E aí gente! Tudo bem com vocês? Hoje vamos conversar sobre encefalopatia hepática (EH) de forma prática, mas sem deixar de pontuar o que há de mais novo na literatura e de evidência sobre essa doença.
Bora lá?
A definição mais recente disponível da encefalopatia hepática (EH) de Hepatologia, são:
De acordo com um estudo retrospectivo observacional, com N = 262 pacientes, a encefalopatia hepática esteve presente em 24% dos pacientes internados devido a cirrose hepática.
O mecanismo de instalação da encefalopatia hepática é tão interessante quanto complexa.
A amônia é a principal neurotoxina responsável por desencadear a encefalopatia hepática; e o trato gastrointestinal (TGI) é a principal fonte de amônia.
Mas ela surge da onde? Ela é produzida a partir dos enterócitos + glutamina e das bactérias que colonizam o TGI + fontes nitrogenadas (uréia secretada e proteínas). Em um paciente saudável, o fígado consegue metabolizar e ”limpar” a amônia da veia porta convertendo-a em GLUTAMINA e posteriormente em ureia (que será excretada pelos rins), impedindo assim sua entrada na circulação sistêmica.
Com a insuficiência hepática, há um desvio do fluxo sanguíneo para um fígado que não é capaz de lavar a amônia como deveria, aumentando, assim, seu nível sérico.
→ Quais os efeitos da hiperamonemia?
Laboratorialmente, a hiperamonemia é definida como >2x do limite superior do valor normal. Entretanto, esse dado na literatura é muito controverso, principalmente porque o nível sérico de amônia e o quadro clínico do paciente muitas vezes são divergentes e a amônia é constantemente superestimada.
Outro mecanismo de fisiopatologia muito interessante é o aumento dos aminoácidos séricos no encéfalo. A amônia aumenta a atividade do transportador de L-aminoácido na barreira hematoencefálica (BHE) provavelmente devido ao aumento de glutamina (produzida em excesso para lavar a amônia). De onde veio essa conclusão? Foi observado que a partir de infusões de amônia, houve um aumento de transporte do triptofano (aminoácido) para o cérebro. Tá, mas qual é a relação? O aumento da concentração de aminoácidos no cérebro pode prejudicar a síntese de neurotransmissores (ex: dopamina, noradrenalina e adrenalina); que justifica parte do quadro clínico da encefalopatia hepática. Entendeu?
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Voltando ao nosso tema, atualmente, utilizamos a nomenclatura de 1998 estabelecida no 11º Congresso de Mundial de Gastroenterologia.
TIPO | CATEGORIZAÇÃO |
A | Associada a falência hepática aguda |
B | Associada a shunt portossistêmico. (não associado a insuf. hepatocelular) |
C | Associada a cirrose hepática* |
*Sendo esta episódica, persistente ou mínima (EHM).
Cirrose + E.H tipo C episódica: Delírio agudo ou distúrbio de consciência + alterações cognitivas em pacientes previamente saudáveis. (do ponto de vista neuropsíquico). Podendo ser precipitada (infecção, sangramento, hipoxemia, disf. renal..etc); espontânea ou recorrente.
Cirrose + E.H tipo C persistente: presença de sinais/sintomas neuropsíquicos de forma contínua. Pode ser leve, acentuada ou dependente de tratamento (que se mantém compensada apenas com o uso regular de medicações).
Cirrose + E.H tipo C mínima (EHM): aqui não há alteração do estado mental. Há apenas alterações neuropsíquicas que serão identificadas em testes neurofisiológicos. Considerada um estado PRÉ CLÍNICO de encefalopatia hepática.
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Agora, a CLASSIFICAÇÃO DE WEST HAVEN
→ esta é a mais cobrada em provas de residência!
→ classifica a encefalopatia hepática de acordo com a gravidade.
GRAU | CARACTERÍSTICAS |
I | Alterações leves de comportamento e de funções biorregulatórias, como alternância do ritmo do sono, distúrbios discretos do comportamento como riso e choro “fácil”, hálito hepático. |
II | Letargia ou apatia, lentidão nas respostas, desorientação no tempo e espaço, alterações na personalidade e comportamento inadequado, presença de flapping. |
III | Sonolência e torpor com resposta aos estímulos verbais, desorientação grosseira e agitação psicomotora, desaparecimento do flapping (!!) |
IV | Coma não responsivo aos estímulos verbais e com resposta flutuante à dor |
Além da classificação de West Haven, temos a classificação de ACLIF, que é exclusivamente para pacientes com encefalopatia hepática com injúria crônica do fígado (ACLIF = Acute on Chronic Liver Failure).
– com falência renal isolada (creatinina ≥2mg/dL)
– com falência de 1 órgão (fígado, coagulação, circulatória ou respiratória) com creatinina 1,5- 1,9 mg/dL OU encefalopatia ligeira a moderada
– com falência cerebral e creatinina 1,5-1,9mg/dL
– com falência de 2 órgãos
– com falência de≥ 3 órgãos
Se ausentes: reavaliar periodicamente
> Manifestações clínicas:
Vamos focar em 2 pilares para ficar mais fácil:
A gravidade dos sinais e dos sintomas da encefalopatia hepática vão depender da gravidade do quadro, sendo diretamente proporcionais.
Na encefalopatia hepática mínima (EHM) o paciente pode ser assintomático ou apresentar distúrbios neuropsíquicos sutis, capazes de serem diagnosticados apenas através de testes psicomotores ou eletrofisiológicos (ou seja, difícil de perceber, falando numa linguagem clara).
Conforme a encefalopatia hepática progride, os déficits cognitivos vão se agravando e podem se manifestar como (quanto mais para baixo, mais grave):
As funções neuromusculares vão se deteriorando também:
Esses pacientes apresentam, de base, uma doença hepática crônica e geralmente avançada. Então outros sinais e sintomas podem estar presentes, como icterícia, IMC baixo, sarcopenia, ascite, telangiectasias (principalmente na rede vascular abdominal) e edema periférico.
Em pacientes que eram previamente hígidos e evoluíram com insuficiência hepática aguda ou encefalopatia hepática secundária, podem não apresentar os sinais e/ou sintomas supracitados.
Show! E tendo conhecimento de tudo isso, como eu faço o
Devemos ter como base para o diagnóstico:
*Distúrbios metabólicos (uremia); doenças infecciosas; abstinência alcoólica; distúrbios psiquiátricos; processos expansivos e infeciosos do SNC.
Devemos sempre repassar em nossa mente a lista de diagnósticos diferenciais:
Hipoglicemia / CAD e EHH / AVC / DHE e acido-básicos graves / intoxicação exógena / SAHOS grave (principalmente pacientes obesos) / hematoma subdural (principalmente idosos com história de queda) / SEPSE .
Legenda: CAD = cetoacidose diabética / EHH = estado hiperosmolar / AVC = acidente vascular cerebral / DHE = distúrbios hidroeletrolíticos / SAHOS = Síndrome da Apneia e Hipopneia Obstrutiva do Sono
Para começar, precisamos buscar ativamente a causa base da encefalopatia hepática para poder tratá-la. Se identificada precocemente, muitas vezes o controle efetivo dessa causa é suficiente para reverter o processo da E.H.
Concomitantemente, é essencial que se faça o tratamento específico e direcionado para a encefalopatia.
O tratamento vai depender do grau de encefalopatia que o paciente se encontra. Entretanto, existem cuidados que devemos ter com todos os pacientes, independente do grau de E.H. que ele se encontra. São eles:
*A Neomicina é defendida por alguns autores, porém NÃO mostrou benefícios em estudos randomizados e, a longo prazo, possui grau de ototoxicidade e nefrotoxicidade importantes.
? Polietilenoglicol 3350 (PEG) – É um catártico e elimina amônia através das fezes. Nos trials em comparação com a lactulose, mostrou superioridade e menor tempo para resolução dos sintomas da encefalopatia hepática. Ou seja, tem se saído bem nos estudos, principalmente neste. Bom, há necessidade de mais evidências. Mas, é bom já ter ouvido falar…quem sabe não cai na sua prova, né?
Os probióticos são microorganismos que promovem benefícios para o hospedeiro. Os prebióticos são substâncias que promovem a proliferação e crescimento desses microoganismos. Essa terapia demonstrou reduzir a concentração de amônia no sangue por propiciar a colonização de bactérias resistentes a ácido e não produtoras de urease.
Tem evidência? Uma metanálise (21 estudos / 1420 pacientes) mostrou benefício em comparação com placebo ou nenhum tratamento. Esse é um tratamento adicional e não pode ser usado em substituição a lactulose.
Legal pessoal! Para fechar:
1. Dieta: 35-40kcal/kg/dia, com 1,2-1,5g/kg/dia de proteínas. Orientado fazer pequenas refeições por dia, sem períodos longos de jejum.
2. Medicações:
2a***) Metronidazol 500mg 8/8h V.O. – por 14 dias OU
Neomicina 6g/dia 6/6h VO, por 5 dias. OU
Rifaximina 550mg 12/12h VO
*** (os ATBs são defendidos por alguns autores e possui respaldo no texto do UpToDate na terapia de curto prazo devido a mudança de flora intestinal e efeitos colaterais.)
2b) Lactulose – 30 mL de 8/8h V.O. – Objetivo: 2 a 3 evacuações pastosas/dia.
*em casos refratários:
2c) Aspartato de Ornitina – 5g (1 sachê) diluído em 1 copo de água / suco ou chá 200mL de 12/12h ou 1x ao dia.
2d) Metoclopramida – 10mg VO até de 8/8h – se náuseas ou vômitos.
2e) Dipirona – 500mg a 1g VO até de 4/4h se dor ou febre.
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Beleza, galera? Espero que esse post ajude a esclarecer suas dúvidas sobre encefelopatia hepática! Abraço e brilhem muito!
Nascida em Santos em 1995 e formada pela Universidade Metropolitana de Santos (UNIMES) em 2019. Residência em Clínica Médica pela Secretaria Municipal de Saúde (SUS - SMS) em São Paulo. Seu próximo passo é entrar em Cardiologia, inspirada pela sua mãe, médica da área.
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