fatores precipitantes incluem tosse, espirro e vômito, em razão das rápidas variações de pressão, suficientes para romper os delicados vasos da região.
O sangramento idiopático é visto mais frequentemente em pacientes acima dos 50 anos de idade. Por qual motivo? Simples: esses indivíduos têm maior tendência a apresentar desordens vasculares sistêmicas, como hipertensão arterial, diabetes mellitus e arteriosclerose. Pensem comigo: os vasos da conjuntiva já são naturalmente frágeis…Se o paciente apresenta alguma doença que aumente a fragilidade vascular, o risco de sangramento também aumenta. Doenças hematológicas, por sua vez, são causas raras de hiposfagma, mas devem ser pesquisadas em casos recorrentes, bem como o uso de medicamentos antiagregantes plaquetários ou anticoagulantes.
Agora que já comentamos sobre as possíveis causas, chegou a hora de falar do quadro clínico. Todos já sabemos que vai haver um sangramento na superfície ocular, certo? Além disso, o que mais o paciente vai apresentar? Geralmente nada! Na grande maioria dos casos, ele só percebe a hemorragia subconjuntival ao se olhar no espelho ou quando outra pessoa comenta. Ou seja: o paciente com hiposfagma é assintomático. Essa é uma característica muito importante que ajuda a diferenciar hiposfagma outras causas de olho vermelho, como conjuntivite, uveíte, corpo estranho ocular… Todas estas são condições oftalmológicas que cursam com sintomatologia exuberante, ao passo que a hemorragia subconjuntival é assintomática ou gera, no máximo, um desconforto ocular leve.
A pergunta que não quer calar é: existe risco de perda visual? Geralmente não! O hiposfagma idiopático também é benigno neste ponto. A única exceção ocorre nos raros casos em que o sangramento é tão grande que promove alterações corneanas secundárias.
Não é necessário! Felizmente, o sangramento resolve-se espontaneamente. No entanto, é nossa função orientar o paciente no sentido de que a reabsorção completa pode levar por volta de duas semanas para acontecer, com prejuízo estético no período.
O hiposfagma é uma condição benigna, mas devemos ficar atentos à ocorrência de múltiplos episódios em um curto espaço de tempo, porque, como já comentei acima, isso pode indicar uma anormalidade hematológica primária ou secundária ao uso de certos medicamentos. Desse modo, casos recorrentes merecem uma avaliação clínica minuciosa.
Outra característica que indica potencial gravidade é a associação da hemorragia subconjuntival com trauma ocular. Será que o trauma gerou só esse sangramento ou lesionou outras estruturas do olho? Não é raro encontrarmos corpo estranho retido no espaço subconjuntival ou até laceração escleral associada, condições que podem colocar em risco a visão do paciente… Só vamos ter certeza do que encontraremos ao realizarmos o exame sob lâmpada de fenda (o “estetoscópio” do oftalmologista). Desse modo, todo hiposfagma traumático merece uma avaliação oftalmológica com urgência. Outra causa de avaliação oftalmológica precoce é o hiposfagma associado a uma sintomatologia exuberante, especialmente dor ocular ou redução da acuidade visual, porque isso não é típico desta condição é pode sugerir um diagnóstico diferencial grave.
A maioria dos leigos, quando falam “derrame ocular”, estão se referindo à hemorragia subconjuntival, porque é um sangramento externo, visualizado com muita facilidade até mesmo por quem não é da área da saúde. No entanto, vale ressaltar que alguns pacientes usam esse termo popular como sinônimo de outra condição oftalmológica: a hemorragia vítrea. Ela consiste em um sangramento do humor vítreo, uma substância gelatinosa e viscosa que se encontra no segmento posterior do olho, entre o cristalino e a retina. Possíveis causas incluem trauma, retinopatia diabética e outras doenças vasculares da retina. Há muito o que ser falado sobre hemorragia vítrea, mas isso é tema para outra texto…
Espero que tenham gostado do tema e que ele ajude vocês a conduzir alguns casos de “derrame ocular” no dia a dia. É com muita satisfação que encaro esta oportunidade de poder simplificar alguns tópicos da Oftalmologia e torná-la uma especialidade um pouco mais palatável e menos “alienígena” para o médico generalista. Mais textos estão por vir, hein?
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Se tiverem alguma dúvida sobre o tema, comentem aqui embaixo que a gente responde! Até a próxima!
Nascido em 1993, em Maringá, se formou em Medicina pela UEM (Universidade Estadual de Maringá). Residência em Medicina de Emergência pelo Hospital Israelita Albert Einstein.
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