Desproporção céfalo-pélvica: tudo que você deve saber

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Fala, pessoal! Hoje é dia de falar sobre a desproporção céfalo-pélvica, que acontece quando o bebê é muito grande para passar na barriga materna. Para isso, é necessário começar falando do trabalho de parto. 

O trabalho de parto deve ser definido por uma associação de contrações uterinas com dilatação do colo do útero.  Determinar o momento inicial do trabalho de parto, assim como saber definir se sua progressão está dentro do adequado, são fatores importantes para uma boa assistência materno-fetal. 

As fases do trabalho de parto

Desproporção céfalo-pélvica: saiba mais sobre o trabalho de parto
Saiba mais sobre as fases do trabalho de parto

Consideramos o trabalho de parto como tendo algumas fases.

Primeira fase do trabalho de parto

A primeira fase consiste na dilatação cervical, que se inicia com o começo das contrações e é finalizada quando a paciente apresenta dilatação total do colo. Essa fase pode se dividir em duas etapas, a depender da velocidade de dilatação observada. 

Inicialmente, temos a fase latente de trabalho de parto (ou pródromos de trabalho de parto). Nesse caso, a dilatação ocorre de forma lentificada, especialmente em primíparas, podendo demorar até alguns dias para que o trabalho de parto realmente “engrene”. Sendo assim, este ainda não é o momento de internação na maternidade.

Por volta dos 5 cm de dilatação em multíparas e 6 cm em nulíparas, vemos uma inflexão mais aguda na curva de dilatação, que significa que esta está ocorrendo de forma mais acelerada. Isso indica que estamos na fase ativa de trabalho de parto; sendo, agora, necessário internar essa gestante para condução de seu trabalho de parto, seja com medidas não-farmacológicas de analgesia ou medidas mais invasivas, como a anestesia peridural, por exemplo. 

Segunda fase do trabalho de parto

Após a dilatação total do colo, dá-se início à segunda fase do trabalho de parto, que consiste na descida da apresentação fetal. Ela depende de:

  • uma fase passiva, em que as próprias contrações uterinas auxiliam na expulsão fetal; 
  • uma fase ativa, em que os puxos maternos ajudam na descida fetal.

Terceira fase do trabalho de parto

O terceiro período ocorre após a expulsão fetal e dura até a expulsão placentária. Esse momento é caracterizado pela dequitação placentária, que, em geral, deve durar até, no máximo, 30 minutos.

Quarta fase do trabalho de parto

A última fase do trabalho de parto, também chamada de quarto período, consiste na primeira hora após a dequitação placentária. Neste momento, devemos ter atenção especial para a ocorrência de sangramentos puerperais, por exemplo, por atonia uterina.

Desproporção céfalo-pélvica: alterações na evolução do parto

Sabendo-se as fases de evolução normal do trabalho de parto, podemos ter uma base para identificar anormalidades nesse processo e saber em que momento devemos intervir.

O partograma é uma ferramenta que pode ajudar na avaliação da evolução do parto normal e indicar a necessidade de intervenções. A partir do registro da dilatação e da descida da apresentação fetal, podemos classificar um parto em eutócito, que indica normalidade da condução do parto, porém ele ainda pode apresentar alterações como: 

  • fase ativa prolongada: dilatação cervical com velocidade < 1 cm/hora;
  • parada secundária da dilatação: ausência de dilatação após 2 horas, em dois toques consecutivos
  • período pélvico prolongado: duração da segunda fase do trabalho de parto maior do que 2 horas, porém com evolução da descida fetal
  • parada secundária da descida: ausência de evolução da descida da apresentação após 1 hora.

Essas alterações podem ser decorrentes de disfunções das contrações uterinas, como a hipocontratilidade, por exemplo. As contrações podem não ser fortes o suficiente ou não serem coordenadas adequadamente, podendo gerar alterações na evolução do trabalho de parto. Estas são as chamadas distócias funcionais, que podem ser identificadas a partir da monitorização das contrações uterinas, também representadas no partograma.

Por outro lado, em algumas situações, a evolução do trabalho de parto está prejudicada por fatores fetais ou pélvicos, e não uterinos. São o que chamamos de alterações decorrentes de desproporção céfalo-pélvica.

Desproporção céfalo-pélvica (DCP)

Quando estamos examinando o tamanho fetal em relação à bacia materna, sempre devemos fazer uma avaliação conjunta. Claro, fetos maiores têm mais risco de serem grandes demais para a pelve materna, contudo, nem sempre há problemas na evolução do parto de bebês grandes para a idade gestacional (GIG). 

Dessa forma, devemos dizer que a desproporção céfalo-pélvica (DCP) é um diagnóstico evolutivo, que só pode ser dado a partir da observação da evolução do trabalho de parto.

Uma desproporção entre o tamanho do feto e a pelve materna pode levar a falhas na evolução do trabalho de parto, especialmente na fase de descida fetal. O quadro mais caracteristicamente associado à DCP é a parada secundária da descida, em que o feto é grande o suficiente para não conseguir descer na pelve e estagnar em um ponto específico, independentemente dos puxos maternos e da adequada contração uterina.

Isso pode ser decorrente não apenas de uma disparidade entre o tamanho fetal e a bacia materna, porém também pode ser consequência de posicionamentos anômalos do feto, como assincletismos ou deflexão da cabeça fetal (apresentação de face ou de fronte, por exemplo) – as chamadas DCPs relativas.

Chamamos de DCP verdadeira quando se tem uma real desproporção entre o tamanho fetal e a anatomia materna, impedindo a passagem no canal de parto. Essa situação ocorre, por exemplo, quando há:

  • alguma anomalia na superfície fetal;
  • um teratoma de partes moles;
  • fetos gemelares imperfeitos;
  • hidrocefalia; 
  • etc. 

Nesses casos, independentemente da posição durante o parto, não haverá passagem! Por outro lado, o problema pode também ser decorrente de anomalias anatômicas no canal de parto, como deformidades pélvicas após traumas ou a presença de tumores em canal de parto. 

O feto grande para idade gestacional, comumente encontrado em gestantes diabéticas, é uma causa importante de DCP, devendo-se ter especial atenção para fetos acima de 4500g em gestantes não-diabéticas e acima de 4000g em gestantes diabéticas.

Diagnóstico da desproporção céfalo-pélvica

Como foi dito, o diagnóstico da DCP é subjetivo, e sua definição depende da avaliação clínica e exame físico durante o curso do parto. Geralmente, se manifesta como um segundo estágio do trabalho de parto mais prolongado, porém, caso a fase de dilatação já esteja protraída, mesmo com adequadas contrações uterinas, podemos ter uma sugestão da evolução para uma desproporção céfalo-pélvica.

Outra forma mais precoce de identificar a desproporção céfalo-pélvica é pela dificuldade de a cabeça fetal se encaixar na pelve, ou seja, de atravessar o estreito superior, se mantendo em planos de DeLee < -3, mesmo após 7 cm de dilatação. Isso sugere que há uma desproporção entre a cabeça fetal e a pelve materna, uma vez que ela não consegue adentrar o estreito inferior, como seria de se esperar. 

Com isso, mesmo com o curso da dilatação acontecendo da forma esperada, a cabeça fetal pode ser identificada como “alta e móvel” no toque vaginal.

Antigamente, propunha-se o uso de avaliações da bacia materna e do tamanho do feto por meio de exames radiográficos, de forma a medir alguns ângulos e distâncias e prever a possibilidade de evolução do parto, o que chamava-se de pelvimetria. Contudo, este método se mostrou inexato e pobremente relacionado ao prognóstico evolutivo do parto, não havendo recomendação formal para pelvimetria radiográfica em nenhuma situação, atualmente.

Manejo da desproporção céfalo-pélvica 

A identificação da DCP deve ser prontamente manejada com medidas invasivas para um adequado nascimento do feto. Como veremos, a ausência de um adequado diagnóstico e manejo pode levar a resultados catastróficos tanto fetais quanto maternos.

DCP relativa

Caso estejamos lidando com uma DCP relativa,  ou seja, resultante de anomalias de posicionamento fetal, podemos realizar medidas para adequar a posição do feto e permitir a evolução do parto. Por exemplo, se identificamos assincletismos ou uma variedade de posição transversa,  fórcipe de Kielland pode ser aplicado para correção dessas alterações. 

DCP verdadeira

Por outro lado, se há uma real desproporção entre o tamanho fetal e o espaço para sua passagem no canal de parto, não há a possibilidade de correções de posicionamentos que possam levar a possibilidade de um parto normal. Nesses casos, deveremos encaminhar essa gestante para uma cesariana e retirar o feto por via alta.

Complicações

A desproporção céfalo-pélvica pode se traduzir em uma tragédia durante a evolução do parto normal, resultando em morbi-mortalidade tanto para a mãe quanto para o feto.

Rotura uterina

Em relação à mãe, a ausência de evolução da descida da apresentação leva a contrações cada vez mais fortes, que podem gerar afinamento do segmento uterino. Como há uma força motriz, porém não há possibilidade de expulsão fetal, isso pode gerar uma das complicações mais graves do segundo período do trabalho de parto, a rotura uterina. 

Para diagnosticá-la, devemos avaliar a paciente de forma global. Além daqueles sinais indicativos de DCP (fase ativa protraída, ausência de “encaixe” da cabeça fetal na pelve inferior), a paciente refere aumento intenso da dor abdominal, que se mantém não apenas durante as contrações, podendo aparecer dois sinais clínicos característicos da iminência de rotura uterina, o sinal de Bandl e Frommel, que correspondem à distensão do segmento inferior do útero e à palpação do ligamento redondo, desviado para a frente, respectivamente.

Para evitar que a rotura se consume, o que pode gerar hemorragia materna intensa e óbito fetal por descolamento prematuro de placenta, devemos encaminhar essa paciente para uma cesariana de urgência.

Distócia de ombro

Além dessa gravíssima complicação, ainda podemos ter casos em que há distócias de ombro, quando o feto é grande para a pelve materna, porém consegue chegar até o fim do canal de parto. Nesses casos, podem vir a ser necessárias manobras para liberação do ombro fetal de trás do osso da púbis, as quais podem gerar lacerações graves de canal de parto e até hipóxia fetal, podendo gerar sequelas irreversíveis ao bebê.

A partir disso, fica clara a necessidade de diagnóstico e manejo precoce da desproporção céfalo-pélvica, que pode ser responsável por diversas emergências obstétricas no fim do trabalho de parto.

Sobre a desproporção céfalo-pélvica, é isso! 

É isso, pessoal! Esperamos que tudo tenha ficado claro e que você tenha compreendido o conteúdo!

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MarceloLucchesi Montenegro

Marcelo Lucchesi Montenegro

Paranaense, nascido em Curitiba em 1991. Formado pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) em 2016, com residência em Ginecologia e Obstetrícia na UNICAMP, concluída em 2019. Especialização em Ginecologia Endócrina e Reprodução Humana pela USP-RP em 2019 até 2020. Tem experiência como fellow em Reprodução Humana pela clínica NeoVita, em São Paulo (SP). Nada vem de graça, os resultados refletem a sua dedicação! Siga no Instagram: @dr.marcelomontenegro