Você já esteve em algum plantão, atendendo um paciente com queixa de dispneia, tosse, ou mesmo assintomático e por algum acaso acabou fazendo um raio X de tórax e ao ver a imagem ficou em dúvida: Será que tem um derrame pleural aqui? E agora, o que que eu faço?
Calma! No post de hoje, vamos te dar algumas dicas de ouro para que não fique mais dúvida nem medo ao se deparar com um derrame pleural no PS.
Bora lá?
Para começar, vamos falar um pouco do líquido pleural normal. Ele é um líquido com um volume de cerca de 0,1 a 0,2mL/Kg, que preenche o espaço (quase virtual) entre as pleuras parietal e visceral. Contém 1 a 1,5g/dL de proteínas e cerca de 1500 células/mL, sendo o predomínio de linfomononucleares. O derrame pleural é, então, o que acontece quando por algum motivo ocorre um acúmulo de líquido nesse espaço.
O derrame pode causar desde nenhum sintoma ou até causar tosse, dor ventilatório dependente e sensação de dispneia, a depender do volume de líquido, da velocidade de instalação e da reserva pulmonar prévia do paciente.
Já ouviu falar de Ttepopneia? A trepopneia acontece quando o paciente apresenta dispnéia quando ele deita do lado contralateral ao derrame pleural, pois há uma compressão do pulmão que está expandindo bem, contrariamente, uma melhora da dispneia quando se deita do lado do derrame.
O acúmulo do líquido pode ocorrer por diversos motivos e o mecanismo vai depender da causa. A principal causa, de longe, é a Insuficiência Cardíaca (IC), seguida de pneumonia, câncer, embolia pulmonar, doença viral, cirurgias e cirrose.
Lembrando que essas estatísticas não são brasileiras, e a epidemiologia no Brasil é uma questão muito pouco conhecida e no nosso país não podemos esquecer da tuberculose que com certeza é uma causa a ser lembrada num contexto de um paciente com derrame pleural de causa ainda não esclarecida.
Relembrando as aulas de semiologia do terceiro ano de faculdade, vamos fazer um exame físico bem feito, porque o derrame pleural costuma apresentar uma semiologia bastante exuberante e reconhecível. A ausculta vai estar bastante diminuída ou abolida, a percussão estará maciça, inclusive a percussão dos espaços intervertebrais adjacentes (um sinal conhecido como Signorelli).
Pronto, suspeitei de um derrame pleural no meu exame físico, agora só preciso confirmar. O jeito mais simples de fazer isso é solicitando um Raio X de tórax, um exame simples, fácil, barato e extremamente acessível em quase todos os lugares. Vamos lembrar aqui de solicitar sempre o Raio X de tórax em PA e perfil, enfatizando que o perfil não é uma “incidência” opcional, mas sim padrão, que SEMPRE deve ser solicitada, a não ser claro, que não seja possível caso o paciente esteja restrito ao leito e não consiga se levantar, nestes casos, infelizmente, só será possível a realização do AP no leito, em que acabamos perdendo em termos sensibilidade e interpretação.
O líquido pleural é mais denso que o ar, o que causa opacidade na radiografia. Quando o derrame é muito grande, não tem nem graça, qualquer um consegue reconhecer, é só ver um “branco” ocupando grande parte do hemitórax acometido. Mas e quando não se trata de um derrame tão volumoso assim, como reconhecer? Vamos lembrar que o derrame geralmente será um líquido livre, solto dentro da cavidade pleural e que, portanto, se encontrará nas áreas inferiores da radiografia, obliterando os chamados seios costo-frênicos, que são aqueles ângulos formados quando o gradil costal se encontra com o diafragma.
No exemplo acima, temos a radiografia de uma paciente que chega ao Pronto atendimento com queixas de dispneia aos pequenos esforços e ortopneia, numa paciente sabidamente cardiopata. Foi levantada hipótese de uma IC descompensada e solicitados os exames de imagem em que podemos notar um velamento dos seios costo-frênicos direito e esquerdo, além do seio costo-frênico posterior visualizado no perfil.
Como há obliteração dos seios laterais, podemos inferir que há acúmulo de pelo menos 200mL de líquido. A incidência em PA poderia até vir normal, daí a importância do perfil, que é muito mais sensível, podendo indicar acúmulos a partir de apenas 50mL quando vem alterado.
Ainda ficou em dúvida? Muitas vezes esquecido, mas quando ainda não temos certeza se trata-se ou não de um derrame pleural, podemos solicitar uma terceira incidência: a incidência em decúbito lateral, também chamada de Laurell. Quando se vira e deita de lado, o líquido “escorre” ao longo do gradil costal, formando uma lâmina que pode confirmar o diagnóstico. Quando essa lâmina é maior que 1cm, este líquido já é puncionável.
Se você quer visualizar melhor como interpretar um derrame pleural, nós temos um vídeo especial sobre o assunto no canal da Medway que também pode te ajudar. É só clicar no play logo abaixo.
Aqui é mais fácil lembrar o contrário: quando não investigar! A exceção é quando nossa suspeita é que o derrame seja secundário a uma IC descompensada, ou seja, um paciente presumivelmente cardiopata, clinicamente hipervolêmico, com derrame bilateral, principalmente à direita, neste caso podemos tentar primeiramente um tratamento clínico por até três dias e observar se há resposta, não havendo resposta esse derrame também deve ser puncionado.
De resto, todo e qualquer derrame deve ser puncionado o mais breve possível para investigação diagnóstica, lembrando claro de garantir que o derrame é puncionável e não há nenhuma contraindicação.
Não podemos nos esquecer sempre de solicitar um raio X de tórax controle após o procedimento para avaliar a formação de um pneumotórax (a complicação mais comum!).
Outro detalhe importante é não fazer a punção com o paciente de estômago vazio, isso pode causar reflexo vagal e gerar sintomas desagradáveis, como lipotimia, mal-estar, náuseas, turvação visual, entre outros.
Por último, uma complicação temida, porém felizmente rara, é o edema agudo por reexpansão, que pode ser causado quando se retira grandes quantidades de líquido de uma vez, principalmente em derrames mais crônicos (>72hs) e volumosos, que acontece quando há uma rápida retração do espaço pleural que gera um extravasamento de líquidos para dentro dos alvéolos, por isso quando formos fazer uma toracocentese de alívio não vamos retirar mais de 1000-1500mL de líquido.
Lembrando que, principalmente em indivíduos mais baixos, menores volumes de líquido também poderão causar esta complicação, por isso ficar atento ao paciente, caso o mesmo comece a apresentar dispneia e/ou tosse após ou mesmo ainda durante o procedimento, e interromper a punção e fornecer suporte.
Primeiramente, vamos diferenciar o que é um Transudato e o que é um Exsudato.
Esses nomes refletem diretamente o mecanismo de formação do derrame pleural. No TRANSudato, o acúmulo de líquido ocorre literalmente devido a um TRANSbordamento de líquido dos capilares para o interior da cavidade pleural, geralmente por um aumento da pressão hidrostática capilar, como acontece na IC, ou por uma diminuição da pressão oncótica, como pode acontecer na cirrose ou outras causas de hipoalbuminemia, como a síndrome nefrótica por exemplo. Devo acrescentar que, nestes casos, a permeabilidade dos vasos está inalterada, diferente do EXSudato, que vai acontecer em casos de permeabilidade vascular aumentada, que vai acabar permitindo a passagem tanto de líquidos quanto de proteínas para o espaço pleural, isso vai acontecer em casos em que há uma inflamação da pleura, que pode ser secundário à uma pneumonia, tuberculose, neoplasia, ou até mesmo a algum processo inflamatório adjacente.
Já ouviram falar dos critérios de Light? Richard Light é um médico americano que elaborou um critério extremamente sensível para o diagnóstico de um Exsudato, é super simples de se aplicar, só vamos precisar das dosagens de proteínas e de LDH tanto do líquido quanto do sangue, além de um pouquinho de matemática básica.
Vamos ver abaixo quais são esses critérios:
Proteína do líquido pleural / Proteína sérica > 0,5 |
Desidrogenase lática (LDH) do líquido pleural / LDH sérica > 0,6 |
LDH do líquido pleural > 2/3 do limite superior do valor de referência do LDH sérico |
Ah, e lembrando que basta ter apenas um critério positivo para se chamar de exsudato, tá?
O problema disso, como foi dito, é que esses critérios são extremamente sensíveis para o reconhecimento de um Exsudato, uma condição que exige mais investigação complementar, em comparação a um Transudato, que seria uma condição mais “benigna”. Com isso acabamos diagnosticando mais exsudatos do que realmente é de fato, são os chamados Pseudo-Exsudatos, que podem acontecer principalmente em paciente em vigência de uso de diuréticos, que podem acabar “concentrando” as proteínas no líquido pleural e acabar dando positivo algum dos critérios de Light, mesmo sendo o líquido um Transudato.
Para diferenciar, então, nós podemos lançar mão dos gradientes, tanto de albumina quanto de proteína, que é simplesmente a diferença entre a dosagem do sangue pela concentração da substância no líquido.
Albumina sérica – albumina do líquido > 1,2g/L = Transudato (Pseudo-exsudato)
Proteína sérica – proteína do líquido > 3,1g/L = Transudato (Pseudo-exsudato)
Por fim, vamos falar brevemente das duas principais causas de derrame pleural. Começando pelo derrame secundário à IC, espera-se um derrame bilateral em mais de 60% dos casos, com maior volume à direita, inclusive quando é unilateral o esperado é que seja à direita, sendo que menos de 10% dos casos vão se apresentar como derrame isoladamente à esquerda. Na análise do líquido, espera-se encontrar um transudato, porém devemos ficar atentos à possibilidade de pseudo-exsudato, como descrito anteriormente. O tratamento será o tratamento da descompensação da IC em si, geralmente realizado com uso de diuréticos de alça e a depender do caso e função sistólica, com vasodilatadores.
A segunda causa mais comum é quando o acúmulo de líquido ocorre secundário à uma pneumonia adjacente, sendo neste caso denominado Derrame Pleural Parapneumônico. O aspecto do líquido tende a ser turvo e a análise mostra um exsudato. O tratamento é feito com antibioticoterapia sistêmica, o mesmo tratamento da pneumonia em si, no entanto a análise do líquido nestes casos é de extrema importância, pois caso haja qualquer sinal de proliferação bacteriana dentro do espaço pleural o quadro ganha a denominação de derrame pleural complicado, que se comporta como um foco fechado que pode não ser adequadamente tratado pela antibioticoterapia sistêmica e requer drenagem torácica.
Portanto devemos indicar uma drenagem de tórax quando confirmarmos proliferação bacteriana no líquido, ou seja, quando a punção for francamente purulenta (empiema), ou quando a análise do líquido apresentar os seguintes achados:
pH < 7,2 |
Glicose < 60mg/dL |
LDH > 1000 |
Cultura do líquido positiva |
Esperamos que o derrame pleural tenha ficado mais claro. Mais uma coisa: quer ver conteúdos 100% gratuitos de medicina de emergência? Confira a Academia Medway! Por lá, disponibilizamos diversos e-books e minicursos. Enquanto isso, que tal dar uma olhada no nosso Guia de Prescrições? Com ele, você vai estar muito mais preparado para atuar em qualquer sala de emergência do Brasil!
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Pra cima!
Nascida em Franca/SP, em 92, formou-se em medicina pela PUC-Campinas, em 2018. Especialista em Clínica Médica pela UNICAMP e completamente apaixonada por essa área cheia de detalhes e interpretações. Filha de professora e de um ávido leitor, cresceu com muito amor pelo ensino também, unindo essa paixão à medicina.
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