A hipernatremia é um dos principais distúrbios hidroeletrolíticos e está associada a uma mortalidade de cerca de 50%. Considerando que a hipernatremia costuma estar associada a distúrbios graves, não se pode estimar o quanto da mortalidade pode ser atribuída isoladamente à hipernatremia.
Ainda, o atraso do início do tratamento está associado a um aumento da mortalidade. Então, bora aprender como se diagnostica e como se trata esse distúrbio!
Você pediu um exame de sangue para aquele paciente de 60 anos que pesa 60 kg, está visivelmente desidratado e apresentou um sódio sérico de 165. E agora, você sabe o que fazer? Até o final do texto, saberá!
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Ou “senhor, meu diagnóstico é que o senhor está salgado demais!”
A hipernatremia é sódio sérico acima de 145 mEq/L. Quando ocorre aumento do sódio, a osmolaridade do meio extracelular aumenta, o que faz com que a água do meio intracelular seja puxada para o meio extracelular. Essa desidratação das células vai ocorrer no cérebro também, e isso acarretará sintomas neurológicos.
Osm. Sérica = (2 x (Na + K)) + (Uréia / 2.8) + (glicose / 18)
Antes de falarmos sobre o o que define o nível de sódio, que tal conferir o nosso guia completo de Diabetes Mellitus? No nosso e-book Diabetes Mellitus: do ambulatório à emergência, você vai saber mais sobre a classificação, o diagnóstico, o tratamento e as complicações desta doença. Faça já o download gratuito clicando AQUI.
Ou “parte da aula de fisio que você perdeu porque estava dormindo (e eu também!) e por isso não entende por que algumas diarreias causam hipovolemia sem causar hipernatremia”.
Tonicidade é diferente da osmolaridade. Você sabe qual delas determina o nível de sódio sérico? Até o fim deste tópico você vai saber!
(Na + K) Totais no corpo | |
[Na] no plasma = | ———————— |
TBW* |
O corpo mantém os níveis de sódio no sangue praticamente estáveis, mesmo que ocorram alterações nos diferentes fatores que determinam esses níveis. Isso ocorre através de um processo de equilíbrio dinâmico.
Pense como um jogo de xadrez: a cada jogada do ambiente para aumentar o nível de sódio, o corpo vai responder com mecanismos para compensar esse aumento e devolver os níveis habituais. E a situação inversa também é verdade.
Conhecer esses fatores vai deixar o raciocínio da hipernatremia uma barbada. Vem com a Medway!
(Na + K) Totais no corpo | |
[Na] no plasma = | ———————— |
TBW* |
O balanço de sódio no plasma é baseado em tonicidade. Como a água se move livremente pela membrana celular do meio intracelular para o meio extracelular e vice-versa, a osmolalidade desses meios é a mesma. Porém, devido à bomba de troca de sódio por potássio, a concentração de sódio é alta no meio extracelular e a concentração de potássio é alta no meio intracelular.
A concentração de sódio no plasma é igual à concentração total de sódio + potássio do corpo, divididos pela água total do corpo. |
Uma membrana semipermeável deixa passar água, mas não alguns eletrólitos. No nosso corpo, isso é visto na membrana celular, a qual separa o meio intracelular do meio extracelular. O sódio e o potássio não atravessam essa membrana livremente, apenas através de canais específicos.
Como esses eletrólitos não têm livre passagem pela membrana (mas a água tem!), é gerada uma diferença da concentração de eletrólitos dentro e fora da membrana. Essa diferença gera uma pressão que “puxa” a água do lado menos concentrado para o mais concentrado, processo conhecido como osmose.
Essa pressão gerada pela diferença de concentração de osmóis efetivos que não atravessam uma membrana é conhecida como tonicidade.
Tonicidade é a pressão de gradiente exercida por uma solução com diferença de concentração de solutos que não atravessam uma membrana.
Tonicidade é diferente da osmolalidade.
A osmolalidade é a quantidade de partículas por litro de uma solução. Os principais impactantes na osmolalidade do plasma são glicose, ureia e sódio, pois eles estão em maior concentração no meio extracelular.
Percebam que o sódio é importante tanto para tonicidade quanto para a osmolaridade, então ele precisa “se equilibrar” sendo afetado por esses dois fenômenos.
(Na + K) Totais no corpo | |
[Na] no plasma = | ———————— |
TBW* |
A concentração de sódio no plasma é influenciada pela tonicidade.
Para definirmos a concentração de sódio no plasma, devemos considerar todo o sódio do corpo adicionados a todo o potássio do corpo, divididos pela quantidade total de água do corpo.
Antes de darmos continuidade ao assunto, no nosso e-book Desmistificando a gasometria: distúrbios hidroeletrolíticos falamos mais sobre gasometria e seu uso na identificação dos distúrbios hidroeletrolíticos, suas etiologias e como manejá-los no dia a dia. Vale a pena fazer o download gratuito para expandir seus conhecimentos!
Agora, voltando a falar sobre o tema principal:
“Ou ganhou sal, ou perdeu água livre, ou… Os dois!”
O desbalanço pode ser causado de 3 formas: perda de água livre, sobrecarga de sódio ou por entrada de água nas células.
A principal causa de hipernatremia é a perda de água livre (água com menos sódio que o plasma). A água pode ser perdida através de vômitos, suor e diarreia.
(Na + K) Totais no corpo | |
[Na] no plasma = | ———————— |
TBW* |
Vômitos, suor e diarreia não secretória, mesmo sendo soluções isosmóis, têm concentrações hipotônicas. Sendo assim, quando uma pessoa vomita, sua ou tem diarreia não secretória, ela perde água livre e seu sódio plasmático aumenta. As perdas insensíveis (suor, respiração, hábitos intestinais) são responsáveis por 800-1.200 ml de água livre por dia.
Já na diarreia secretória (exemplo: VIPoma, infecção por cólera), a pessoa perde água e sódio em uma proporção similar à do plasma. Logo, os níveis plasmáticos de sódio permanecem os mesmos.
Com relação à urina, ela pode ser uma importante causa de perda de água livre principalmente quando ocorre diurese osmótica por excesso de glicose, ureia ou presença de manitol. Nesses casos, a diurese ocorre com pouca concentração de sódio + potássio e grande volume de água, devido à osmolalidade alta das substâncias citadas.
Em casos de diabetes insipidus, a diurese tem um papel importante no desbalanço de sódio. Nela, ocorre diminuição da liberação de ADH ou resistência periférica ao ADH e, em função disso, os mecanismos de controle da volemia mediados por ADH estão impossibilitados de atuar e o corpo desperdiça água na forma de urina muito diluída. Essa urina tem pouca tonicidade com relação ao plasma, de modo que o paciente perde água livre e o seu sódio plasmático aumenta.
Essa hipernatremia é muito importante, pois ela fará o paciente ter sede e assim beber água e repor a volemia.
A terceira causa é a entrada de água livre nas células, sendo uma perda de água, só que do meio extracelular para o intracelular. Essa movimentação acontece durante a prática de exercício físico extenuante ou durante uma sessão de eletroconvulsoterapia. Nessas situações, ocorre uma elevação transitória da osmolalidade intracelular, por quebra de compostos orgânicos liberando pequenas moléculas, as quais são as responsáveis pela osmolalidade celular.
– E durante o dia, Seu Godofredo bebe água?
– Claro!
– Quantos litros ele bebeu ontem?
– Ontem ele tomou meio copo
O Seu Godofredo:
Sabendo os fatores que alteram o sódio, fica fácil de raciocinar!
Aqui, é importante prestar atenção na história clínica. Preste atenção a pacientes com muita dependência para autocuidado. Crianças, idosos e pacientes com deficiências cognitivas podem sentir sede e não conseguir beber água devido ao alto grau de dependência de terceiros.
Ainda, diagnósticos como diabetes mellitus, diabetes insipidus, diarreias, vômitos persistentes ou história de suor em níveis excessivos chamam atenção para a possibilidade de perda de água livre.
A história de internação recente e prolongada, principalmente em UTI, lembra a possibilidade de sobrecarga de sódio nas soluções infundidas durante a internação. Um exemplo de hipernatremia por sobrecarga de sódio iatrogênica seria um paciente com diabetes descontrolada com diurese osmótica por não reabsorção do excesso de glicose. Se tiver a volemia for reposta por soro fisiológico 0,9%, ocorrerá um aumento na quantidade total de sódio + potássio no sistema, de modo que causará hipernatremia.
“Por que salgou?
Salgou por quê?”
O diagnóstico de hipernatremia é laboratorial, porém sua suspeição é clínica, baseada na história e no exame físico.
Os sinais de hipernatremia vão depender da causa-base, porém é importante avaliar a volemia e status de hidratação do paciente. A avaliação do turgor da pele, o estado de hidratação das mucosas, a diferença entre os sinais vitais com o paciente sentado e em pé são alguns pontos mais importantes.
Além disso, sintomas neurológicos estão presentes em níveis acentuados de hipernatremia. Rebaixamento sensorial, confusão mental, sonolência e hiperreflexia são alguns dos sinais.
Ainda, poliúria e polidipsia devem chamar a atenção na hora da anamnese, pois estão relacionados ao ADH e podem indicar uma alteração nele. Na diabetes insipidus central, a liberação de ADH está afetada. Já na diabetes insipidus nefrogênica, a resposta à presença do ADH está prejudicada.
Um teste com uso de desmopressina (ADH sintético) pode avaliar se a deficiência é de etiologia central ou nefrogênica. Quando há resposta ao uso do ADH sintético, o diagnóstico é de diabetes insipidus central (diminuição da produção de ADH).
“A investigação”.
Os níveis séricos estão relacionadas as seguintes condições:
O primeiro exame a ser solicitado é de ampla disponibilidade e grande utilidade, que é o Dextro (HGT). Pacientes disglicêmicos dão pista para uma perda de água por diurese osmótica.
Ainda, deve ser solicitado osmolalidade urinária. Se a osmolalidade estiver alta, deve-se suspeitar de perdas extrarrenais de fluido hipotônico (perda de água livre, através dos mecanismos que a gente discutiu) e de sobrecarga de sódio.
A osmolalidade urinária normal pode ser vista com diuréticos, diurese osmótica ou perda de sal. Já, a baixa osmolalidade urinária, geralmente associada à poliúria, é característica da diabetes insipidus.
Importante: a hipernatremia não causa alterações específicas no ECG.
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A hipernatremia torna-se grave quando está associada à hipovolemia intensa, a qual acarreta um choque hipovolêmico. Nessa situação, o paciente vai apresentar hipotensão postural, taquicardia e diaforese. Além disso, ela é grave quando está associada a sintomas neurológicos, os quais vão desde agitação psicomotora e fala confusa até coma.
Antes de continuarmos, uma dica: nosso Manual para correção dos principais distúrbios eletrolíticos em pacientes internados. Este guia apresenta a forma certa de repor os eletrólitos ou corrigir distúrbios no paciente internado, facilitando a realização dos cálculos! Baixe gratuitamente para ter este guia completo na palma da sua mão e agilizar o seu trabalho!
Ou “acertando o sal do seu paciente”.
Nefrologista demonstrando a um R1 de medicina de emergência como corrigir o sal de um paciente com hipernatremia.
O tratamento para esta condição se baseia em dois objetivos: restaurar a tonicidade normal do plasma e resolver o que desencadeou esse desbalanceamento.
Tradicionalmente, foi definida uma velocidade máxima de correção de 0,5 mEq/L por hora e uma correção de no máximo 8-10 mEq/L por dia. Porém, estudos mais recentes têm demonstrado a garantia de segurança em pacientes adultos e sem distúrbio glicêmico associado para correções de até 12 mEq/L por dia.
Isso é feito para evitar o fenômeno de mielinólise pontina, o qual ocorre quando há uma mudança rápida na osmolalidade do meio e cursa com tetraparesia, paralisia pseudobulbar, alterações agudas no estado mental com depressão da consciência, coma, síndrome do encarceramento e podendo progredir para morte. Ainda, pode ocorrer edema cerebral secundário a variação de osmolalidade. O tratamento baseia-se na estratégia Ontem, Hoje e Amanhã.
Qual é o déficit de fluido desse paciente?
Déficit de Água = peso (kg)*Fração de água * [(Na plasma – 140)/140]
Um exemplo de correção é o seguinte:
Um sódio sérico de 165 mEq/L em um paciente jovem de 60kg.
Déficit de fluido = 60 * 0.6 * [(165 / 140)/140]
Déficit de fluido = 36* [25/140]
Déficit de fluido = 0,1785*36
Déficit de fluido = 6,42 litros
Nessa etapa estimam-se as perdas que ocorrem de forma insensível enquanto o paciente já está no processo de correção do sódio.
Perdas insensíveis respondem por 800-1200 ml de água livre por dia.
Uma forma de estimar isso é avaliar o débito urinário. De forma simplificada faz-se uma relação do débito urinário com a proporção de perda de água livre correspondente.
O primeiro livro de débito urinário deve ser ignorado. Depois, de 1 a 3 litros, metade do volume deve ser considerado perda de água livre. Depois acima de 3 litros todo débito urinário deve ser considerado perda de água livre.
Seguindo o exemplo:
Vamos supor que a diurese foi de 1500 ml em 24h, sendo assim 250ml de água livre perdida. (Primeiro litro: nada; sobram 500ml: divido por 2, sendo assim 250ml)
Logo nossa perda de água vai 6,42 litros + 0,25 litro , evidenciando um déficit de 6,67 litros.
Mais 900 ml de perdas em perdas insensíveis.
Aqui estima-se a velocidade de correção.
Tradicionalmente ela deve ser de até 0,5 mEq/L por hora e no máximo 10 mEq/L por dia. Porém estudos recentes indicam que há respaldo para corrigir 1 mEq/L por hora e um máximo de 12 mEq/L por dia em pacientes adultos sem distúrbio glicêmico associado, sem que haja um acréscimo na mortalidade.
Seguindo o exemplo:
Agora vamos escolher o fluido para infundir.
A glicose 5% não possui sódio.
VARIAÇÃO [Na] = ([Na]solução – [Na]sérico) / ACT + 1
VARIAÇÃO [Na] = (0 – 165) / 36 + 1
VARIAÇÃO [Na] = 165/37
VARIAÇÃO [Na] = 4,45 mEq/L
4,45 por 1000ml
0,89 mEq a cada 200ml de infusão da solução
Aqui, é possível infundir com segurança 200 ml por hora por 13 horas, totalizando 12 mEq de decréscimo no sódio plasmático, através de um volume de 2,6 litros.
Mantendo esse plano por 2 dias, há expectativa de corrigir o sódio para 141 e corrigir a deficiência de água em 5,6 litros. Em pouco tempo e de forma programada, é possível corrigir o potássio de uma forma segura.
Coisas que você não pode dormir sem saber!
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Gaúcho. Médico formado pela UFPEL, residente de Ginecologia e Obstetrícia na UFMG. Tenho 2,04m de altura, sou cozinheiro cria da quarentena e tenho FOAMed na veia. Bora junto!