Com a melhora dos exames de imagem, da radiologia intervencionista e das endoscopias, o tratamento da Hemorragia Digestiva Baixa é cada vez menos dependente do cirurgião geral. Então qual o seu papel neste tratamento? Como devemos conduzir estes casos? Quando indicamos um procedimento cirúrgico?
É sobre este tema que conversaremos um pouco neste texto! Bora lá?
A classificação clássica das hemorragias gastrointestinais as divide em dois grupos:
Atualmente existe uma nova divisão da HDB, sendo que este termo é reservado a sangramentos abaixo da válvula íleo cecal. Sangramento entre o ângulo de Treitz e a válvula ileocecal são denominados Hemorragia Digestiva de Causa Obscura.
Esta nova divisão se deve ao avanço da tecnologia nos exames endoscópicos que dispomos. A endoscopia digestiva alta (EDA) consegue avaliar o trato gastrointestinal do esôfago até o ângulo de Treitz, ou seja, consegue avaliar as HDAs. Já a colonoscopia consegue avaliar da válvula ileocecal até o reto, ou seja, avalia as HDBs. Ambos são exames conhecidos e amplamente disponíveis nos grandes serviços do país. Já, para avaliar do ângulo de Treitz até a válvula ileocecal, devemos dispor de exames mais específicos e não tão disponíveis, como é o caso da cápsula endoscópica e da enteroscopia com duplo balão.
Estes são alguns termos importantes e recorrentes quando lidamos com um quadro de hemorragia do trato gastrointestinal.
Chegou um paciente na emergência com queixa de sangramento vivo nas fezes. Qual sua primeira hipótese? Se você pensou em HDB, você errou!
A principal causa de sangramento em fezes é a doença orificial! Por isso o exame da região anal para investigação de hemorroidas, fissuras e proctite é muito importante na avaliação inicial!
Se descartado o diagnóstico de doença orificial, agora iniciamos a investigação da hemorragia digestiva.
Inicialmente é importante determinar as condições hemodinâmicas do paciente no pronto-socorro. A hemorragia do trato gastrointestinal pode ser grave e o acesso venoso, a ressuscitação, a ventilação adequada e o controle do pulso e da pressão arterial (PA) são essenciais para a boa evolução do paciente
Este é um detalhe do exame físico que muitos médicos negligenciam no atendimento inicial e é importantíssimo para o seguimento do paciente! Nós tiramos a história clínica, porém o toque retal nos dá o diagnóstico visual e quase sempre certeiro do quadro do paciente e guia toda nossa hipótese diagnóstica.
É um exame simples, rápido e que qualquer médico com um dedo, xilocaína gel e luva pode fazer!
Definido o quadro hemorragia digestiva, seguimos com a investigação com exames laboratoriais e de imagem.
Hemograma, coagulograma e tipagem sanguínea são os principais exames laboratoriais no caso de Hemorragia Digestiva Baixa.
De 85 a 90% dos sangramentos gastrointestinais são HDAs e estas em geral são quadros mais graves do que as HDBs. Logo, frente a sua principal suspeita, o exame inicial é a endoscopia digestiva alta (EDA)! Além disso, é um exame mais rápido que a colonoscopia e não depende da realização de preparo prévio além do jejum.
Realizada a EDA e descartada a HDA, devemos seguir com a investigação.
A colonoscopia com preparo de cólon é um exame que permite o diagnóstico e a intervenção terapêutica se necessário. Consegue identificar sangramento ativo, sinais de sangramento recente e vasos visíveis.
A anuscopia e a sigmoidoscopia são bons exames no caso de suspeita de sangramento de cólon sigmoide e reto e não necessitam da realização de preparo intestinal prévio
A tomografia computadorizada é importante nos quadros de HDB para detectar lesões colônicas que podem ser a fonte do sangramento, como diverticulose, colite, tumores e veias varicosas. Já a angiotomografia permite apontar a fonte do sangramento e identificar a etiologia para guiar o tratamento a seguir. Um limitante é que é necessário um sangramento ativo no momento da realização do exame com taxa mínima de 0,5ml/min, além de não permitir a possibilidade terapêutica.
A cintilografia com hemácias marcadas com tecnécio99m é um exame não invasivo que também pode localizar e quantificar as HDBs. Esta técnica também não permite terapia, porém tem vantagem em relação a angiotomografia já que pode identificar sangramentos com taxa mínima de até 0,04ml/min.
A arteriografia identifica sangramentos com taxas semelhantes a angiotomografia, porém esta permite a possibilidade terapêutica com embolização.
O tratamento cirúrgico é raramente indicado nos quadros de HDB já que a grande maioria dos casos é autolimitado ou facilmente tratável com os exames citados.
A indicação cirúrgica fica restrita aos casos refratários aos tratamentos endoscópicos e angiográficos nos casos com estabilidade hemodinâmica ou em casos nos quais a ressecção cirúrgica pode ser definitiva, como na presença de tumores.
E também não podemos nos esquecer das indicações clássicas cirúrgicas, que são:
Mesmo nestes casos refratários em que a cirurgia está indicada, os exames endoscópicos e de imagem são importantes para determinar o local de maior probabilidade de sangramento e guiar a ressecção cirúrgica.
Por exemplo, o paciente recebeu 6 concentrados de hemácias e mantém queda de hemoglobina e hematócrito. Está indicado o procedimento cirúrgico, como discutimos anteriormente. Caso tenha sido realizada uma colonoscopia e identificados divertículos em apenas um segmento do cólon, a ressecção cirúrgica está indicada apenas a esta porção. Porém, caso não tenha sido realizado o exame ou o paciente apresente diverticulose pancolônica (presença de divertículos em todo o cólon) está indicada uma colectomia TOTAL, um procedimento com maior morbimortalidade.
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Curitibana, nasceu em 93 e se formou em Medicina pela PUC-PR em 2018. Residência em Área Cirúrgica Básica. Experiência de estágio em Cirurgia do Aparelho Digestivo na FMABC.