Fala, pessoal, todos bem? Espero que sim, porque o texto de hoje trata de um assunto que gera muita confusão no pronto atendimento: vamos falar de encefalopatia hipertensiva.
É hora de destrinchar as definições iniciais de pseudocrise, urgência, e emergência hipertensivas, de modo breve, mas muito sólido. Depois, nosso foco se volta ao reconhecimento e manejo da encefalopatia hipertensiva. Vamos juntos?
Quantas vezes vocês já viram pacientes com a pressão arterial (PA) aferida em 170 x 100 mmHg no pronto-socorro, que vieram para consulta simplesmente por conta desse valor? Isso é frequente demais! Entretanto, a minoria dentre os pacientes hipertensos no PS requer condutas agressivas para baixar a PA.
Aqui, te trago um problema: há uma certa confusão de termos, com divergência entre a literatura internacional e a nacional entre suas definições.
São, basicamente, três conceitos com os quais temos que nos familiarizar:
Os dois primeiros são os que mais confundem, mas atenção total aqui, porque depois o texto deslancha e fica de compreensão muito fácil!
Pensando na Diretriz Brasileira de Hipertensão Arterial de 2020, é dito, brevemente, que: “a Pseudocrise Hipertensiva define situações em que valores altos de Pressão Arterial (PA) são aferidos, em pacientes assintomáticos ou oligossintomáticos, frequentemente em Hipertensos mal aderentes ao tratamento ou sem diagnóstico prévio, especialmente na presença de fatores claramente relacionados à elevação de PA, como dor e ansiedade.”
Perceba que não é definido um valor de corte de pressão para essa categoria, nem o que seriam esses sintomas leves nos oligossintomáticos.
Por outro lado, dentro das crises hipertensivas “verdadeiras”, teríamos a Urgência Hipertensiva como aquela em que há PA sistólica ≥ 180 mmHg e/ou PA diastólica ≥ 120 mmHg, na presença de sintomas que possam configurar suspeita de lesão de órgão-alvo aguda.
Já o diagnóstico Emergência Hipertensiva seria feito quando esses mesmos valores (PAS ≥ 180 e PAD ≥ 120 mmHg) estão presentes, mas existem sintomas sugestivos e há lesão de órgão-alvo (LOA) evidente. Ou seja, ambas seriam situações em que o paciente traz sinais e sintomas compatíveis com LOA!
Por outro lado, quando abordamos a literatura Internacional, o que ocorre é uma ausência do conceito trazido na Diretriz Brasileira como Pseudocrise Hipertensiva.
Tratam o termo Urgência Hipertensiva e Pseudocrise como componentes de um mesmo espectro da doença: as Elevações Severas de Pressão Arterial em Assintomáticos ou Oligossintomáticos (cefaleia leve, dor torácica atípica, epistaxe, por exemplo), quando PAS ≥ 180 e/ou PAD ≥ 120 mmHg. [2,3,4].
Não relacionam, portanto, a Urgência Hipertensiva com sintomas diretamente sugestivos de lesão de órgão-alvo, como na Diretriz Brasileira, entende?
Para nossa sorte, a definição de Emergência Hipertensiva não diverge e é igualmente apresentada como situação na qual há pico pressórico (PAS ≥ 180 e PAD ≥ 120 mmHg) com lesão de órgão-alvo aguda em curso, com ameaça à vida.
Desse modo, considere que:
Então, aqui entra o nosso entendimento sobre o assunto, numa tentativa de sistematizar o teu pensamento no Pronto Atendimento e condensar as duas referências:
Não é uma descompensação da pressão em si, mas consequência de algum “estressor”, reflexo de pura má adesão ou de ausência de conhecimento sobre seu diagnóstico de HAS.
Os níveis pressóricos já estão na zona de “clássica” de risco de LOA, mas não há evidências nem sintomas francamente suspeitos, entende? Mais à frente vamos “abrir a mente” sobre essa “faixa de risco”, mas, por ora, guardemos dessa maneira.
Ora, qualquer acometimento agudo “de novo” de um órgão/sistema ou evidência de agudização de uma disfunção orgânica prévia, nesse contexto de elevação súbita da PA, é definida como lesão de órgão-alvo.
Vamos deixar esse conceito mais palatável? Resumimos as principais, separando por sistemas/órgãos acometidos, de modo que você possa pensar uma a uma, já com sinais, sintomas e exames para investigação:
Lesão de Órgão-Alvo | Sinal e sintoma | Exame complementar |
AVCi e AVCh | Déficits focais agudosRebaixamento de Nível de Consciência (RNC)Sinais de Hipertensão intracraniana | TC de crânio |
Encefalopatia Hipertensiva | Náusea, vômitosCefaleiaRNCCrise convulsiva. | TC DE CRÂNIO DIAGNÓSTICO DE EXCLUSÃO! Quê? Exclusão? Já te explico! |
Infarto Agudo do Miocárdio | Dor torácica, especialmente se típicaEquivalentes anginosos | ECGMarcadores de necrose miocárdica |
Edema Agudo Hipertensivo | Buscar sinais de IAM e suas complicações mecânicas, pois a disfunção cardíaca é AGUDA! | ECG com sinais de IAMRadiografia de tóraxUSG “point-of-care” com “muita linhas-B” ou disfunção contrátil evidente |
Dissecção de Aorta | Dor torácica lancinante irradiada para dorsoAssimetrias de pulso (6 pulsos devem ser aferidos: carotídeos, radiais e femorais, bilateralmente) Assimetria de PA (aferida nos 4 membros) | RX de tórax com alargamento de mediastinoD-dímero se baixa suspeitaAngio-TC se franca suspeita |
Nefroesclerose Hipertensiva | Urina espumosaOligúria | Urina IUreia e CreatininaMarcadores de Hemólise |
Uso de Drogas simpatomiméticas | História compatívelMidríaseAgitação psicomotora | Dosagem de metabólitosAtenção às demais “LOAs”conforme a sintomatologia |
Retinopatia Hipertensiva | Pouco sintomática | Fundoscopia exsudatos algodonosos e hemorragias retinianas |
Pré-eclâmpsia | Cefaleia occipitofrontalDor epigástrica e em Hipocôndrio Direito“Moscas-volantes” e pontos luminososHiperreflexia. | Relação albumina/creatininaTransaminasesCreatininaPlaquetas |
Suspensão de Antagonistas simpáticos – clonidina, betabloq. | História de suspensão de droga | Sem exames particulares |
Pegou? Agora, volte nas definições, rapidamente, e leia imaginando cada cenário.
Ex: estou diante de um paciente com PA 192 x 122 mmHg e ele se queixa de dor torácica “rasgando as costas”. Há PA elevada em zona de risco, bem como um sintoma que, claramente, deve nos deixar com “alerta máximo” ligado para Dissecção Aguda de Aorta, concorda? É, claramente, uma Emergência Hipertensiva!
Na Pseudocrise Hipertensiva, o paciente precisa apenas da retirada da causa da elevação pressórica. Trate a dor, oriente sobre a benignidade do quadro e faça manejo verbal ou químico (ansiolítico) da ansiedade.
O ajuste medicamentoso para controle da Hipertensão Arterial Sistêmica (HAS) pode ser feito ambulatorialmente, sem grandes riscos para alta do PS.
Na Urgência Hipertensiva, para manejo desses pacientes, teremos como meta reduzir a pressão, inicialmente, ao longo de horas a dias. Precisamos definir dois cenários.
Há alguma particularidade desse paciente que me faça querer abaixar a pressão em horas? Por exemplo: é um paciente com aneurisma cerebral ou abdominal prévios? Nesse caso, perceba que não há suspeita de lesão de órgão-alvo em curso, estando o paciente assintomático, apresentando apenas fator de risco evidente:
Caso não sejam pacientes com esses fatores de risco evidentes, podemos iniciar anti-Hipertensivo VO de ação prolongada, como IECA ou BRA, Anlodipino ou Tiazídicos e, mais uma vez, assegurar acompanhamento médico próximo nos próximos dias, em nível de atenção primária.
Nesses casos, a queda da pressão pode ocorrer em dias, de modo bem gradativo, pegou?
Na Emergência Hipertensiva, faremos controle da PA com medicação endovenosa, com particularidades a depender de qual lesão de órgão alvo estamos abordando.
Por exemplo: nitroglicerina é mais adequada nos casos de IAM, gerar vasodilatação no leito coronariano, enquanto na dissecção de aorta tentaremos abaixar de modo mais agressivo a PA, com labetalol, esmolol e/ou nitroprussiato. Já no AVC isquêmico, há franca tolerância de níveis mais elevados, para garantir perfusão cerebral adequada.
De modo simplificado, PA elevada gera lesão endotelial arteriolar e capilar, com perdas de mecanismos de regulação de fluxo (causando edema cerebral, na Encefalopatia Hipertensiva, por exemplo).
É comum, ainda, ocorrer vasoconstrição excessiva em resposta a esse fluxo exagerado inicial, com eventual deposição de material fibrinóide no endotélio, por vezes com necrose e espessamento intimal. Isso reduz o fluxo sanguíneo ao órgão, gerando isquemia tecidual!
Conceito clássico, mas que precisa ser lembrado: tende a ser bem mais perigosa uma elevação em poucas horas da pressão em um indivíduo previamente sadio, com 100 x 60 mmHg em seu estado basal, para 160 x 110 mmHg em uma glomerulonefrite, por exemplo, do que um nível isolado de PA = 190 x 122 mmHg de alguém sabidamente hipertenso em mau controle.
Dessa forma, apesar da definição de crise hipertensiva incluir valores de PAS ≥ 180 e PAD ≥ 120 mmHg, pacientes normotensos “de base” podem ter lesão de órgão-alvo com níveis mais baixos! Basta lembrar que caracterizamos como pré-eclâmpsia grave gestantes com PA ≥ 160 x 110 mmHg, por exemplo!
Sem muitas delongas dentro do universo da Obstetrícia, por ora, mas foi só para retomar aquele conceito que prometi explicar, quando citamos a diferenciação entre Pseudocrise e Urgência em pacientes assintomáticos pelo nível pressórico, por exemplo. Percebeu que há uma fragilidade nesses limites? Mas não nos apeguemos a isso!
Justamente pela fisiopatologia que te expliquei na primeira pergunta. Se há perda da autorregulação de fluxo, ao baixar a pressão rápido demais, a vasodilatação fisiológica e compensatória para manter fluxo em pressões mais baixas simplesmente não ocorre, de modo que só causaríamos redução adicional da perfusão tecidual e mais isquemia!
Isso é particularmente verdadeiro em pacientes cronicamente hipertensos, com a curva de autorregulação de fluxo anômala, sendo incapazes de promover vasodilatação para manter perfusão quando PA = 100 x 60 mmHg.
Por exemplo, devido à hipertrofia compensatória do endotélio, na tentativa de “resistir” ao impacto da pressão cronicamente imposta sobre o vaso.
Basicamente, é uma emergência Hipertensiva caracterizada por alteração da função do Sistema Nervoso Central (SNC) por edema cerebral, uma vez que a auto regulação de fluxo sanguíneo apresenta-se anômala e com nítida dificuldade em lidar com os altos níveis pressóricos.
Esse quadro se instala de modo insidioso, com cefaleia progressiva, náuseas e vômitos, confusão mental e alteração de nível de consciência, podendo evoluir para crise convulsiva e até coma, num paciente que tem elevação franca dos níveis pressóricos.
Não é um diagnóstico simples e direto. Aqui, quero deixar um dos conceitos mais importantes do texto: na presença de um paciente com PAS ≥ 180 e/ou PAD ≥ 120 mmHg e alterações de estado mental, podemos até pensar na Encefalopatia Hipertensiva, mas será um diagnóstico de EXCLUSÃO!
Buscaremos, de imediato, excluir Acidente Vascular Cerebral, seja ele isquêmico ou hemorrágico.
Isso parece óbvio quando pensamos em pacientes com déficits focais súbitos, porém o alerta também vale para condições de rebaixamento de nível de consciência, vômitos e crises convulsivas, configurando um cenário menos “clássico” de AVC, num contexto de hipertensão arterial em pronto-socorro.
Assim, é mandatório realizar TC de crânio para esses pacientes, mesmo com essa sintomatologia meio ‘inespecífica”. Isso porque o tratamento é absolutamente distinto, caso estejamos diante de um paciente com AVCi, AVCh ou Encefalopatia Hipertensiva, no que diz respeito às metas pressóricas e à velocidade para as atingirmos.
Por fim, pode-se dizer que o diagnóstico de Encefalopatia Hipertensiva fica confirmado quase de modo retrospectivo. Explico: nesse cenário, já entendemos a importância da tomografia de crânio.
Se houver suspeita de AVCi, inclusive, utilizaremos as metas pressóricas bastante permissivas, inclusive (reduzir PA para ≤ 220 x 120 se não for candidato a trombólise, ou ≤ 185 x 110 se for candidato a trombólise).
Em se tratando de Encefalopatia Hipertensiva, a resposta às reduções pressóricas feitas com medicação endovenosa é drástica e, nesse caso, constitui importante elemento de reforço a suspeita de EH.
Ou seja, para chegar nesse diagnóstico, somam-se o quadro clínico, a exclusão dos diagnósticos já mencionados e a resposta franca a redução pressórica
Buscamos:
Nos “PS’s” pelo Brasil, temos, classicamente, o nitroprussiato de sódio, que deve ser diluído em 248 mL SG 5%, resultando em solução de 50mg em 250 mL totais (ampola de nitroprussiato geralmente tem 50mg/2mL). A dose é de 0,25 a 10 mcg/Kg/min.
Devemos lembrar que, idealmente, como são utilizadas medicações francamente hipotensoras e estamos diante de pacientes com lesão de órgão-alvo em curso, o tratamento deve ser conduzido em ambiente de terapia intensiva, com pressão arterial invasiva (PAI), para titulação correta da medicação.
A nifedipina sublingual, rotineiramente prescrita nos pronto-socorros, é CONTRAINDICADA em qualquer um dos cenários que apresentamos, seja Pseudocrise, Urgência e mais ainda na Emergência Hipertensiva.
Essa medicação promove queda pressórica importante e imprevisível, com taquicardia rebote e risco de piora da isquemia tecidual iminente ou em curso!
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Bons estudos!
ELLIOT W. J. et al.Moderate to severe hypertensive retinopathy and hypertensive encephalopathy in adults. UpToDate. Literatura válida até Março de 2022. Última edição em 9 de Junho de 2020.
Mineiro de Uberlândia, nascido em 1995, formado pela Universidade Federal de Uberlândia. Residência em Clínica Médica no Hospital de Clínicas da USP de Ribeirão Preto.