Fala galera, beleza? Hoje o papo vai ser sobre hemorragia digestiva alta. Você já imaginou que caos chegar um paciente com queixa de vômitos com laivos de sangue, ou em “borra de café” na sua sala de emergência e você não saber conduzir o caso? Mas fique calmo, hoje vamos destrinchar esse assunto e não vamos ter dúvidas ou medo para conduzir uma hemorragia digestiva alta após a leitura, combinado?
Bom, a hemorragia digestiva alta é um sangramento intraluminal originado no trato gastrointestinal superior. Portanto, é um sangramento em função de uma lesão da mucosa do estômago, esôfago, duodeno e intestino delgado, que são associados a hematemese (vômito com sangue) ou melena (fezes escurecidas – com sangue digerido).
Mas peraí, você já ouviu falar em ligamento de Treitz?
Pois bem, o ligamento de Treitz é uma estrutura anatômica que determina o fim do duodeno e início do jejuno, de consistência fibrótica. Este marco anatômico é quem divide entre hemorragia digestiva alta e hemorragia digestiva baixa. A hemorragia digestiva alta corresponde aos sangramentos acima do Ligamento de Treitz.
Também devemos lembrar que podemos dividir a hemorragia digestiva alta em varicosa e não varicosa, sendo as hemorragias digestivas altas não varicosas mais prevalentes na sala de emergência, e a mais comum é a doença péptica, sendo a úlcera gástrica sangrantes mais frequentes que as úlceras duodenais.
As principais etiologias de hemorragia digestiva alta são:
1- Úlcera péptica
2- Gastrite e duodenite erosivas
3- Esofagite
4- Varizes esofágicas
5- Gastropatia portal hipertensiva
6- Mallory-Weiss
7- Úlcera de estresse
8- Doença de Chron
*LEMBRE-SE: os principais fatores que contribuem para o sangramento de uma úlcera péptica são a infecção pela Helicobacter pylori (H. pylori), que coloniza a mucosa do estômago, o uso dos anti-inflamatórios não esteroidais (AINE’s), estresse fisiológico, sepse ou choque e hipersecreção ácida.
Vamos lá, você está na sala de emergência e entra um paciente com queixa de hematêmese e/ou melena e podendo apresentar também, porém menos comum, hematoquezia. Claramente, como toda e qualquer emergência, uma boa anamnese e exame físico é imprescindível para um diagnóstico. Lembrando de investigar os fatores de risco da hemorragia digestiva alta.
Sem mais delongas temos que monitorar o paciente o mais breve possível, uma vez que ele pode apresentar instabilidade hemodinâmica, torpor e até evoluir para PCR. Um ponto muito importante do exame físico, em um paciente com hemorragia digestiva alta, é que não podemos esquecer de realizar o toque retal, para avaliar presença de melena ou enterorragia.
Não podemos esquecer que paciente hepatopatas apresentam estigmas como:
Portanto quando nos depararmos com um paciente assim, temos que lembrar de possíveis varizes esofágicas.
Nas primeiras 24 horas do início dos sintomas é necessário realizar uma endoscopia digestiva alta (EDA), que é o exame de escolha para pacientes com sintomas de hemorragia digestiva alta. Seu uso é eficiente para localizar o sangramento e realizar o tratamento precoce.
Caso não seja possível visualizar a fonte de sangramento, existe a possibilidade de realizar a cintilografia com hemácias marcadas por Tc-99. Tal exame é capaz de detectar sangramento com velocidade de até 0,1 mL/min.
E uma outra possibilidade é a arteriografia, que consegue detectar sangramento com velocidade de 0,5ml / min.
Também temos que lembrar de outros exames essenciais como: hemograma completo, coagulograma, função renal, função hepática e eletrólitos.
O escore de Glasgow Blatchford é importante para predizer a necessidade da realização de uma endoscopia. Esse escore usa como base parâmetros clínicos: hemoglobina, frequência cardíaca, pressão arterial sistólica, uréia e ausência de história hepática ou cardíaca e melena ou síncope.
Também é muito usado o escore de Rockall, que é o escore que prediz o risco de pacientes com hemorragia digestiva alta. Ele deve ser realizado pré e pós endoscopia.
PRÉ-ENDOSCOPIA
VARIÁVEL | PONTOS |
< 60 anos | 0 |
60-79 anos | 1 |
≥ 80 anos | 2 |
sem alterações hemodinâmicas | 0 |
FC > 100 E PAS ≥ 100mmHg | 1 |
PAS < 100 mmHg | 2 |
sem comorbidades | 0 |
IC ou comorbidade grave | 2 |
CA metastático, IRA ou insuf. hepática | 3 |
PÓS ENDOSCÓPICA
VARIÁVEL | PONTOS |
Mallory-Weiss ou sem lesão e sangramento | 0 |
Outros diagnósticos | 1 |
Neoplasia maligna | 2 |
Presença de sangue, coágulo ou vaso sangrante ou visível | 2 |
Se a soma pré e pós endoscopia for maior que oito, a mortalidade ultrapassa de 40%.
Uma classificação bacana de lembrarmos neste assunto é a de Forrest, uma classificação que realizamos na endoscopia em pacientes com hemorragia digestiva alta.
CLASSIFICAÇÃO DE FORREST
CLASSIFICAÇÃO | DESCRIÇÃO |
1A | sangramento ativo em jato |
1B | sangramento lento (babando) |
2A | vaso visível não sangrante |
2B | coágulo aderido |
2C | hematina na base da úlcera |
3 | ulcera com base clara sem sangramento |
Primeiramente em pacientes com quadro de hemorragia digestiva alta ativa, na avaliação imediata do paciente, devemos buscar a necessidade de ressuscitação, estabilização da pressão sanguínea e restauração do volume intravascular.
Então, bora lá…O paciente deu entrada na sala de emergência apresentando ansiedade, torpor, dispneia, síncope, presença de sinais de choque tais como: extremidades frias, tec > 3seg, taquicardia, PAS < 100mmHg.
Nitidamente vemos que esse paciente apresenta sinais de instabilidade e necessita de observação e monitoração contínua. Sendo necessário realizar dois acessos venosos periféricos calibrosos, com reposição volêmica com fluidos (cristaloides 1000 a 2000 ml)para o paciente atingir uma PAS de 100 mmHg e FC < 100 bpm, caso o paciente não apresente resposta à reposição volêmica pode-se considerar suporte de hemoconcentrados e também uso de drogas vasoativas.
Realizar suplementação com O2 em pacientes que apresentam saturação < 90%, porém caso seu paciente apresente hematêmese volumosa ou rebaixamento de nível de consciência a intubação orotraqueal está indicada para este paciente com hemorragia digestiva alta.
Em pacientes que há suspeitas de úlcera péptica (hemorragia digestiva alta não varicosa), realizaremos a administração intravenosa de inibidor de bomba de prótons (IBP) como por exemplo o Omeprazol (80 mg EV em bolus e manter 40 a 80mg 12/12h intravenoso).
E como já dito anteriormente solicitamos a realização de uma endoscopia digestiva alta (EDA), para poder direcionar o tratamento.
Em paciente com cirrose ou hipertensão portal (lembrar os estigmas do hepatopata já citados acima) devemos lembrar de varizes esofágicas e com isso a administração precoce de análogos da somatostatina (Terlipressina 2 a 4 mg IV em bolus). E não podemos esquecer que em pacientes cirróticos com ascite e hemorragia digestiva alta devem receber antibiótico, sendo a norfloxacino oral ( 400mg 12/12h) ou, caso não tenha como fazer via oral, realizar a ciprofloxacino intravenosa (500
mg 12/12h) ou a Ceftriaxona intravenosa ( 1g 12/12h), para evitar infecções e peritonite bacteriana espontânea.
Mas espera aí: eu já ouvi falar de um tal de balão… Sim galera, o Balão de Sengstaken-Blackmore, é um balão esofágico, que é utilizado em casos de sangramento maciço e que não tem a terapia endoscópica à disposição. Ela não é uma terapia definitiva e sim usada como um procedimento de resgate e ponte para uma terapia efetiva da hemorragia digestiva alta varicosa.
Bom acho que vimos como manejar um paciente com hemorragia digestiva alta no pronto socorro, não é mesmo? Então não podemos bobear, ok? A hemorragia digestiva alta é um quadro comum, sendo considerado uma emergência médica e deve ser diagnosticada precocemente e tratada corretamente, para um melhor desfecho para o paciente.
Ficou com alguma dúvida em relação à hemorragia digestiva alta? É só deixar um comentário aqui embaixo! Será um prazer responder você. Além disso, nós, da Medway, temos mais um material rico que complementará os seus conhecimentos: no nosso canal do Youtube, saiu um vídeo que trata exatamente desse assunto. Não vai perder, hein?
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Bons estudos e até a próxima!
Nascida em Catanduva, interior de São Paulo. Médica pela faculdade do Oeste Paulista, louca e apaixonada pela Medicina de Emergência e Medicina Humanitária. Residência em Medicina de Emergência no Hospital Alemão Oswaldo Cruz e pós-graduação em Medicina Aeroespacial.