O tema do dia é epilepsia no ciclo gravídico-puerperal. Parece ser um assunto bem específico, não é mesmo? Mas não se assuste! Vamos juntos pontuar os principais tópicos sobre essa condição clínica que representa a doença neurológica mais comum associada à gravidez. Acompanhe!
A epilepsia pode ser caracterizada como um distúrbio neurológico capaz de predispor a crises epilépticas recorrentes e seu diagnóstico é baseado nos achados encefalográficos. Múltiplas formas de apresentação clínica estão descritas na literatura e os sintomas podem variar desde crises de ausência até as clássicas crises convulsivas tônico-clônicas.
A etiologia da epilepsia é bastante variada. Podemos citar como exemplos as idiopáticas e também aquelas secundárias a tumores ou doenças congênitas. Crises provocadas por febre, agressões agudas ao sistema nervoso central e distúrbios metabólicos não devem ser consideradas como epilepsia.
Essa patologia acomete cerca de 1% da população mundial e representa a doença neurológica mais frequente no mundo, sendo comum em mulheres na idade fértil. Não é de se estranhar que, em algum momento, uma paciente epiléptica possa engravidar, não é mesmo? Assim, saber as particularidades dessa condição clínica no ciclo gravídico-puerperal é de fundamental importância para o médico que irá prestar atendimento a essa paciente.
Vale ressaltar que a epilepsia na gravidez deve ser entendida como uma via de mão dupla! Tentando deixar mais claro: entenda que as doenças neurológicas – no caso, a epilepsia – podem interferir no curso da gestação e influenciar negativamente o resultado perinatal. Por outro lado, é válido afirmar que a gravidez, em consequência das modificações fisiológicas que ocorrem no organismo materno, também pode impactar na história natural da doença neurológica. Uma situação é capaz de influenciar a outra, percebeu?
Dentre os principais fatores envolvidos na relação epilepsia-gestação, podemos citar dois principais: a condição clínica da paciente e o tratamento. Sobre a condição clínica, devemos considerar se a doença está controlada ou descontrolada e se a paciente apresenta alguma outra comorbidade. Em relação ao segundo fator a ser considerado, o tratamento, devemos questionar se a gestante faz uso de medicamentos e se apresenta boa aderência terapêutica. Tudo bem até aqui?
Vamos agora entender melhor a associação fisiopatológica entre a epilepsia e a gestação?
A crise epiléptica é considerada um distúrbio no sistema nervoso central, que resulta em uma descarga neuronal anormal. Alguns estudos sugerem que os hormônios da gestação, em especial o estrogênio, podem reduzir o limiar convulsivo e aumentar a excitabilidade neuronal, predispondo ao surgimento de novas crises. Entretanto, pesquisas recentes em animais evidenciaram dados conflitantes e novos estudos são necessários para esclarecimento da fisiopatologia.
Além disso, durante a gestação, os níveis séricos de anticonvulsivantes podem estar reduzidos, e isso pode justificar o desenvolvimento de novas crises na gestação. Diversas causas são descritas para justificar essa alteração, sendo que as principais estão citadas abaixo:
Como já citamos acima, a epilepsia durante o ciclo gravídico-puerperal está associada a uma série de resultados perinatais adversos. Essa condição clínica pode afetar o desenvolvimento fetal, o curso da gestação e o parto.
Podemos diferenciar as complicações em maternas e fetais. A tabela apresentada abaixo resume esses desfechos desfavoráveis.
Maternas | pré-eclâmpsia |
trabalho de parto prematuro | |
sangramentos obstétricos | |
aborto | |
descolamento prematuro de placenta | |
mortalidade materna | |
Fetais | restrição do crescimento fetal |
prematuridade | |
óbito fetal |
Dentre as complicações maternas, podemos citar a maior incidência de pré-eclâmpsia, trabalho de parto prematuro, sangramentos obstétricos durante a gestação, aborto, descolamento prematuro da placenta e até mesmo maior taxa de mortalidade materna. Já com relação às complicações fetais, vale destacar a restrição do crescimento fetal, a prematuridade e a morte fetal.
O risco de morte materna em pacientes com epilepsia chega a ser 10 vezes maior do que nas gestantes de baixo risco. Em relação ao óbito fetal, por sua vez, vale acrescentar que raramente ele está associado a um evento convulsivo único. As crises epilépticas de repetição, por outro lado, constituem um risco imediato para o binômio materno-fetal.
Depois de apresentar as complicações relacionadas à epilepsia na gestação, você deve estar se perguntando qual a melhor forma de evitar tais desfechos adversos. A resposta é simples: avaliação pré-concepcional! O ideal é que a paciente portadora de epilepsia seja avaliada pelo obstetra e neurologista antes de engravidar.
Pacientes epilépticas e sem desejo reprodutivo devem ser orientadas quanto ao uso de métodos contraceptivos eficazes. E não se esqueça de que alguns anticonvulsivantes podem interferir na eficácia de alguns contraceptivos.
Por exemplo, a carbamazepina, oxicarbamazepina, fenitoína, fenobarbital e topiramato são indutores fortes da enzima CYP3A4 e competem com o etinilestradiol no metabolismo, o que leva a uma redução do efeito tanto do anticoncepcional quanto do anticonvulsivante.
Como a progesterona oral também é metabolizada por essa mesma enzima, há uma contraindicação ao uso de qualquer método oral ou que contenha etinilestradiol. Portanto, nos restam os DIUs, o Implanon e os injetáveis mensais (valerato de estradiol + noretisterona) ou trimestrais.
Os objetivos centrais da avaliação pré-concepcional são:
O controle das crises convulsivas é fator que interfere diretamente no prognóstico. Pacientes que estão livres de crises convulsivas há pelo menos um ano, por exemplo, apresentam menor risco de desenvolver crises na gestação.
O uso de anticonvulsivantes na gestação é um assunto bastante polêmico. Seus efeitos colaterais, em especial o risco de teratogenicidade, são bastante temidos. Alguns desses medicamentos podem reduzir a absorção do ácido fólico e por isso recomenda-se a suplementação do composto na dose de 5 mg ao dia durante toda a gestação. Mais detalhes sobre esses medicamentos serão fornecidos em uma próxima oportunidade – segura a ansiedade!
A pesquisa de malformações fetais deve ser realizada através do ultrassom morfológico de segundo trimestre, entre 20 e 24 semanas de idade gestacional. Também são recomendados exames específicos (perfil biofísico fetal e ultrassom doppler obstétrico) para controle de vitalidade fetal durante o seguimento de pré-natal.
Em relação ao trabalho de parto e via de parto, ressalta-se que essas pacientes devem ser constantemente avaliadas. Métodos farmacológicos para alívio da dor devem ser oferecidos de forma rotineira. A via de parto é de indicação obstétrica.
Em relação ao aleitamento materno, este deve ser estimulado. Acredita-se que a concentração de anticonvulsivantes no leite materno seja pequena e que os benefícios superem os riscos.
Acho que deu para entender a importância do assunto, não é mesmo? A epilepsia não é uma condição clínica que contraindica a gestação. Na maioria dos casos, o binômio materno-fetal apresentará bons resultados perinatais. Mas não podemos vacilar. Uma assistência médica cuidadosa é indispensável!
Então, vamos resumir o ponto principal: as pacientes gestantes portadoras de epilepsia devem ser mantidas sem crises convulsivas e, concomitantemente, os efeitos adversos dos anticonvulsivantes devem ser evitados.
Só não se esqueça de um detalhe: diante de uma gestante (após a segunda metade da gestação) com crise convulsiva, o diagnóstico de eclâmpsia deve ser sempre considerado! Aproveite para revisar esse tema tão importante através de outro artigo disponibilizado em nosso blog. Ah, e fica a dica de também revisar o manejo das crises convulsivas agudas em PS.
Ainda tem dúvidas em relação às medicações a serem usadas no pronto-socorro para crises convulsivas ou outras situações comuns na emergência? Não deixe de conferir o Guia de Prescrições da Medway, que vai te auxiliar nos plantões.
Nascido em 1993, em Maringá, se formou em Medicina pela UEM (Universidade Estadual de Maringá). Residência em Medicina de Emergência pelo Hospital Israelita Albert Einstein.