O texto de hoje versa sobre os critérios de Rotterdam e sua relação com a síndrome dos ovários policísticos: a famosa SOP! Ela nada mais é do que uma endocrinopatia bastante comum entre as mulheres na idade reprodutiva, descrita inicialmente nas décadas de 80 e 90 por dois colegas médicos: Irving Freiler Stein e Michael Leo Leventhal.
Como o próprio título do artigo sugere, nos próximos parágrafos daremos ênfase para os critérios diagnósticos da síndrome, os conhecidos critérios de Rotterdam, OK? Vamos então juntos entender um pouco mais sobre tal afecção clínica?
Estima-se que a síndrome dos ovários policísticos (SOP) possa atingir entre 6 e 10% da população feminina no mundo. Sua origem é multifatorial e pouco compreendida até o momento. Sabemos que a obesidade e o histórico familiar, no entanto, são fatores de risco clássicos e presentes na grande parte dos casos.
A síndrome dos ovários policísticos deve ser reconhecida como uma condição endócrino-metabólica-reprodutiva. As alterações no ciclo menstrual, com tendência à anovulação crônica, estão entrelaçadas aos achados de microcistos ovarianos, infertilidade, hiperandrogenismo, resistência à insulina, obesidade, síndrome metabólica e maior risco cardiovascular. Complexo, né?
Já notaram que a SOP é uma patologia bastante complexa, não é? Quando chegamos no momento do seu diagnóstico precisamos facilitar o processo e pontuar duas situações principais:
1) Trata-se de uma patologia de diagnóstico de exclusão.
E o que isso significa? Para confirmar o diagnóstico da SOP, outras patologias que podem cursar com hiperandrogenismo e/ou anovulação devem ser descartadas.
São possíveis exemplos: Hiperprolactinemia, disfunções tireoidianas, hiperplasia adrenal congênita, síndrome de Cushing, tumores ovarianos produtores de androgênios, tumores de adrenal e insuficiência ovariana prematura.
2) Diversos critérios estão descritos na literatura para guiar o diagnóstico da SOP. Destacam-se os Critérios da National Institutes of Health (NIH) de 1990 e os Critérios de Rotterdam de 2003.
Teede et al. em 2018, publicaram algumas atualizações nos Critérios de Rotterdam, sendo esse o protocolo mais utilizado para diagnóstico da patologia atualmente.
Chegamos no ponto central desse texto!
O Consenso de Rotterdam foi estabelecido em 2003, através da colaboração entre a Sociedade Europeia de Reprodução Humana e Embriologia (ESHRE) e a Sociedade Americana de Medicina Reprodutiva (ASRM), sendo posteriormente publicado em 2004.
Este artigo traz a base para a avaliação clínica, laboratorial e radiológica da síndrome dos ovários policísticos .
Entenda bem: Os Critérios de Rotterdam ajudaram a unificar a abordagem do diagnóstico da SOP, permitindo maior clareza ao identificar a síndrome, que apresenta diferentes formas de manifestações clínicas.
Assim, o diagnóstico da SOP é feito com base na presença de pelo menos dois dos três critérios a seguir, desde que outras causas de hiperandrogenismo sejam descartadas:
Critérios para Diagnóstico da SOP:
As mulheres com SOP frequentemente apresentam ciclos menstruais irregulares e alongados, com tendência à anovulação, que pode resultar em infertilidade. Lembrando que a SOP é a principal causa de infertilidade por anovulação na população feminina, OK?
O hiperandrogenismo é uma característica comum da SOP, representada pelo aumento nos níveis de andrógenos circulantes no plasma.
Tal achado pode ser detectado por meio de dosagens laboratoriais, como os níveis elevados de testosterona livre e/ou total, ou por sinais clínicos, como acne, hirsutismo (crescimento excessivo de pelos), queda de cabelo e pele oleosa.
O diagnóstico de hirsutismo, mais especificamente, pode ser feito pela avaliação do índice de Ferriman-Galleway. Trata-se de escala utilizada para quantificar a presença de de pelos em áreas androgênio-dependentes.
Nessa escala, são nove áreas avaliadas, sendo que cada uma delas pode somar de 0 a 4 pontos. A pontuação de 0 corresponde à ausência completa de pelos, enquanto o 4 diz respeito ao crescimento acentuado de pelos terminais.
Ficou curioso para saber qual o valor de corte para definir o hiperandrogenismo? Comentaremos sobre isso nas próximas linhas! Tivemos atualizações recentes no valor!
Conforme definido no consenso de 2003-2004, o critério para diagnóstico de ovários policísticos seria a presença de 12 ou mais folículos no ovário, com diâmetro entre 2 a 9 mm, ou um volume ovariano total ≥ 10 cm³.
Desde 2023, aceita-se que esse critério também pode ser fechado a partir da dosagem do hormônio antimulleriano (AMH).
Considera-se que o AMH é a expressão bioquímica dos folículos antrais ovarianos, ou seja, quanto maior a quantidade de folículos nos ovários, maior será o AMH.
Dessa forma, já foi bem demonstrada a relação diretamente proporcional que existe na quantidade de folículos e na dosagem do AMH.
Portanto, uma dosagem elevada deste hormônio também pode ser considerada suficiente para se fechar esse terceiro critério e determinar que os ovários possuem uma morfologia policística.
Em 2018 foi publicado um novo Consenso Internacional sobre a síndrome dos ovários policísticos, apoiado pelas Sociedades Europeia de Reprodução Humana e Embriologia e a Sociedade Americana de Medicina Reprodutiva (ASRM).
Trata-se, na verdade, de pequenas atualizações no Critérios de Rotterdam, considerando os avanços que ocorreram no diagnóstico ultrassonográfico nas últimas décadas.
A partir de então, o critério ultrassonográfico padronizado é a presença de 20 ou mais folículos com diâmetro médio de 2 a 9 mm e/ou volume ovariano total maior ou igual a 10 cm³.
Uma exceção seria a presença de cisto funcional no ovário, que pode prejudicar a avaliação do volume ovariano, sendo indicado repetir o exame no ciclo seguinte.
Pela recomendação da ASRM e ESHRE de 2019, novos valores de corte também foram estabelecidos para o índice de Ferriman-Galleway. É considerado, portanto, como hirsutismo escores com valores de 4 para pacientes orientais e 6 para outras etnias.
Atualmente, também são feitas algumas críticas em relação aos Critérios de Rotterdam.
Não devemos nos esquecer que a SOP é uma patologia com substrato metabólico. Apesar de não fazer parte dos critérios para diagnóstico, a resistência à insulina e a síndrome metabólica devem ser sempre pesquisadas e avaliadas nas pacientes com suspeita da endocrinopatia.
De maneira geral, o tratamento envolve uma abordagem multidisciplinar e multifacetada, variando de acordo com as necessidades e os sintomas de cada paciente.
São diferentes possibilidades: controle do ciclo menstrual, melhora da resistência à insulina, controle dos sinais de hiperadrongesnimo e melhoria da fertilidade com indução à ovulação.
Com tudo isso, também estaremos prevenindo complicações da SOP, especialmente as metabólicas e cardiovasculares.
Deu para notar que a síndrome dos ovários policísticos é uma patologia bastante desafiadora, ne? Tanto para diagnóstico, como para o tratamento.
Aqui, tivemos a intenção de revisar os principais critérios para diagnóstico dessa condição clínica. Com certeza, teremos outras oportunidades para conversar sobre manifestações clínicas e tratamentos personalizados.
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Seguimos juntos! Até a próxima!
Ministério da Saúde. Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas: Síndrome dos ovários policísticos Brasília: Ministério da Saúde; 2019.
Rosa-e-Silva AC. Conceito, epidemiologia e fisiopatologia aplicada à prática clínica. In: Síndrome dos ovários policísticos. São Paulo: Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo); 2018. Cap. 1. p. 1-15. (Série Orientações e Recomendações Febrasgo, nº 4, Comissão Nacional de Ginecologia Endócrina).
Rotterdam ESHRE/ASRM-Sponsored PCOS consensus workshop group. Revised 2003 consensus on diagnostic criteria and longterm health risks related to polycystic ovary syndrome (PCOS). Hum Reprod. 2004;19(1):41-7.
Teede HJ, Misso mL, Costello MF, Dokras A, Laven J, Moran L, et al.; International PCOS Network. Recommendations from the international evidence-based guideline for the assessment and management of polycystic ovary syndrome. Hum Reprod. 2018 Jul 19. doi: 10.1093/humrep/dey256.
Nascida em Morungaba, interior do estado de São Paulo, em 1994. Formada em Medicina pela Universidade São Francisco em 2018. Residência em Ginecologia e Obstetrícia na Escola Paulista de Medicina - Unifesp. "A persistência é o caminho do êxito".