Hepatite fulminante (HF) é uma manifestação rara de doença hepática aguda, resultante de uma rápida e progressiva destruição do parênquima hepático ocasionada geralmente por infecção viral ou exposição a agentes tóxicos ou fármacos. Esta perda funcional associada ao desenvolvimento de icterícia, coagulopatia, encefalopatia e ausência de história prévia de doença hepática são critérios importantes para definir a presença de HF.
É considerada uma das mais importantes emergências do sistema gastrintestinal (!), mas fica tranquilo que vamos te ajudar a identificar e conduzir de maneira tranquila e assertiva um caso de hepatite fulminante.
Bora lá?
Eu sei que você deve estar revirando os olhos depois de ver que vamos falar um pouco sobre anatomia e fisiologia, mas respira fundo, pois precisamos construir uma base para compreendermos melhor a hepatite fulminante e consequentemente saber manejar este paciente.
O fígado é a maior glândula do corpo e a mais versátil, desempenhando mais de 500 funções. Entre elas estão a absorção de glicose e armazenamento desta como glicogênio, produção de bile, proteínas (ex. albumina) e fatores de coagulação, processamento de gorduras e aminoácidos, desintoxicação de toxinas e fármacos no sangue, dentre outros. Espantosamente, quase todas essas funções são desempenhadas pelos hepatócitos, também conhecidos como células hepáticas, as quais apresentam grande capacidade de divisão e regeneração celular.
A etiologia da hepatite fulminante tem uma considerável variação geográfica, sendo que, dentre as várias causas, as hepatites virais e as drogas correspondem a maior parte dos casos no mundo.
Deste modo, a infecção viral, principalmente a hepatite B e em até 50% envolve coinfecção com a hepatite D, representa a principal causa infecciosa da HF. Já entre as drogas, o paracetamol (acetaminofeno) está entre as medicações mais associadas quando ingerido em doses maiores de 4g por dia.
Como causas mais raras temos a esteatose aguda da gravidez, hepatite auto-imune, doenças vasculares como a Síndrome de Budd-Chiari (trombose da veia hepática) e infiltração maligna maciça
Antes de falarmos sobre sintomas da hepatite fulminante, quero aproveitar para te contar que você pode saber mais sobre como lidar com a cirrose e suas complicações, de forma prática, no nosso e-book Cirrose hepática e suas complicações, que traz as principais informações que você precisa saber na hora de diagnosticar e manejar um paciente hepatopata. Clique AQUI para fazer o download gratuito!
A hepatite fulminante representa a via final comum de lesão hepática grave, provocando mau funcionamento não só hepático, mas de outros órgãos por razões ainda não bem explicadas.
De modo geral, a maioria dos casos tem manifestações inespecíficas como anorexia, náuseas e vômitos, dor abdominal mais comumente localizada no hipocôndrio direito e hepatomegalia. Estes sintomas podem ser encontrados também em outras hepatites agudas, mas pacientes com HF apresentam icterícia precoce, logo no início do quadro. Os pacientes podem apresentar importantes distúrbios de coagulação levando ao aumento do risco de sangramento gastrintestinal. Manifestações clínicas de acordo com os sistemas:
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Os exames complementares são importantes tanto para definição da etiologia quanto para classificação clínica do paciente.
Uma relação AST/ALT (enzimas de lesão hepática) aumentada pode indicar etiologia alcoólica, colestase ou hepatite medicamentosa. Sendo que se esse valor é >3 a acurácia para origem alcoólica é superior a 95%. Níveis de gama glutamil transferase (GGT) >2x limite superior da normalidade também sugere etiologia alcoólica ou colestase. Ademais, temos os exames de sorologias virais para hepatites A, B e C.
Já quando falamos dos exames de função hepática como coagulograma (principalmente INR- razão normalizada internacional) e albumina, estes são preditores do prognóstico e internação hospitalar.
Abaixo segue tabela com os principais exames que devem ser solicitados em pacientes com hepatite fulminante.
Principais exames em pacientes com hepatites fulminantes |
• TP/INR ou Fator V |
• AST, ALT, fosfatase alcalina, gama GT, bilirrubina e proteínas totais |
• Ureia, creatinina, Na, K, magnésico, cálcio e fósforo |
• Gasometria arterial |
• Lactato |
• Amônia |
• Exames toxicológicos (incluindo dosagem de paracetamol) |
• Ceruloplasmina |
• Marcadores de hepatites virais e autoimunes |
• Sorologia para HIV |
• Teste de gravidez em mulheres |
Assim, para fechar o diagnóstico de hepatite fulminante deve-se correlacionar a clínica com os achados dos exames complementares, ou seja, paciente com alteração do nível de consciência, icterícia aguda e distúrbios laboratoriais que indicam insuficiência hepática.
O tratamento do paciente com HF é principalmente de suporte a fim de evitar e tratar as complicações, possibilitando uma regeneração hepática ou a realização do transplante hepático.
Deste modo, o paciente é internado em unidade de terapia intensiva (UTI) evitando-se medicamentos nefrotóxicos, realizando a cada 48 horas cultura de sangue e urina pelo risco infeccioso aumentado e profilaxia de sangramento gastrintestinal. Se a etiologia for intoxicação com paracetamol é recomendado a prescrição de N-acetilcisteína.
Agora, vamos falar, sucintamente, da conduta de acordo com as complicações apresentadas.
O estado nutricional é uma consideração importante a ser feita, sendo que a nutrição deve ser realizada preferencialmente por via enteral e iniciada o mais precocemente possível.
O transplante hepático é uma opção, sendo que a decisão de transplantar o paciente depende da probabilidade de recuperação espontânea e dos riscos da cirurgia. Essa previsão é difícil de ser realizada mesmo com o uso dos critérios do King’s College, sendo necessária a associação do julgamento clínico junto a aplicação dos critérios.
Critérios para indicação de transplante na HF – King’s College | ||
Pacientes SEM intoxicação por paracetamol | Pacientes COM intoxicação por paracetamol | |
TAP maior que 100 segundos ou INR > 6,5 (independentemente do grau de encefalopatia) | pH arterial menor que 7,3 (independentemente do grau de encefalopatia) | |
Ou 3 das seguintes variáveis: – idade menor que 10 ou maior que 40 anos – etiologia: hepatite não-A não-B, halotano, reações idiossincrásicas a drogas – duração da icterícia maior que 7 dias antes do início da encefalopatia – TAP maior que 50 segundos ou INR > 3,5 – concentração sérica de bilirrubina > 17,5 mg/dL | Ou 1 das seguintes variáveis: – TAP maior que 100 segundos ou INR > 6,5 – creatinina sérica > 3,4 mg/dL (em pacientes com encefalopatia graus III ou IV) |
Para fechar com chave de ouro, vamos revisar alguns pontos importantes da hepatite fulminante:
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*Colaborou Anna Rita de Cascia Carvalho Barbosa, graduanda do 6º ano de Medicina na Uni-FACEF
Nascido em 1993, em Maringá, se formou em Medicina pela UEM (Universidade Estadual de Maringá). Residência em Medicina de Emergência pelo Hospital Israelita Albert Einstein.
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