Hemorragia Digestiva Baixa: tudo que você precisa saber

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Com a melhora dos exames de imagem, da radiologia intervencionista e das endoscopias, o tratamento da Hemorragia Digestiva Baixa é cada vez menos dependente do cirurgião geral. Então qual o seu papel neste tratamento? Como devemos conduzir estes casos? Quando indicamos um procedimento cirúrgico?

É sobre este tema que conversaremos um pouco neste texto! Bora lá?

Imagem ilustrativa do sistema gastrointestinal.
Na imagem: sistema gastrointestinal.

Antes de tudo, o que é uma Hemorragia Digestiva Baixa?

A classificação clássica das hemorragias gastrointestinais as divide em dois grupos:

  • Hemorragia Digestiva Alta (HDA): sangramento acima do ângulo de Treitz – junção duodenojejuna;
  • Hemorragia Digestiva Baixa (HDB): sangramento abaixo do ângulo de Treitz.

Atualmente existe uma nova divisão da HDB, sendo que este termo é reservado a sangramentos abaixo da válvula íleo cecal. Sangramento entre o ângulo de Treitz e a válvula ileocecal são denominados Hemorragia Digestiva de Causa Obscura.

Fisiologia do trato gastrointestinal.
Na imagem: fisiologia do trato gastrointestinal.

Esta nova divisão se deve ao avanço da tecnologia nos exames endoscópicos que dispomos. A endoscopia digestiva alta (EDA) consegue avaliar o trato gastrointestinal do esôfago até o ângulo de Treitz, ou seja, consegue avaliar as HDAs. Já a colonoscopia consegue avaliar da válvula ileocecal até o reto, ou seja, avalia as HDBs. Ambos são exames conhecidos e amplamente disponíveis nos grandes serviços do país.  Já, para avaliar do ângulo de Treitz até a válvula ileocecal, devemos dispor de exames mais específicos e não tão disponíveis, como é o caso da cápsula endoscópica e da enteroscopia com duplo balão.

O que indica cada um dos sintomas de hemorragia gastrointestinal?

Estes são alguns termos importantes e recorrentes quando lidamos com um quadro de hemorragia do trato gastrointestinal.

  • Hematêmese é o vômito com sangue e indica uma provável HDA
  • Hematoquezia ou enterorragia são sinônimos e são evacuações com sangue vivo e provavelmente indicam uma HDB, porém não podemos ainda excluir que não seja de outra fonte!! Lembrem disso para daqui a pouco…
  • Melena é o sangue escurecido nas fezes, possui um odor forte e característico (depois que vocês sentirem pela primeira vez, nunca mais vão esquecer). Em 90% dos casos indicam uma HDA, mas não podemos excluir outras fontes também, como intestino delgado ou cólon.
  • Sangue oculto nas fezes é aquele sangramento do trato digestivo imperceptível macroscópicamente. Em geral indicam sangramento em pequena quantidade de origem no intestino delgado ou segmentos mais altos.

Caso clínico de Hemorragia Digestiva Baixa

Chegou um paciente na emergência com queixa de sangramento vivo nas fezes. Qual sua primeira hipótese? Se você pensou em HDB, você errou!

A principal causa de sangramento em fezes é a doença orificial! Por isso o exame da região anal para investigação de hemorroidas, fissuras e proctite é muito importante na avaliação inicial!

Se descartado o diagnóstico de doença orificial, agora iniciamos a investigação da hemorragia digestiva.

Como o paciente se encontra?

Inicialmente é importante determinar as condições hemodinâmicas do paciente no pronto-socorro. A hemorragia do trato gastrointestinal pode ser grave e o acesso venoso, a ressuscitação, a ventilação adequada e o controle do pulso e da pressão arterial (PA) são essenciais para a boa evolução do paciente

Toque retal: imprescindível para o diagnóstico!

Este é um detalhe do exame físico que muitos médicos negligenciam no atendimento inicial e é importantíssimo para o seguimento do paciente! Nós tiramos a história clínica, porém o toque retal nos dá o diagnóstico visual e quase sempre certeiro do quadro do paciente e guia toda nossa hipótese diagnóstica.

É um exame simples, rápido e que qualquer médico com um dedo, xilocaína gel e luva pode fazer!

Se tem uma coisa que vocês tem que levar de todo este texto é: TOQUE RETAL FAZ PARTE DO EXAME FÍSICO NA SUSPEITA DE HEMORRAGIA DIGESTIVA!

Quais exames solicitar?

Definido o quadro hemorragia digestiva, seguimos com a investigação com exames laboratoriais e de imagem.

Hemograma, coagulograma e tipagem sanguínea são os principais exames laboratoriais no caso de Hemorragia Digestiva Baixa.

Endoscopia ou colonoscopia?

De 85 a 90% dos sangramentos gastrointestinais são HDAs e estas em geral são quadros mais graves do que as HDBs. Logo, frente a sua principal suspeita, o exame inicial é a endoscopia digestiva alta (EDA)! Além disso, é um exame mais rápido que a colonoscopia e não depende da realização de preparo prévio além do jejum.

Exames complementares de imagem para Hemorragia Digestiva Baixa

Na imagem: exemplo de colonoscopia. Fonte: https://www.drderival.com

Realizada a EDA e descartada a HDA, devemos seguir com a investigação.

A colonoscopia com preparo de cólon é um exame que permite o diagnóstico e a intervenção terapêutica se necessário. Consegue identificar sangramento ativo, sinais de sangramento recente e vasos visíveis.

A anuscopia e a sigmoidoscopia são bons exames no caso de suspeita de sangramento de cólon sigmoide e reto e não necessitam da realização de preparo intestinal prévio

A tomografia computadorizada é importante nos quadros de HDB para detectar lesões colônicas que podem ser a fonte do sangramento, como diverticulose, colite, tumores e veias varicosas. Já a angiotomografia permite apontar a fonte do sangramento e identificar a etiologia para guiar o tratamento a seguir. Um limitante é que é necessário um sangramento ativo no momento da realização do exame com taxa mínima de 0,5ml/min, além de não permitir a possibilidade terapêutica.

Exemplo de cintilografia, um dos exames de imagem solicitados no caso de Hemorragia Digestiva Baixa.
Na imagem: exemplo de cintilografia.

A cintilografia com hemácias marcadas com tecnécio99m é um exame não invasivo que também pode localizar e quantificar as HDBs. Esta técnica também não permite terapia, porém tem vantagem em relação a angiotomografia já que pode identificar sangramentos com taxa mínima de até 0,04ml/min.

A arteriografia identifica sangramentos com taxas semelhantes a angiotomografia, porém esta permite a possibilidade terapêutica com embolização.

Embolização de hemorragia digestiva com molas e microesferas.
Embolização de hemorragia digestiva com molas e microesferas. Angiografia inicial evidenciando extravasamento de contraste (seta vermelha) (A). Seletivação dos ramos causadores da hemorragia com microcateter (seta azul) (B). Embolização dos ramos com molas de liberação controlada (setas amarelas) e microesferas (C). Angiografia de controle evidenciando controle da hemorragia (D). (Ilustração da segunda edição do livro “Perguntas e Respostas Comentadas de Cirurgia Endovascular” que está em produção). Fonte: Instituto Endovascular.

Afinal, qual o papel do cirurgião?

O tratamento cirúrgico é raramente indicado nos quadros de HDB já que a grande maioria dos casos é autolimitado ou facilmente tratável com os exames citados.

A indicação cirúrgica fica restrita aos casos refratários aos tratamentos endoscópicos e angiográficos nos casos com estabilidade hemodinâmica ou em casos nos quais a ressecção cirúrgica pode ser definitiva, como na presença de tumores.

E também não podemos nos esquecer das indicações clássicas cirúrgicas, que são:

  • Instabilidade hemodinâmica mantida após reposição de 6 concentrados de hemácias
  • Sangramento persistente por mais de 72 horas
  • Ressangramento 24 horas após internação hospitalar.

Mesmo nestes casos refratários em que a cirurgia está indicada, os exames endoscópicos e de imagem são importantes para determinar o local de maior probabilidade de sangramento e guiar a ressecção cirúrgica

Por exemplo, o paciente recebeu 6 concentrados de hemácias e mantém queda de hemoglobina e hematócrito. Está indicado o procedimento cirúrgico, como discutimos anteriormente. Caso tenha sido realizada uma colonoscopia e identificados divertículos em apenas um segmento do cólon, a ressecção cirúrgica está indicada apenas a esta porção. Porém, caso não tenha sido realizado o exame ou o paciente apresente diverticulose pancolônica (presença de divertículos em todo o cólon) está indicada uma colectomia TOTAL, um procedimento com maior morbimortalidade.

É isso!

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ThaisNagano

Thais Nagano

Curitibana, nasceu em 93 e se formou em Medicina pela PUC-PR em 2018. Residência em Área Cirúrgica Básica. Experiência de estágio em Cirurgia do Aparelho Digestivo na FMABC.