Oi oi gente! Como vai do lado daí? Me trouxeram hoje com uma missão: desmistificar a gasometria arterial. Muitos acadêmicos, e até mesmo médicos, se assustam na hora de lidar com uma. E tudo bem, dá para entender o susto. A gasometria arterial é mesmo um monstrinho dos exames laboratoriais. Mas sabe qual é o grande segredo das coisas que parecem assustadoras? É aprender a lidar com elas. Então “missão dada é missão cumprida”!
Fechou, partiu?!
Dentro da medicina existem diversos momentos onde uma gasometria arterial é de extrema utilidade. UTI, PS, ambulatório, são exemplos de locais onde esse exame é muito importante e ainda nos mostram a versatilidade no uso da gasometria arterial. E por que é importante saber disso? Porque aqui está a primeira mensagem desta missão: você precisa conhecer seu paciente e saber exatamente o motivo de estar pedindo uma gasometria arterial para ele. E para começar, nada melhor que se familiarizar com os significados e valores de referência dos principais parâmetros da gaso, visto na tabela.
pH | identifica acidez do sangue | 7,35 – 7,45 |
HCO3– | substância tampão que mantém o pH sérico | 22 – 26 mEq/L |
pO2 | avalia troca gasosa e oxigenação sanguínea | 80 – 100 mmHg |
pCO2 | avalia a ventilação alveolar | 35 – 45 mmHg |
SatO2 | saturação do oxigênio no sangue | 90 – 100% |
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De volta às explicações, quando o gasômetro faz a análise do sangue coletado, ele pode fornecer diversos parâmetros: pH, pO2, pCO2 , HCO3–, lactato, eletrólitos, SatO2, base excess, etc. Mas por que eu pedi essa gaso? É de fundamental importância que você saiba que a gasometria arterial é importante para fazermos a análise do pO2, pCO2, SatO2 e do lactato. Quaisquer outros parâmetros que você queira analisar podem (e muitas vezes devem) ser vistos em uma gasometria venosa, por exemplo. E qual a diferença? A dor! Você já precisou que coletassem de você uma gasometria arterial? Eu já! E dói muito! Por outro lado, a punção venosa já é bem mais tranquila.
Papo reto:
Então, a menos que o objetivo seja causar dor desnecessária ao paciente, você irá solicitar gasometria arterial somente quando quiser analisar os componentes citados acima.
Agora que você conhece seu paciente, sabe bem o porquê de estar pedindo uma gasometria arterial e o que você quer analisar com ela, vamos partir para a próxima etapa: entender como interpretar o resultado. Aqui nós iremos focar na interpretação da gaso para casos de distúrbios ácido-base. Para esse tipo de interpretação voltamos nossa atenção a três elementos principais: pH, pCO2 e o HCO3–. Detalhe: você só solicita gasometria arterial para análise de distúrbios ácido-base porque pCO2 é um parâmetro respiratório muito importante para o raciocínio.
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A primeira coisa que você fará ao pegar o resultado de uma gasometria na mão é olhar o pH. Como já vimos, ele deve estar entre 7,35 e 7,45. Valores abaixo desse intervalo indicam um sangue mais ácido; uma acidose. Por sua vez, valores acima desse intervalo indicam um um sangue mais básico e consequentemente uma alcalose. A segunda coisa será olhar o valor de pCO2 e de HCO3– para definir se é de origem metabólica ou respiratória, conforme mostra a tabela abaixo.
Distúrbio | pH | pCO2 | HCO3– |
Acidose respiratória | ⇩ | ⇧ | N |
Acidose metabólica | ⇩ | N | ⇩ |
Alcalose respiratória | ⇧ | ⇩ | N |
Alcalose metabólica | ⇧ | N | ⇧ |
Claramente não, caso contrário a gasometria arterial não seria um monstro de muitas cabeças. Você que já se pegou analisando uma gaso sabe muito bem que existem outras variações destes mesmos parâmetros e que não estão contempladas na tabela. E os casos em que o pH é normal mas o pCO2 e HCO3– estão alterados? E os casos em que todos estão alterados? Pois então, aqui entra a parte da interpretação. É aqui que a gente começa a separar o joio do trigo e você começa a se diferenciar dos demais. Você não irá apenas correlacionar valores em uma tabela, mas sim interpretar o conjunto da obra junto com seu raciocínio fisiopatológico.
O nosso corpo está em constante homeostase. Sempre que algo interfere nesse equilíbrio é natural que haja algum tipo de compensação. Quando falamos dos distúrbios ácido-base estamos falando de uma homeostase de pulmão e rim. Quando o pH sanguíneo sai do seu intervalo de normalidade pela descompensação de um é natural que o organismo use o outro para compensar.
A equação de Henderson-Hasselbalch nos ajuda a entender um pouco melhor o equilíbrio ácido-básico:
[H+] + [HCO3– ] ⇔ H2CO3 ⇔ CO2 + H2O
Através dela a gente percebe que o lado esquerdo é a parte metabólica exercida pelos rins, sendo o HCO3– uma base, e o lado direito é a parte respiratória feita pelos pulmões, onde CO2 é um ácido. Então, qualquer alteração de um lado da equação vai repercutir do outro lado através de uma compensação. Vale frisar que compensações feitas pelo pulmão tendem a ser rápidas, enquanto o rim pode levar até dias para compensar o desequilíbrio. E assim funciona o sistema tampão bicarbonato-dióxido de carbono como o pilar central de equilíbrio do pH sérico.
Até agora nós já demos valorosos passos rumo a nossa missão. Já sabemos inclusive definir o tipo de distúrbio ocorrido quando temos alteração de pH com um dos parâmetros normais e o outro alterado. Mas e se pH, pCO2 e HCO3– vierem alterados? Afinal, se o corpo busca uma compensação, é normal que eles assim o venham. Então faremos uso de uma ferramenta importantíssima agora: nosso raciocínio.
Vamos supor que você está lá no seu plantão do PS, chega um paciente grave, o Sr. Eustáquio, e você pede uma gaso.
O passo 0 você já deu (assim eu espero): conheceu seu paciente e julgou importante solicitar a gaso. Chega o resultado e você dá o primeiro passo que é? Olhar o pH. 7,25. E o próximo? Olhar pCO2 e HCO3–. pCO2 está 25 e HCO3– é 15. Opa, está tudo alterado. E agora? Bom, agora a gente raciocina.
O pH está baixo, logo temos uma acidose. Se o pH está diminuído ele está mais ácido. E qual dos dois parâmetros que, quando diminuído, deixaria o pH mais ácido? O HCO3–, isso mesmo! Então temos uma acidose devido a queda de HCO3–, ou seja, uma acidose metabólica. Esse é nosso distúrbio primário. E porque o pCO2 está alterado? Isso nada mais é que o pulmão tentando compensar. E como ele vai fazer isso? Diminuindo a quantidade de ácido, ou seja de pCO2. E se o CO2 é um ácido e ele está diminuido, então o meio ficará mais básico, ou seja, uma alcalose respiratória. E esse é o nosso distúrbio secundário. Logo, nós temos uma acidose metabólica com um alcalose respiratória tentando compensar, causando a alteração de todos os três parâmetros. Aqui até vale um adendo: essa também é a explicação do porquê pacientes com acidose metabólica hiperventilam. Nada mais é que o pulmão precisando lavar CO2.
Mas e se o pH estiver normal e com um pCO2 e HCO3– alterados? Isso ocorrerá muito provavelmente por se tratar de um distúrbio misto. Quando existe um distúrbio primário que gera um distúrbio secundário como compensação, essa dificilmente será capaz de normalizar o pH. Porém, em distúrbios originalmente mistos, o pH encontra-se em sua maioria das vezes normalizados.
Bom, se a gente estiver falando desse texto espero que a resposta seja “sim”, ou pelo menos, “está compensando”. Mas e o distúrbio primário? Compensou? Para conseguirmos saber não tem escapatória. Vamos precisar fazer contas e lançar mão de algumas fórmulas que estão na tabela.
Acidose metabólica | pCO2 esperado = 1,5 x [HCO3–] + 8 (±2) |
Acidose respiratória | aguda: ↑ 1 mEq/L de HCO3– para cada ↑ 10 mmHg de pCO2crônica: ↑ 4 mEq/L de HCO3– para cada ↑ 10 mmHg de pCO2 |
Alcalose metabólica | pCO2 esperado = [HCO3–]+ 15 |
Alcalose respiratória | aguda: ↓ 2 mEq/L de HCO3– para cada ↓ 10 mmHg de pCO2crônica: ↓ 4 mEq/L de HCO3– para cada ↓ 10 mmHg de pCO2 |
Vamos retornar para ela. Lá tínhamos concluído que o Sr. Eustáquio estava com um acidose metabólica sendo compensada por uma alcalose respiratória. Será que compensou? Se ele se apresentar dentro do intervalo do resultado, a acidose metabólica está compensada pelo componente respiratório, mesmo que o pH esteja alterado.
E se o pCO2 não estiver dentro dessa faixa de valores? Nesse caso estamos diante de um caso onde o nosso organismo está fazendo mais ou menos do que é preciso para gerar uma compensação. Ou então pode indicar que nós não estamos diante de uma alteração compensatória de CO2 e sim diante da ocorrência de mais outro distúrbio. Aplicando os valores na fórmula o pCO2 esperado vai de 28,5 até 32,5. O do Sr. Eustáquio é 25. Ou seja, o Sr. Eustáquio está fazendo menos do que deveria para compensar esse distúrbio. Então será que poderia ser um distúrbio misto e não uma compensação? Fica a reflexão!
Ei, fique atento!
Em casos de acidose metabólica precisamos calcular o ânion gap, que nada mais é que a representação dos ânions não quantificáveis do nosso sangue (ao contrário do HCO3– e Cl– que são quantificáveis). Ele que vai nos falar se a acidose metabólica é por perda de HCO3– ou pela produção de novos ânions. Tem-se o valor de ânion gap a partir da seguinte fórmula: [Na+] – [Cl–] – [HCO3– ] = 8 a 16. No entanto, o aprofundamento dentro dos tipos de acidose metabólica não se encaixam nesse texto e merecem um espaço só para eles.
Se você chegou até essa altura do campeonato, parabéns!! Você concluiu a sua missão (e eu também)! Espero que tenha sido possível ver que, apesar de complexo, dá para raciocinar e interpretar em cima de uma gasometria arterial, afinal, o segredo de qualquer monstrinho é aprender a lidar com ele.
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Nascida em 1994 no interior de São Paulo, mas moradora de Florianópolis há mais tempo do que me lembro. Formada em Medicina pela UNISUL - Pedra Branca em 2021. Bailarina desde que me conheço por gente. Apaixonada por qualquer manifestação artística, vejo na medicina, além de muita ciência e técnica, uma área onde seu exercício é uma arte.
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