E aí, pessoal, beleza? Falamos bem pouco sobre doença inflamatória intestinal (DII) em crianças, mas a DII é uma das afecções gastrointestinais mais comuns nesse público. A retocolite ulcerativa e a doença de Crohn na pediatria são os dois subtipos mais encontrados.
Devido à importância no dia a dia do pediatra e do médico generalista, o tema deste texto é radiologia pediátrica! Vamos mostrar quais são os métodos disponíveis de imagem, as vantagens, as desvantagens e o que encontrar na doença de Crohn na população pediátrica.
O que é a doença de Crohn (DC)? A doença de Crohn na pediatria é o quadro inflamatório intestinal mais comum. O diagnóstico surge ainda durante a infância em até 25% dos casos.
Essa boa parcela de acometimento da população pediátrica se deve ao padrão de distribuição etária da doença de Crohn, que apresenta um pico bimodal (primeiro pico na segunda década de vida e segundo pico na sexta e na sétima década de vida).
Dados recentes sugerem que a incidência de DC aumenta em crianças e adolescentes, tendo como características principais o acometimento inflamatório do trato gastrointestinal de forma descontínua, que pode ocorrer desde a boca até o ânus, havendo grande predileção do acometimento do íleo terminal.
A doença de Crohn na pediatria acomete a parede da alça em toda a espessura, o que é chamado de acometimento transmural da parede intestinal e pode evoluir com complicações como formação de estenoses e fístulas.
O diagnóstico e o acompanhamento da doença de Crohn na pediatria é realizado a partir de uma combinação de história clínica, exame físico, avaliação laboratorial, exames endoscópicos e biópsias e exames de imagem. Neste texto, o foco é o papel da radiologia.
Vários métodos de imagem podem ser utilizados para a avaliação do intestino. Nenhum deles se compara, em acurácia, à avaliação endoscópica. Porém, o intestino delgado é uma zona cega para os métodos endoscópicos, que ainda dependem de sedação e preparo, sendo mais caros.
Esse é o melhor nicho dos exames de imagem: dizer, de forma não invasiva, se há ou não inflamação intestinal (principalmente no intestino delgado), qual é o padrão de acometimento (sugestivo de DC ou RCU), se há atividade inflamatória atual e se há complicações (fístulas, estenoses, coleções, etc).
Outro detalhe muito importante dos métodos de imagem na avaliação da doença inflamatória intestinal é que eles permitem avaliar o acometimento extraintestinal. Isso porque a DII tem uma série de manifestações associadas a diversos órgãos: uveítes, colangite esclerosante, espondilite anquilosante, cálculos biliares e renais, pancreatites, pioderma gangrenoso, entre vários outros.
Vários métodos de imagem podem ser usados para diagnosticar e acompanhar a doença de Crohn em crianças. Os de imagem são melhores para estudar o intestino delgado (o estômago e os cólons são acessíveis e muito melhor avaliados por endoscopias). Entre os disponíveis, estão:
Nenhum método é definitivamente superior, nem completamente inútil. A indicação de exames de imagem de pacientes pediátricos com DII deve equilibrar as considerações de precisão do diagnóstico com as preocupações sobre a exposição à radiação ionizante e a tolerância da técnica de imagem.
A radiografia é o método mais simples de imagem do abdome e mais acessível, porém é definitivamente o de pior acurácia. O uso é largamente substituído pelos métodos axiais, como a tomografia computadorizada e a ressonância magnética. Ela é limitada para uma avaliação inicial em casos de abdome agudo, principalmente obstrutivo, que pode ser uma complicação da DII.
Porém, a radiografia contrastada ainda tem valor. O estudo do trânsito intestinal, também chamado de morfologia do delgado, visualiza o intestino delgado, como o próprio nome já diz, no qual se oferta bário via oral para o paciente e vendo a progressão pelas alças com auxílio de fluoroscopia.
Por meio desse procedimento, também é possível avaliar o padrão de pregueamento da mucosa intestinal e o peristaltismo, identificar áreas estenóticas e fístulas.
A doença de Crohn em sintomas é identificada por espessamento das pregas mucosas, ulcerações lineares múltiplas e elevações de aspecto polipoide da mucosa remanescente, com a aparência de pedras de calçamento.
As principais desvantagens desse método são o uso de radiação ionizante (apesar de ser em dose bem menor que na tomografia) e a impossibilidade de avaliar achados não relacionados à mucosa intestinal, além de algumas complicações, como as coleções abdominais.
Para o estudo do intestino delgado, utiliza-se uma técnica chamada enterotomografia. Nela, um contraste é introduzido por via oral neutro, isto é, não é hiperatenuante (contraste positivo, como o iodo e o bário), nem hipoatenuante (contraste negativo, como ar ou gás).
O contraste neutro tem atenuação de líquido e serve para distender as alças intestinais para observar a mucosa com mais precisão. Na enterotomografia, utiliza-se um laxante osmótico diluído em água como meio de contraste neutro, assim como contraste iodado endovenoso para avaliar o realce inflamatório da mucosa.
Com as alças intestinais delgadas bem distendidas, é possível observar bem achados intestinais de inflamação, como espessamento da parede, hiperrealce com aspecto trilaminar e ulcerações.
Também dá para visualizar achados mesentéricos associados à DC, como ingurgitamento venoso do mesentério, proliferação da gordura adjacente às alças e linfonodomegalias reacionais. As complicações, como fístulas, estenoses e coleções, são identificadas com grande precisão.
A maior desvantagem da tomografia é o uso de radiação, um grande limitador nos estudos pediátricos de imagem. Essa população é especialmente sensível à radiação e, pelo caráter crônico da DC, precisa repetir diversas vezes esses exames, aumentando ainda mais o risco de neoplasia relacionada à radiação.
A enterorressonância magnética é a técnica de ressonância magnética (RM) utilizada para a avaliação do intestino delgado, muito semelhante à enterotomografia.
Também utiliza um contraste por via oral neutro, com sinal de líquido, para distender as alças intestinais e possibilitar a observação da mucosa com mais precisão.
Assim como na enterotomografia, utiliza um laxante osmótico diluído em água como meio de contraste, além de gadolínio endovenoso, para avaliar o realce inflamatório da mucosa.
Os achados são análogos aos observados na tomografia computadorizada. A grande vantagem da enterorressonância em relação à tomografia é a ausência de radiação ionizante, o que é essencial na imagem pediátrica. A RM também permite avaliar a peristalse intestinal por meio de sequências especiais.
As desvantagens são a pouca disponibilidade, o grande tempo de exame, fazendo com que sedação seja necessária (raramente a criança colabora com 40 min de exame) e o custo mais caro.
A principal vantagem da ultrassonografia (US) em comparação com a enterografia por TC e os estudos fluoroscópicos é não utilizar radiação ionizante. Ela é facilmente tolerada pela criança e não necessita de sedação.
A capacidade de obter imagens em tempo real permite uma avaliação detalhada do peristaltismo intestinal (que, geralmente, é anormal na doença de Crohn do intestino delgado). Os segmentos intestinais inflamados e fibróticos comumente mostram diminuição do peristaltismo e frequentemente parecem fixos no lugar.
Apesar de a ultrassonografia ainda ser pouco utilizada na prática clínica, é possível observar com bastante precisão segmentos inflamados do intestino delgado, que geralmente apresentam aumento da espessura da parede, perda da estratificação normal das camadas e aumento do fluxo ao doppler, devido ao aumento do fluxo sanguíneo (hiperemia).
É possível observar áreas de espessamento da parede intestinal com estreitamento luminal persistente, que correspondem às estenoses. De modo geral, a ultrassonografia é bastante útil na avaliação inicial e no acompanhamento da atividade inflamatória, com trabalhos demonstrando boa acurácia em mãos treinadas.
É muito importante se especializar cada vez mais. Agora que você já entendeu tudo sobre a doença de Crohn na pediatria, que tal expandir seus conhecimentos sobre radiografia de tórax com muito conteúdo exclusivo? Assim, você aprende a abordagem na prática e com casos clínicos. Cola com a gente!
Mineira, millennial e radiologista fanática. Formou-se em Radiologia pelo HCFMUSP na turma 2017-2020 e realizou fellow em Radiologia Torácica e Abdominal em 2020-2021 no mesmo instituto, além de ter sido preceptora da residência de Radiologia por 1 ano e meio. Apaixonada por pão de queijo, café e ensinar radiologia.