Fala, galera! Tudo certo? Hoje trouxemos para discussão um tema que tenho certeza que já te deixou apavorado no plantão, e a primeira mensagem que se deve levar deste texto é: qualquer quadro estranho, sem explicação clara e de início agudo, deve te fazer ao menos cogitar a presença de intoxicações exógenas! Mas isso não é motivo para desespero! Vamos tentar encaixar as várias manifestações clínicas em padrões que vão facilitar nossa abordagem.
As intoxicações exógenas mais graves estão associadas, geralmente, às tentativas de suicídio, uso de drogas ilícitas e ingestão de altas doses de medicação, na busca por efeito mais rápido, especialmente quando comorbidades estão presentes. Não se esqueça que condições graves, como infarto agudo do miocárdio, traumatismo crânio encefálico e acidente vascular cerebral podem coexistir ou serem precipitados pelo envenenamento.
Uma forma interessante de sistematizar a abordagem nestes casos é dividi-la em três passos:
Etapa essencial, constituindo nosso ponto de partida, é a avaliação inicial do paciente, com foco nos três grandes sistemas que demandam pronta atenção: respiratório, cardiovascular e neurológico. É evidente que, se estamos diante de um paciente arresponsivo, a checagem de pulso central é mandatória: sem pulso? É uma PCR, meus amigos! E sei que conhecem bem esse fluxograma de atendimento.
No paciente com pulso, aplique a conhecida, porém negligenciada, abordagem do paciente grave na emergência: ABCDE. Busca-se avaliar perviedade de vias aéreas, o padrão respiratório, sinais vitais e dados sobre a circulação e perfusão tecidual, bem como estado neurológico, de forma resumida. Neste momento, o objetivo é dar suporte para manter a vida do indivíduo! Nunca é demais relembrar que no paciente com alterações neurológicas agudas, glicemia capilar é obrigatória.
Em segundo momento, mas sem atraso, já pensando nas diversas intoxicações exógenas, foque em detalhes que podem fazer a diferença, pois a identificação de uma toxíndrome específica permite direcionar bastante o raciocínio, o que facilita a sua abordagem e permite um melhor desfecho ao nosso paciente. Claro que nem sempre essa individualização sindrômica é simples, mas se você padroniza uma forma de buscar as pistas certas, estará mais próximo de uma conclusão importante. Sigam-me!
Taquicardia, hipertensão, ansiedade, midríase e sudorese. Lembre-se que uma coronária já “baleada” pode ter, neste tipo de intoxicação, o gatilho ideal para uma isquemia miocárdica. As drogas mais comumente envolvidas são: anfetaminas, cocaína, hormônios tireoidianos (atenção às fórmulas manipuladas!) e derivados do ergô. Uma particularidade com relação às anfetaminas é a grande ingesta hídrica, comum em usuários de ecstasy.
“Ah, mas não me ajudou em nada esta síndrome, vários tipos de intoxicações exógenas podem gerar uma ativação adrenérgica”. Concordo! Mas é na análise comparativa que essa divisão ganha força!
“Então é uma síndrome de hiperadrenergismo outra vez?”
Há semelhanças, como a taquicardia, agitação e confusão mental, além de midríase. Porém, seja detalhista: aqui, há retenção urinária, ruídos hidroaéreos diminuídos. A pele seca, na tentativa de perder calor “sem poder transpirar”, acaba por sofrer vasodilatação, ficando quente e vermelha. O paciente tem o componente de ativação adrenérgica somado ao bloqueio colinérgico, numa espécie de “síndrome seca”! As substâncias principais deste grupo são: tricíclicos, anti-histamínicos, antiparksonianos, fenotiazinas (clorpromazina).
Partindo para a síndrome serotoninérgica, pode-se pensar: “ah, mais uma que aumenta pressão e frequência cardíaca?” Sim! Porém, atenção às minúcias: hiperreflexia, clonia induzida ou espontânea (especialmente em músculos de membros inferiores), movimento clônico ocular, hipertemia e rigidez. Os ISRS (bastante seguros quando em monoterapia) principalmente se combinados com os IMAOS, além da meperidina e antidepressivos tricíclicos são as medicações mais incriminadas.
Aqui, temos manifestações mais marcantes! Trata-se da “síndrome molhada”! Com o sistema colinérgico a todo vapor (“relaxar e digerir”!), temos bradicardia, miose, salivação intensa, rino e broncorreia, diarreia, lacrimejamento e sudorese (por bloqueio muscuarínico), bem como fasciculações e fraqueza (por bloqueio nicotínico). Está classicamente relacionada às intoxicações por carbamatos e organofosforados (pesticidas até hoje bastante utilizados) e, menos comumente, com o uso de anticolinesterásicos, como a fisostigmina.
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Voltando ao assunto, buscando outro extremo de manifestações, vamos para as intoxicações exógenas com hipoatividade: mais uma vez, uma síndrome meio inespecífica. Concordo! Mas, por comparação, já se diferencia, logo de cara, das três primeiras, marcadas por agitação e um sistema adrenérgico ativado!
Aqui, o paciente está lentificado, bradipneico, com rebaixamento de nível de consciência e, em casos mais graves, fazendo retenção importante de CO2, insuficiência respiratória, até chegar ao coma e ao óbito. Dentro deste grupo, a filigrana te ajuda novamente: se houver miose (a clássica porém não obrigatória, miose puntiforme), opióides devem ser lembrados! Caso não haja miose, as intoxicações por benzodiazepínicos ganham força, assim como a libação alcóolica e o excesso de anticonvulsivantes.
Devemos lembrar ainda da “síndrome asfíxica”: pacientes que se apresentem com taquipneia, dispneia, confusão mental e cefaleia intensa (apesar de inespecífica é comumente descrita), devem ser prontamente investigados quanto à exposição ao fogo.
Claro que esta informação chega, geralmente, de imediato, junto ao paciente, mas nunca é demais lembrar que combustão libera monóxido de carbono e a queima de certos materiais presentes nas nossas casas pode gerar também cianeto (plásticos e borracha sintética, por exemplo) e a inalação destes gases, neste cenário, justificariam as manifestações. Em intoxicações mais graves, depressão respiratória marcante, edema cerebral com papiledema à fundoscopia, edema agudo de pulmão e coma podem estar presentes.
Embora menos frequentes, as intoxicações exógenas por LSD (ácido lisérgico) também têm sinais e sintomas comuns às várias toxindromes, como taquicardia, hipertensão e midríase. Porém, mais uma vez, buscando o “pulo do gato” podemos citar os sintomas dissociativos como alucinações, especialmente as visuais, auditivas e as sinestesias (experiência de uma mistura das várias modalidades sensitivas – paladar, olfato, tato, audição e visão).
Como é possível perceber, o direcionamento e a busca por “sintomas-chave” ditam sua abordagem em casos de intoxicações exógenas. Tente estabelecer a lógica para procurá-los da forma que fizer mais sentido para você.
Vale lembrar, rapidamente, das manifestações por descontinuação de sedativos, como os benzodiazepínicos! De modo simplificado, a ação GABAérgica inibitória desta medicação, em especial, causa depressão do SNC. Enquanto está em uso, o indivíduo sofre uma espécie de adaptação, com ativação do SNC na tentativa de “vencer” o efeito da droga. Ao suspender de forma abrupta, toda essa “hiperativação compensatória” fica livre para promover estimulação neuronal, o que leva a graus variáveis de agitação, taquicardia, hipertensão e hipertermia.
Para fecharmos os “padrões de manifestação” e, deixando os quadros neurológicos pra trás, temos os sangramentos provocados por ingestão de substâncias, com amplo destaque para os antagonistas de vitamina K. A história costuma ser clássica: pacientes com alguma indicação de anticoagulação, como a fibrilação atrial, em uso de warfarin e em acompanhamento do RNI (acredite, esse seguimento não é simples) dão entrada nas Unidades de Emergências com sangramentos dos mais diversos.
A hemorragia pode ocorrer em sítios “menos ameaçadores”, como pele e mucosas, porém pode ser grave quando de grande monta e, principalmente, se acontece em locais de grande repercussão clínica, como sistema nervoso central e trato gastrointestinal. Atenção para o fato de que tanto a ação do anticoagulante quanto a de seu antídoto, a vitamina K, não são imediatas: basta lembrarmos que a anticoagulação inicial com warfarin costuma ser acompanhada, incialmente, pelo uso de heparina, até que o RNI atinja o alvo (lembrou do efeito pró-coagulante inicial dos antagonistas de vitamina K?). Chega de Hemato!
Pra ficar bem claro nosso passo a passo diante da suspeita de intoxicações exógenas, vamos montar um breve resumo: fazemos a avaliação inicial e o suporte à vida, buscamos identificar a síndrome que mais se aproxima com o quadro clínico visto. A partir desse momento, podemos questionar o paciente ou o familiar de modo muito mais assertivo e direcionado, na tentativa de identificar a substância envolvida: não vai aventar como hipótese principal a intoxicação por carbamatos em um indivíduo com pele e mucosas secas, da mesma forma que o uso abusivo de opióide não deve ser a causa determinante de síndrome em que se vê midríase e agitação.
Entendeu a importância desse raciocínio?
E, como terceiro e último passo, a avaliação por exames complementares tem seu espaço: gasometrias que evidenciem acidose metabólica grave e persistente podem te direcionar para intoxicações por salicilatos, formaldeído, etilenoglicol e até ácido valproico.
Lembrando que após iniciar o manejo do paciente a gasometria venosa deve ser coletada a cada 2 horas juntamente com a dosagem sérica de potássio, e a glicemia capilar realizado de 1 em 1 hora.
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Da mesma forma, um Gap osmolar > 10, que nada mais é que a diferença entre as osmolalidades medida e a calculada por fórmula, também indica que há uma substância que não está inclusa no cálculo e deve ser a causa da intoxicação, como ocorre com o metanol, álcool etílico, etilenoglicol, acetonas, dentre outros.
Entretanto, não delegue o trabalho de identificação da substância somente ao laboratório! Várias delas não são mensuráveis e sempre há sobreposição de achados laboratoriais. Percebeu? Claro que dosagens quali e quantitativas têm utilidade, especialmente em casos de uso de múltiplas substâncias, tentativas de suicídio ou em incompatibilidade do agente suspeito com o quadro clínico. Porém, na maioria das vezes, será possível um direcionamento pela história clínica e sintomatologia. A partir daí, o exame complementa teu raciocínio!
Quando houver, use o antídoto, respeitando contraindicações, e sempre oferte suporte clínico ao paciente na emergência.
Pode-se, ainda, tentar promover maior eliminação, alcalinizando a urina, por exemplo, ou diminuir a absorção do tóxico com lavagem gástrica ou carvão ativado, especialmente nas intoxicações com menos de uma hora da ingesta, porém é preciso individualizar esta abordagem, baseado na substância suspeita (algumas, inclusive, contraindicam essas medidas) e no nível de consciência do paciente.
Exemplificando: não faça lavagem gástrica em paciente rebaixado antes de proteger sua via aérea, nem naqueles que ingeriram substâncias químicas corrosivas, combinado? Da mesma forma, o carvão ativado pode ser inútil em algumas intoxicações exógenas, como as por metanol ou etilenoglicol, porque simplesmente não adsorve tais compostos, fechou?
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Forte abraço e até mais!
Mineiro de Uberlândia, nascido em 1995, formado pela Universidade Federal de Uberlândia. Residência em Clínica Médica no Hospital de Clínicas da USP de Ribeirão Preto.
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