Fala, pessoal, tudo em ordem? Torço para que sim, porque hoje falaremos da hiponatremia. Sobre esse assunto, posso dizer sem medo de errar: você já viu, está vendo ou vai ver na sua vida médica.
Mas por que essa certeza? Simples, porque na verdade, a gente entende os distúrbios do sódio pensando não no sal, mas sim na água corporal! E são muitas as formas de gerarmos desequilíbrio nesse componente tão importante para nosso organismo. Uma das consequências mais comuns é a hiponatremia.
“Eu odeio fisiologia, não aguento falar disso, quero ver só a fórmula para correção do sódio e acabou!” Galera, de verdade, ao fim desse texto, você vai dominar as causas da hiponatremia. Mas para isso, te digo: precisamos conhecer pontos básicos da fisiologia. O objetivo é nos tornarmos médicos melhores ao completar essa leitura, correto? Então, vem comigo!
Todo mundo já viu alguma vez na vida a fórmula para calcular a osmolaridade plasmática:
Osm-plasm = 2 x Na + glicose/18 + ureia/6
Observação rápida: o UpToDate traz, no lugar de na ureia/6, BUN/2.8. BUN representa os compostos nitrogenados no plasma. Pelo pouco uso prático no Brasil, deixamos a fórmula que usa ureia, fechado?
Só que a ureia é um composto lipossolúvel, que atravessa membranas plasmáticas livremente, o que significa que se há diferença de concentração de solutos, ela pode sair do meio “hiper” e ir pro meio “hipo”, naturalmente. Assim, não é considerada para avaliação da osmolaridade efetiva.
Há uma exceção, bastante específica: a síndrome do desequilíbrio durante/pós-diálise, na qual a variação plasmática da ureia tem implicação relevante, mas isso é papo para outra hora, citei só pra aguçar a sua curiosidade.
Esse poder osmótico efetivo significa uma “força” que realmente tende a “puxar água” para o compartimento onde há mais soluto. É o gradiente osmótico fazendo a água sair do hipo e ir pro hipertônico, lembra?
Assim, dizemos que a osmolaridade plasmática efetiva, também chamada de tonicidade, é calculada por:
Tonicidade = 2 x Na + Glicose/18
Isso vai fazer todo o sentido lá na frente. Confia!
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Galera, de forma bem resumida: no encéfalo, temos, além de neurônios, células denominadas astrócitos. Elas têm prolongamentos (“pés”) que envolvem capilares e os próprios neurônios e podem expressar aquaporina (um canal de transporte de água), o que permite a entrada e saída de água livre pela barreira hematoencefálica. Esse mecanismo ocorre para proteção contra as variações de tonicidade plasmática, porque os neurônios são extremamente suscetíveis a essas mudanças.
Por exemplo, você já ouviu que ao corrigir de forma muito rápida uma HIPERnatremia, gerando HIPOnatremia, podemos causar edema cerebral? Esse quadro é grave porque o crânio é “uma caixa rígida”, que não tem para onde aumentar seu volume, o que implica em risco de herniação de componentes encefálicos, com consequências nefastas, “apenas” por uma variação de tonicidade. Percebeu a importância?
Assim, se pensarmos que o neurônio está amplamente sujeito a variações na tonicidade plasmática, nada mais correto que depositar em áreas encefálicas a missão de controlar a osmolaridade, justamente para evitar esse tipo de desbalanço.
Por isso, o corpo se vale de dois reguladores da osmolaridade plasmática: o hormônio antidiurético (ADH) e o centro da sede. O primeiro, secretado por núcleos hipotalâmicos e, o segundo, uma “central de comando”, também localizada no hipotálamo.
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Entendendo suas funções, fica fácil perceber que esse hormônio é secretado baseado em dois estímulos principais ou mecanismos de secreção:
O ADH depende de uma medula renal hipertônica. A reabsorção de água livre no coletor ocorre por gradiente osmótico: é preciso que exista diferença entre concentração de solutos na medula renal (hipertônica) e no fluido tubular (hipotônica).
Na medula do néfron, temos a alça de Henle com sua porção ascendente espessa, permeável somente a solutos (via canal Na-K-2Cl). Ele faz a concentração do interstício medular aumentar, o que garante o gradiente para ação do ADH, lá no túbulo coletor medular. Se liga na imagem!
Fica fácil entender que a furosemida (diurético de alça), ao reduzir essa diferença osmótica por inibição justamente do canal Na-K-2Cl, impede que a urina fique concentrada (o ADH até pode implantar aquaporina, mas a água não é “puxada” para uma medula agora bem menos hipertônica), forçando maior excreção de água livre. O segundo regulador da osmolaridade é o centro da sede.
Duas afirmações para ficar claro:
Assim, a resposta do hipotálamo é:
De agora em diante, ao urinar, repare: minha urina está concentrada? Se sim, o centro da sede e o ADH estão atuantes! Se a urina estiver clara, já virá na sua mente: “meu ADH está baixo”, veja como perdi água livre! Isso vai reforçar os conceitos.
É isso! Bora então nos debruçarmos na hiponatremia?
O sódio < 135 mEq/L, para a maioria das referências.
Beleza, vi um sódio baixo. O que fazer? Nossa primeira tarefa é confirmar: trata-se de uma hiponatremia verdadeira?
Há uma situação que só existe para nos confundir: a pseudo-hiponatremia. O nome já revela o achado de uma falsa hiponatremia. Acontece em casos de hiperproteinemia, como no mieloma múltiplo, nos casos de hipertrigliceridemia importante e de icterícia obstrutiva grave, a depender do método utilizado para dosar o sódio. Na verdade, o aparelho entende como se tivesse pouco sódio, porque o soro que ele analisa está cheio de triglicérides e proteínas, que não “carregam” sódio consigo. O plasma “real” tem sódio adequado.
Pessoal, trago duas abordagens das causas de hiponatremia, aqui: a clássica, baseada em divisão das hiponatremias a partir da tonicidade e volemia (clinicamente avaliada); e uma mais atual, que se apoia mais em exames laboratoriais.
Para a primeira, vamos recordar aquele conceito essencial, que divide as hiponatremias (verdadeiras, dessa vez): tonicidade plasmática: 2 x Na + Glicose/18.
Perceba que, em condições normais, temos o sódio como grande determinante, e a glicose como coadjuvante dessa osmolaridade efetiva. A partir daí, usamos a divisão básica entre hiponatremias hipotônicas e as “não hipotônicas”.
Fiquem atentos: os sintomas neurológicos decorrem de uma alteração da tonicidade pela glicose, de modo que a hiponatremia é apenas consequência, e não o “cerne do problema”, compreendido?
Embora não se injetem tais substâncias em vasos, por microabrasões, acidentalmente, boa parte acaba alcançando veias e cavidades corporais, chegando, por fim, ao sangue. A urina está adequadamente hipotônica, no máximo de diluição possível, mas ainda assim é insuficiente para eliminar toda a água livre recebida.
Porém, na prática médica, a maioria das hiponatremias são hipotônicas, ou seja, a tonicidade medida está baixa.
Dentro da hiponatremia hipotônica, o que ocorre, de forma resumida, é a dificuldade de eliminar água-livre, seja pela diminuição da quantidade de soluto que temos disponível para formar urina, seja pela ação do ADH (apropriada ou não).
Partindo desse racional, a clássica abordagem foi criada, e ao separarmos as principais vertentes etiológicas, somos capazes de responder às seguintes perguntas:
Simbora esclarecer esses questionamentos!
Vamos definir uma coisa que já me tirou o sono enquanto estudava, e não quero que aconteça o mesmo com vocês. De forma simples: água livre é água sem soluto.
Toda vez que eu perder ou ganhar água com soluto em quantidade “adequada” (proporcional ao que vemos no plasma), a osmolaridade plasmática não se altera, significativamente. Mas se você ingerir excesso de água livre (um fluido hipotônico, como é a água que bebemos), ela terá que ser “perdida dessa mesma forma”, ou seja, sem sódio. Do contrário, a tendência é hipotonicidade às custas de hiponatremia.
Por exemplo: se um paciente recebe de água livre em excesso, e já usava tiazídico, ou se tem néfrons que obrigatoriamente secretam quantidades anormalmente altas de sódio, como na DRC, ocorrerá perda de água E soluto.
Isso culmina em perda de volume como um todo (água com sódio/potássio), gerando tendência à hipovolemia e propensão a sobrar água livre. Embora ingerida “sem soluto”, parte dela foi excretada com soluto. É como se o rim atingisse seu limite de diluição, fixado em um patamar mais alto que o normal (exemplo: 250 mOsm/L), porque estamos jogando soluto demais no fluido tubular. A partir desse limite, não dá para formar mais urina e a água livre se acumula!
Nesses casos, o que reduziu o Na? A secreção apropriada do ADH, em resposta à redução de volume extracelular (secreção não osmótica de ADH, mediada por barorreceptores carotídeos). Muito ADH → dificuldade de diluir a urina → hiponatremia!
Uma vez feita a suspeita clínica, busque sinais de desidratação! Hipotensão postural, taquicardia responsiva a volume e redução da osmolaridade urinária após volume (cessa a secreção de ADH, que reforço, é esperada, a princípio!).
Mas claro, avaliar a desidratação tem alguns vieses, especialmente em idosos. Podemos, então, usar o sódio urinário para esclarecer a etiologia.
Indica avidez do túbulo por reabsorver sódio: vômitos, diarreia, drenagem SNG, hemorragia, ou seja, perdas extrarrenais estão gerando hipovolemia. Ocorre aumento de ADH e da ação do SRAA e, caso haja ingestão/reposição de fluidos hipotônicos, instala-se a hiponatremia.
Vale lembrar que hipovolemia sem ingestão/reposição de fluidos hipotônicos tenderá a causar HIPERnatremia, fechou? Não confundam!
Indica dificuldade de reabsorver sódio. Nesse cenário, busque:
Alguma coisa gera perda excessiva de sal, que é acompanhado por água. Isso pode depletar o extracelular e o ADH responde adequadamente, aumentando seus níveis para corrigir a hipovolemia.
Breves explicações das três principais causas:
Aqui, a clínica é mais evidente: bora resumi-la? Edema e ascite!
Por que hipona? Por dificuldade de diluir a urina. Mas qual sua razão? Há secreção apropriada de ADH em resposta à redução de volume circulante efetivo num contexto de excesso de água corporal, ou seja, má distribuição de fluidos (edema periférico, derrames cavitários).
Sem sinais clínicos de hipo ou hipervolêmica.
Por que HipoNA? Por secreção/ação inapropriada de ADH – sem mecanismo osmótico e/ou sem queda do VCE. Vale lembrar da importância de critérios laboratoriais que corroboram o diagnóstico. São eles:
Que causas vamos buscar? As geradoras da Síndrome da Antidiurese inapropriada, antigamente chamada de Síndrome de Secreção Inapropriada do ADH (SIADH).
Neste grupo de pacientes, devemos sempre excluir hipotireodismo e insuficiência adrenal secundária!
Na SIADH, há aumento de ADH sem necessidade. Muita água livre é reabsorvida e, mesmo estando o plasma hipotônico, ela continua a ser retida. Isso gera um aumento do VCE, que é “corrigido” pelo aumento de BNP (peptídeo natriurético atrial), gerando maior natriurese pressórica. Aumenta-se o Na urinário, assim como a osmolaridade urinária. Perde-se, na urina, sódio e água em iguais proporções, quando se deveria perder predominantemente água livre, concorda? O volume é corrigido, mas a água livre ainda está em excesso.
Há, também, perda renal de ácido úrico, gerando hipouricemia: só para te atualizar, cada vez mais se usa a fração de excreção elevada do ácido úrico para ratificar a suspeita de SIADH. Tal parâmetro confere maior especificidade ao diagnóstico, beleza?
Existe um outro grupo de hiponatremia hipotônica normovolêmica, aquelas com sódio urinário baixo: em resumo, elas ocorrem por uma incapacidade do rim em eliminar o excesso de água livre obtido, só que por ingesta absurda de água livre, ou por falta de soluto para “jogar mais água fora”.
As três principais causas são:
Lembra quando discutimos sobre um rim que diluiu ao máximo a urina? O ADH está, para isso, “zerado”. Mas todo dia geramos algum soluto: seja por proteína degradada, seja recebendo através de dieta ou reposição. Não dá para não eliminar soluto na urina, concorda? Então, se eu posso diluir minha urina até um máximo e se há uma quantidade mínima de soluto que tem que sair, fica fácil entender que tenho um certo limite mínimo e um máximo de diurese por dia, concorda?
Pensa aí: se você ingerir 20 L de água em um dia, ainda que com diluição máxima, o soluto diário a ser eliminado acabará antes de ter jogado toda essa água fora, certo? Isso é visto em pacientes com distúrbios psiquiátricos geradores de compulsão por beber água – polidipsia psicogênica. Acabando o soluto por completo, finda-se a capacidade de gerar mais urina e acumula-se água livre!
Veja, de forma análoga, o caso dos adictos ao álcool, especialmente os que bebem grandes volumes de cerveja (que é um fluido hipotônico e pode ser entendido com água livre), a chamada potomania, e o dos desnutridos graves (as duas condições, inclusive, costumam ocorrer simultaneamente).
É preciso excretar muita água livre, mas chega-se ao máximo de diluição e não é possível eliminar “toda a cerveja”. Ou pior, a quantidade de soluto é tão baixa (no paciente desnutrido) que para excretar aquela “ridícula” quantidade de soluto, o volume de diurese fica limitado. Retenção de água livre fatalmente ocorrerá!
Para isso, apresento a abordagem que usa mais exames laboratoriais para nos guiar, considerando a dificuldade e a discrepância constatadas na diferenciação clínica, principalmente entre estados hipovolêmicos X euvolêmicos. Ela tende a evitar ou pelo menos deixar esse “julgamento” clínico mais para o fim das etapas.
Bora lá para o nosso gás final: estamos com um paciente com sódio baixo!
Próximo passo: meça a tonicidade! Lembre-se de que a tonicidade calculada só inclui Na e Glicose e, na presença de outra substância, como em intoxicações exógenas ou infusão de soluções hipertônicas, a tonicidade real estará aumentada!
Na maioria das vezes, será hipotônica.
Aqui, aprofundamos nos exames laboratoriais:
Se você disse “não” para a 4ª, então a osmolaridade urinária é ≥ 100 mOsm/L. Nesses casos, siga!
Redução de volume extracelular por perdas não renais (vômitos, diarreia, sangramento) → Se sinais de desidratação (seria a clássica hipovolêmica!).
Má distribuição de volume com alto volume extracelular → cirrose, ICC, DRC.
Percebeu que a diferenciação clínica ficou entre hiper e hipovolemia? Bem mais fácil, né?
Sim → Culpe o diurético, mas exclua demais diagnósticos diferenciais.
Não → Avalie volemia:
Euvolemia clara e manifesta → Hipóteses:
Sinais de hipovolemia:
Ufa! É isso! Revisou com essa sistematização final? Espero, de coração, que sim!
Concluímos com sucesso um tema desafiador, mas que te diferencia demais na prática clínica. Agora, já pula para o nosso texto sobre manifestações clínicas e correção da hiponatremia e finalize, da “cabeça aos pés”, esse tema absolutamente crucial que é a hiponatremia.
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HOORN, E. J.; STERNS, R. H. Causes of hyponatremia without hypotonicity (including pseudohyponatremia). UpToDate, 16 dez. 2021. Disponível em: https://www.uptodate.com/contents/causes-of-hyponatremia-without-hypotonicity-including-pseudohyponatremia. Acesso em: 4 dez. 2021.
HOORN, E. J.; ZIETSE, R. Diagnosis and Treatment of Hyponatremia: Compilation of Guidelines. J Am Soc Nephrol, v. 28, p. 1340-1349, 2017.
STERNS, R. H. Causes of hypotonic hyponatremia in adults. UpToDate, 11 maio 2020. Disponível em: https://www.uptodate.com/contents/causes-of-hypotonic-hyponatremia-in-adults. Acesso em: 4 dez. 2021.STERNS, R. H. Diagnostic evaluation of adults with hyponatremia. UpToDate, 15 set. 2020. Disponível em: https://www.uptodate.com/contents/diagnostic-evaluation-of-adults-with-hyponatremia. Acesso em: 4 dez. 2021.
Mineiro de Uberlândia, nascido em 1995, formado pela Universidade Federal de Uberlândia. Residência em Clínica Médica no Hospital de Clínicas da USP de Ribeirão Preto.