Diverticulite de Meckel: conceito, como diferenciar, sintomas e tratamento

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Fala, moçada! Hoje vamos falar sobre a Diverticulite de Meckel! Acho bem provável que você tenha algumas dúvidas sobre o assunto e possa confundir com a doença diverticular do cólon — e se é o caso, pode ficar relaxado! Nesse artigo, vamos esclarecer tudo para você!

Bora lá?

Antes de definir a Diverticulite de Meckel, vamos clarificar alguns termos

Para começar, vamos entender alguns termos que servirão de base para que você possa compreender melhor o que é a Diverticulite de Meckel

  • Divertículo: é uma protusão sacular das camadas de estruturas do trato gastrointestinal, como intestino delgado, cólon e esôfago. Lembrando que não existe no reto. 

Os divertículos, conjunto de protusões, são divididos em verdadeiros e falsos. Quando contêm todas as camadas da parede intestinal e possuem natureza congênita, dizemos que são verdadeiros, que é o caso do Divertículo de Meckel. Os divertículos podem também ser falsos, consistindo na projeção da mucosa e submucosa por meio do defeito no revestimento muscular, sendo normalmente adquiridos (maioria duodenais). 

  • Diverticulose: é a presença de um ou mais divertículos.
  • Doença diverticular: é caracterizada pela diverticulose sintomática.
  • Diverticulite: é a inflamação e/ou infecção de um divertículo.

Agora sim: o que é a Diverticulite de Meckel?

Sua primeira descrição foi feita em 1598 por Fabricius Hildanus, porém, somente em 1809, Johann Meckel publicou suas observações sobre a anatomia e embriologia do divertículo. 

O divertículo de Meckel é uma anormalidade congênita resultante da persistência do ducto onfalomesentérico. Por sua origem embrionária, vamos ter que lembrar um pouco das aulas de embriologia, mas prometo que vai ser rápido e indolor. Não desista!

No início do desenvolvimento fetal, o intestino médio apresenta uma comunicação com o saco vitelino pelo conduto onfalomesentérico. Esse se estreita e passa a se localizar dentro do cordão umbilical até regredir essa comunicação e o intestino ficar contido na cavidade peritoneal, por volta da 5° a 7° semana de gestação. Quando a extremidade intestinal do ducto onfalomesentérico persiste após o nascimento, resulta no divertículo de Meckel

Imagem ilustrativa, sendo a letra D o Cordão fibroso entre o intestino delgado e a superfície posterior do umbigo. E a letra E a Diverticulite de Meckel. Fonte: Sabiston, 20° Edição.
Imagem ilustrativa, sendo a letra D o Cordão fibroso entre o intestino delgado e a superfície posterior do umbigo. E a letra E o Divertículo de Meckel. Fonte: Sabiston, 20° Edição.

Ainda ficou um pouco abstrato? Então se liga nessas duas imagens!

Remanescente onfalomesentérico persistindo como um cordão fibroso do íleo até o umbigo.
Remanescente onfalomesentérico persistindo como um cordão fibroso do íleo até o umbigo. Fonte: Sabiston, 20° Edição.
Apresentação comum da diverticulite de Meckel projetando-se da borda antimesentérica do íleo (peça cirúrgica). Fonte: Sabiston, 20° Edição.

Podemos aplicar a “regra do 2”, pois o divertículo de Meckel localiza-se a 2 pés (aproximadamente 60 cm) da válvula ileocecal, costuma ter 2 polegadas (aproximadamente 5 cm) de comprimento, contém 2 tipos de mucosas ectópicas (gástrica e pancreática), está presente em aproximadamente 2% da população e os homens são 2 vezes mais propensos a apresentarem complicações (apesar da incidência ser igual entre os sexos).

Sintomas da Diverticulite de Meckel

A maioria dos portadores são assintomáticos, porém 4,2% terão sinais e sintomas inespecíficos que variam de acordo com a complicação apresentada. 

Essas complicações são mais frequentes em crianças e adultos jovens (principalmente homens) e a mortalidade situa-se em torno de 6 a 7,5%.

Complicações do divertículo de Meckel
HemorragiaComplicação mais frequente, ocorre em crianças com menos de 2 anos, tem início súbito, é indolor e pode ser de pequena ou grande quantidade
Obstrução intestinalDivertículo atua como cabeça de invaginação ou como herniação ou volvo em torno do cordão fibroso
DiverticuliteManifestações iguais às da apendicite aguda; mais frequente em adultos
PerfuraçãoMais frequente em adultos

A hemorragia, em 25–50% dos casos, é decorrente da mucosa gástrica ectópica que secreta ácido clorídrico e pode causar úlcera no intestino delgado (principalmente no íleo). Para pacientes jovens, menores de 30 anos, a avaliação deve iniciar com a pesquisa do Divertículo de Meckel. Neles, a doença pode se apresentar como sangramento retal maciço vivo e indolor, anemia secundária a um sangramento crônico ou como um evento episódico recorrente e autolimitado. 

Quando há obstrução intestinal, pode ser ileoileal ou ileocólico e apresenta-se com distensão abdominal, dor do tipo cólica, vômitos (podendo ser fecalóides), parada de eliminação de gases e fezes e massa abdominal palpável. 

A diverticulite de Meckel ocorre em 13 a 31% das complicações e é desencadeada por enterólito, corpo estranho ou parasita, que ocasiona obstrução do divertículo e inflamação da mucosa ileal. O quadro clínico dessa doença é praticamente igual ao da apendicite aguda, com dor abdominal súbita, inicialmente periumbilical que migra para fossa íliaca direita e evolui a intensidade. Pode acompanhar febre, vômitos, prostração e inapetência. Por isso, ao encontrar um apêndice normal durante a exploração cirúrgica por suspeita de apendicite, o íleo distal deve ser inspecionado pela possível presença de um divertículo de Meckel inflamado.  

Cabe abordar também que a perfuração pode se dar pela progressão da diverticulite, necrose ou decorrente da ulceração. 

Agora falando de um caso raro, pode ocorrer degeneração neoplásica, sendo mais comum o tumor neuroendócrino (77%). Os outros tipos histológicos são: a adenocarcinoma (11%), que geralmente se origina da mucosa gástrica; GIST (10%) e linfoma (1%).

Por último, mas não menos importante, cuidado para não confundir com a diverticulite do cólon, em que a manifestação é tipicamente por dor na fossa ilíaca esquerda, febre, taquicardia, leucocitose e presença de massa abdominal. Diferentemente da diverticulite de Meckel, nesse caso, na maioria das vezes, o problema acomete idosos. Seu diagnóstico é feito por meio da TC abdominal e tratado conforme a classificação de Hinchey.

Como diagnosticar a Diverticulite de Meckel

Pelo caráter assintomático do Divertículo de Meckel, na maioria das vezes, a inflamação é descoberta incidentalmente, durante a necropsia ou laparotomia. Seu diagnóstico é desafiador e realizado quando surgem complicações, demonstrada pela frase abaixo de Charles Mayo:

“Meckel’s diverticulum is frequently suspected, often looked for, but seldom found”. (O divertículo de Meckel é frequentemente suspeitado, por vezes procurado, mas raramente encontrado). 

O exame diagnóstico padrão ouro é a cintilografia com pertecnetato tecnécio 99m (Tc99m), que é captado pela mucosa gástrica ectópica no divertículo. Sua sensibilidade diagnóstica para a faixa pediátrica é de 85%, especificidade de 95%. Já nos adultos, a sensibilidade cai para 63%, devido a menor presença de mucosa gástrica.

Exemplo de diverticulite de meckel
Cintilografia com pertecnetato de Tc99m em uma criança, demonstrando um divertículo de Meckel nitidamente diferenciado do estômago e da bexiga.
Fonte: Sabiston, 20° Edição.

Quando a cintilografia está normal no adulto e o paciente tem sangramento ativo ou intermitente, realiza-se a arteriografia para detectar o foco de sangramento ou anomalia vascular.

A ultrassonografia é usada principalmente na emergência e em processos inflamatórios, pois evidencia a ausência de peristalse e diferencia o divertículo de Meckel das alças intestinais adjacentes. Se usado com Doppler colorido, é possível detectar a hiperemia da parede do divertículo inflamado.

Auxiliam no diagnóstico e na exclusão de outras doenças: exames baritados para obstrução, tomografia computadorizada para inflamação ou obstrução e colonoscopia ou endoscopia digestiva alta em casos de hemorragia. 

TC coronal
Formação do divertículo de Meckel com sinais de inflamação adjacente.
TC coronal (B) e axial (C) mostram formação do divertículo de Meckel com sinais de inflamação adjacente (seta). Fonte: Aspectos tomográficos da diverticulite de Meckel.
Radiografia com bário mostrando um divertículo de Meckel assintomático (seta).
Fonte: Sabiston, 20° Edição.

Diagnósticos diferenciais na criança

Os diagnósticos diferenciais do abdome agudo na criança são: apendicite aguda (principal), estenose hipertrófica de piloro, hérnia inguinal encarcerada e intussuscepção intestinal.

SANGRAMENTO COLÔNICO(95%)SANGRAMENTO DO INTESTINO DELGADO(5%)
Doença diverticularAngiodisplasias
Doença anorretalDoença de Crohn
IsquemiaDivertículo de Meckel
Colite InfecciosaErosões/úlceras induzidas por AINEs
NeoplasiaEnterite por radiação
Pós polipctomiaLinfoma
Doença Inflamatória IntestinalDoença metastática
AngiodisplasiaFístula Aortoentérica
Colite/proctite por irradiação
Diagnóstico Diferencial da hemorragia Gastrointestinal Inferior

Tratamento da Diverticulite de Meckel

O tratamento é cirúrgico. Quando há complicações, a videolaparoscopia ou a laparotomia exploradora são simultaneamente o diagnóstico e tratamento da diverticulite de Meckel. Sendo assim, nos casos de hemorragia, diverticulite e neoplasia é realizada a remoção do divertículo (diverticulectomia), quando não há envolvimento de alças adjacentes ou ressecção ileal segmentar. Esse procedimento é realizado com anastomose término-terminal, 

Já o tratamento para o divertículo de Meckel de achado incidental e assintomático é controverso. Em crianças, durante uma laparotomia, são ressecados. Porém, no adulto, ainda é polêmico. Alguns estudos defendem a ressecção devido ao potencial de transformação maligna e outros demonstram que as complicações pós-operatórias são maiores que os benefícios da retirada.

Laparotomia com o achado da diverticulite de Meckel. Fonte: Aspectos tomográficos da diverticulite de Meckel.
Divertículo de Meckel – achado cirúrgico. Fonte: Pronto- socorro Pediatria (FMUSP), 3° edição.
Laparotomia exploradora evidenciando a divertículite de Meckel.
Laparotomia exploradora evidenciando diverticulite de Meckel em um lactente de 13 meses.
Fonte: Divertículo de Meckel – relato de caso.

E aí? Conseguiu esclarecer suas dúvidas?

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Espero que esse artigo tenha te ajudado! Até a próxima!

* Colaborou Isabela Yamane Faitaroni, graduanda do 6° ano de medicina na USF (Universidade São Francisco)

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AnuarSaleh

Anuar Saleh

Nascido em 1993, em Maringá, se formou em Medicina pela UEM (Universidade Estadual de Maringá). Residência em Medicina de Emergência pelo Hospital Israelita Albert Einstein.