Desde os primeiros atendimentos no internato, você com certeza já prescreveu diversos sintomáticos para dezenas de crises de enxaqueca no PS. Você também já sabe que há várias classes de medicações disponíveis e eficazes para tratamento da crise aguda de enxaqueca, desde analgésicos simples (dipirona, paracetamol) a medicações específicas para enxaqueca (triptanos).
Talvez você já tenha um conjunto de medicações possivelmente eficazes gravados na sua cabeça, mas você sabe escolher quais são as mais adequadas para começar a tratar a crise? Qual a ordem delas? Para quais pacientes oferecê-las? E se não houve melhora suficiente, qual o próximo passo? Será que prescreveu da maneira correta? Sabe fazer as devidas orientações na alta?
Não importa se você é recém-formado, clínico geral ou tem alguma especialidade… você vai atender enxaqueca algumas vezes ao longo da sua carreira. Por isso, vale a pena aliviar a dor do seu paciente e depois encaminhar para o Neurologista, se necessário. Ou seja, se você souber fazer o tratamento da crise aguda de enxaqueca adequadamente, já é meio caminho andado.
Se ainda tem dúvida sobre o tratamento da crise aguda de enxaqueca no PS, esse artigo foi feito pra você!
As crises de enxaqueca são caracterizadas por dor hemicraniana pulsátil associada a náuseas, vômitos, foto e fonofobia, podendo ser limitantes e piorar com atividades habituais. Esses sintomas podem se combinar de diferentes maneiras, e é por isso que há os critérios de enxaqueca, que podem te ajudar muito, especialmente no PS. Falamos desses critérios no nosso post sobre cefaleias na emergência, então dá uma passada lá pra refrescar a memória!
As crises de enxaqueca podem ser limitantes e, além disso, refratárias às medicações por via oral, fazendo com que os pacientes procurem o PS para alívio sintomático. Ou seja, são dois perfis de crise de enxaqueca e, por isso o primeiro passo é definir se:
1. É uma crise leve/moderada sem vômitos e sem náuseas intensas?
2. É uma crise moderada/intensa sem vômitos e sem náuseas intensas?
3. É uma crise aguda, com náuseas intensas ou vômitos, daquelas que não respondem às medicações pela via oral?
Para pacientes com dor leve a moderada e que não estejam com náuseas intensas ou vômitos, a via oral pode ser a opção mais adequada. Seguem os principais representantes pela via oral, que podem ser utilizados de forma isolada ou combinada:
Por que utilizá-los se temos medicações antienxaquecosas específicas? Por vários motivos: são efetivos para vários pacientes, são mais baratos, amplamente disponíveis e com menor risco de efeitos colaterais quando comparados às terapias antimigranosas específicas.
Para pacientes com crises moderadas a graves sem náuseas intensas ou vômitos, a via oral ainda é a melhor opção. Nesses casos, a escolha são os antimigranosos específicos. Seguem quais são:
Observações importantes sobre triptanos:
1. Eles devem ser utilizados NO INÍCIO da crise de enxaqueca (ou seja, não espere a crise ficar intensa para administrá-lo);
2. A dose pode ser repetida posteriormente se não houver melhora da crise (após 2h para Sumatriptano e Rizatriptano, após 4h para Naratriptano);
3. São contraindicados em pacientes com alto risco cardiovascular (ou seja, se história de AVC, doença arterial coronariana, HAS descontrolada, etc) e gestantes;
4. Não devem ser utilizados dentro de 24h do uso de ergotamínicos;
5. Não devem ser utilizados em pacientes que usam inibidores da monoaminoxidase (IMAOs).
Pacientes com náuseas intensas ou refratariedade às medicações pela via oral geralmente procuram o PS para receber tratamento da crise aguda de enxaqueca pela via subcutânea (SC) ou endovenosa (EV). Seguem as opções:
Vale ressaltar: muitas pessoas não prescrevem os anti-eméticos pela via EV pelo receio dos seus efeitos colaterais (acatisia, reações distônicas agudas, etc); porém, especialmente se o paciente já fez uso, o benefício tende a ser maior que os riscos. Caso você esteja atendendo esse paciente no PS e opte por prescrever por via endovenosa, você pode associar a Difenidramina 12,5 a 25mg EV para prevenção desses efeitos colaterais.
A resposta prévia às medicações administradas nas crises anteriores é um fator fundamental para decidir como você vai fazer o tratamento da crise aguda de enxaqueca, então sempre leve isso em consideração! Quanto antes administrarmos medicações eficazes numa crise de enxaqueca, maiores a chances de abortá-la!
Essa é uma dúvida muito frequente, porque não é raro encontrar por aí crises de enxaqueca que não melhoram com as medicações de primeira linha. Uma opção interessante é um antiemético chamado Clorpromazina, na dose de 0,1 a 0,2 mg/kg via EV (ou seja, é uma dose baixa para uma pessoa de 60kgs. A dose inicial é de 6 a 12 mg – a ampola geralmente é de 25mg, então você dilui ¼ a ½ da ampola [6,25 a 12,5mg] em SF 0,9% 250mL e infunde lentamente).
Seus efeitos adversos mais comuns são hipotensão e tontura, e é por isso que os pacientes devem ser pré-hidratados (com SF 0,9% 500 a 1000mL EV) e monitorados durante a infusão (deitados na maca com cardioscopia e aferição de PA), que deve ser lenta (ao longo de 40min a 1h). A Clorpromazina também traz um risco de acatisia e reações distônicas agudas. Portanto, aqui também vale administrar Difenidramina para prevenção desses efeitos colaterais.
Se ainda assim a crise não melhorou… opa! Então é hora de pensar em diagnósticos diferenciais. Será que não se trata de uma cefaleia secundária? Pense: será que pode ser a apresentação de uma TVC? Uma HSA? Dissecção arterial? Nesse ponto vale reavaliar a anamnese e o exame neurológico buscando por red flags. Se não sabe como tirar a história de dores de cabeça no PS e não sabe quais são os red flags para cefaleias secundárias, recomendamos que dê uma olhada no nosso post que trata de todas as red flags das cefaleias!!
“Mas… cadê a Dexametasona???”, alguns de vocês devem ter pensado. Vale lembrar que a Dexametasona deve ser adicionada ao esquema parenteral com o seguinte objetivo: prevenir a recorrência da dor nos primeiros dias, e objetivo nesse caso não é o alívio de dor. A dose de Dexametasona é de 10mg por via EV.
“E cadê os opioides? Como assim não encontrei o Tramadol e a Morfina aqui?!”. É isso mesmo meus caros, o uso de opióides NÃO é recomendado para alívio sintomático de enxaqueca. E por vários motivos, sendo que o principal é que eles não são efetivos no tratamento da crise aguda de enxaqueca, diferente de todas as medicações listadas acima.
E pior! Os opioides aumentam o risco de “transformação” da enxaqueca, ou seja, de passar de uma enxaqueca episódica para enxaqueca crônica. Além disso, traz risco de dependência, intoxacação, tolerância, abuso e de cefaleia por abuso de analgésicos. Acho que te convenci a não usar mais opioides para enxaqueca, né?!
Depois de ler tudo isso, muitos de vocês devem estar pensando exatamente isso. Então segue abaixo um exemplo de como eu faço na prática.
Vou passar um “bizu” pra sua prática, mas preste atenção: cada paciente é único, tem suas comorbidades e possíveis contraindicações a todas as medicações descritas nesse texto. Esses fatores sempre devem ser avaliados rigorosamente antes de ter essa lista como “receita de bolo”.
Segue um modo prático de prescrição para o tratamento da crise aguda de enxaqueca no PS. Geralmente começo com as seguintes medicações (salvo contraindicações):
1. Dipirona 1 a 2g EV
2. AINE EV (a que você tiver disponível)
3. Metoclopramida 10mg EV
4. Dexametasona 10mg EV
5. SF 0,9% 500 a 1000mL EV
6. Clopromazina 6,25 a 12,5mg + SF 0,9% 250mL à infundir em 40min com o paciente sob monitorização pelo risco de hipotensão (após item 5)
7. Pense em diagnósticos diferenciais e investigue adequadamente
8. Solicite avaliação de um Neurologista
9. AINE VO por 3 dias (o de sua escolha; exemplo: Naproxeno 500mg 2xd por 3 dias) – Obs: oriente o paciente a tomar de horário (mesmo que não tenha dor)
10. Metoclopramida 10mg VO até de 8/8h se nauseas e/ou vômitos
11. Oriente sinais de alarme para retorno ao PS
12. Vai depender de como é a crise do paciente. Se geralmente as crises respondem bem a analgésicos comuns ou AINEs, prescreva-os e oriente o paciente a tomá-los no início de novas crises. Se não, os triptanos são uma boa escolha, por exemplo: Sumatriptano 100mg VO no início das crises, podendo repetir em 2h nova dose de 100mg VO caso não haja melhora (dose máximo diária é de 200mg).
13. Em geral, caso haja indicação, encaminhe esse paciente para uma consulta mais abrangente, ambulatorial, para a escolha do melhor profilático. Há diversas opções disponíveis e a melhor escolha varia muito dependendo das características do indivíduo.
14. Sempre oriente muito bem o seu paciente quanto à doença!
Agora você não vai ter mais dúvida sobre como tratar de forma adequada essa enfermidade. Espero que tenham gostado! Quer saber mais sobre cefaleia? Clica nos links abaixo.
Aliás, se você ainda não domina o plantão de pronto-socorro 100%, fica aqui mais uma sugestão: temos um material que pode te ajudar com isso, que é o nosso Guia de Prescrições. Com ele, você vai estar muito mais preparado para atuar em qualquer sala de emergência do Brasil.
Pra quem quer acumular mais conhecimento ainda sobre a área, o PSMedway, nosso curso de Medicina de Emergência, pode ser uma boa opção. Lá, vamos te mostrar exatamente como é a atuação médica dentro da Sala de Emergência!
Abraço e até mais!
Paranaense nascido em 1990. Formado pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR) de Curitiba em 2014. Residência em Neurologia pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Palo (HCFM-USP), concluída em 2019. No HCFM-USP, experiência como preceptor dos residentes entre 2019-2020. Concluiu um fellowship em Neuroimunologia em 2021. Experiência como médico assistente do departamento de Neuropsiquiatria do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná (HC-UFPR). "As doenças são da antiguidade e nada se altera sobre elas. Somos nós que mudamos na medida em que estudamos e aprendemos a reconhecer o que antes era imperceptível."
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