Você já parou para pensar na importância da infecção urinária na gravidez? Sabia que essa patologia representa a infecção bacteriana mais comum no ciclo gravídico-puerperal?
Ao longo deste texto, será possível entender o motivo pelo qual a infecção do trato urinário (ITU) é tão prevalente na gestação, bem como as diferentes formas de manifestação clínica e tratamento da infecção urinária na gravidez.
A infecção urinária na gravidez é extremamente comum. Isso acontece devido a uma associação de fatores capazes de facilitar a colonização do trato urinário por bactéria, bem como o desenvolvimento do processo infeccioso. Entre esses fatores, podemos citar dois principais: a dilatação ureteral e a estase urinária.
Você lembra das modificações fisiológicas no organismo materno? Recorda que a progesterona tem o papel de promover relaxamento da musculatura lisa? Pois bem, o ureter é uma das estruturas que passa por mudanças anatômicas e funcionais durante a gravidez, com aumento do lúmen, diminuição da tonicidade e motilidade. Além disso, nota-se redução do tônus vesical, com tendência ao refluxo vesico-ureteral.
Vale lembrar que o útero aumentado na gestação e o complexo ovariano ao nível de infundíbulo pélvico provocam uma compressão extrínseca do ureter, especialmente do lado direito, contribuindo ainda mais para dilatação ureteral e estase urinária.
Se não bastassem todos esses fatores, recorde-se que o ritmo de filtração glomerular aumenta na gravidez, alcalinizando a urina e diminuindo a concentração de agentes antimicrobianos próprios. Finalmente, o estrogênio facilita a adesão de patógenos nas células uroteliais.
A somatória dessas modificações resulta em estase urinária e predispõem ao desenvolvimento da ITU. Agora, você deve estar se perguntando: por que estudar infecção do trato urinário na gravidez é tão importante? Parece um tema simples, mas a verdade é está associado a múltiplos eventos adversos na gravidez, com complicações maternas e/ou fetais.
Como o próprio nome já diz, a bacteriúria assintomática é caracterizada pela presença de bactérias no trato urinário, de forma que a paciente não apresenta nenhum sintoma clínico associado.
O diagnóstico é realizado por cultura de urina, na presença de pelo menos 105 UFC/mL da mesma bactéria, na amostra de jato médio. Agora, em caso de amostra proveniente de cateterismo vesical, o valor de corte para diagnóstico cai para 104 UFC/mL.
A Escherichia coli é o patógeno mais frequente. Outros agentes que podem estar envolvidos no processo são: Klebsiella, Enterobacter, Proteus e Streptococcus do grupo B. Alguns agentes mais raros, mas que merecem ser lembrados são: Gardnerella vaginalis, Chlamydia trachomatis e Ureaplasma urealiticum.
Sabe-se que a bacteriúria assintomática aumenta o risco de pielonefrite (complicação materna), trabalho de parto prematuro e baixo peso ao nascer (complicações obstétrica e neonatal). Por esse motivo, a gestante deve ser sempre tratada.
O médico deve seguir o antibiograma para prescrever o melhor tratamento. O controle de cura das pacientes também deve ser feito, repetindo-se a urocultura uma semana após o término da antibioticoterapia. Agora, você consegue entender o motivo pelo qual a urocultura com antibiograma faz parte da rotina de exames do pré-natal?
A urocultura sempre é realizada no primeiro e no terceiro trimestres, mas considerando a importância da infecção urinária na gravidez, deve-se individualizar a pesquisa dessa complicação em grupos que têm mais risco de desenvolver ITU. São eles:
A cistite refere-se à ITU baixa. Nesse caso, a paciente costuma apresentar sintomas urinários irritativos, como disúria, polaciúria, aumento da frequência miccional e dor suprapúbica.
O quadro é chamado de cistite não complicada quando a paciente não apresenta sintomas sistêmicos, como febre, acometimento do estado geral ou dor lombar. Caso a paciente apresente febre e/ou hematúria, é um quadro de cistite complicada, cujo manejo é o mesmo da pielonefrite.
O diagnóstico definitivo desse quadro também é realizado por urocultura. De qualquer forma, diante de uma paciente com suspeita de cistite, o tratamento empírico deve ser iniciado rapidamente, logo após a coleta da cultura urinária. Com o posterior resultado, os ajustes na antibioticoterapia podem ser feitos, se forem necessários.
Novamente, o médico está diante de uma condição com controle de cura, com coleta de nova urocultura uma semana após o término do tratamento. Em média, o tempo de tratamento varia de três a cinco dias, mas alguns esquemas podem contemplar antibioticoterapia via oral por sete ou dez dias. A literatura considera os dois esquemas igualmente possíveis e com resultados equivalentes.
Agora, vamos passar para a forma mais grave de infecção urinária na gravidez: a pielonefrite. Entre 60% e 70% dos casos de pielonefrite são precedidos de bacteriúria assintomática. Essa condição clínica está associada a maior risco de sepse, morte materna e parto prematuro, quando não adequadamente tratada.
A fisiopatologia é a ascensão dos agentes ao longo do trato urinário, atingindo o córtex renal, causando inflamação dos cálices e do parênquima. Isso explica porque até 20% das gestantes com pielonefrite podem cursar com perda da função renal. Os agentes são os mesmos das cistites complicada e não complicada, sendo a Escherichia coli o mais comum.
Geralmente, o quadro clínico é caracterizado pela presença de sintomas urinários irritativos (ainda que não sejam obrigatórios), além de manifestações sistêmicas, como febre, comprometimento do estado geral, náuseas, vômitos e dor lombar. Ao exame físico, constata-se a hipersensibilidade do ângulo costo-vertebral (sinal de Giordano positivo).
Em quadro grave, recomenda-se que o tratamento seja realizado em ambiente hospitalar, com administração de antibiótico endovenoso. Não são poucas as vezes que a paciente mostra sinais de sepse, com necessidade de monitorização contínua, expansão volêmica e vigilância intensiva, sempre lembrando da vitalidade fetal se a idade gestacional já for de viabilidade.
Outras manifestações mais graves podem incluir desidratação, abscesso renal, perda da função renal, hemólise e anemia. Se a paciente apresentar boa evolução clínica na vigência de antibioticoterapia parenteral, o regime de tratamento pode ser escalonado para via oral após 48-72 horas. São critérios para a alta hospitalar:
Vale lembrar que a antibioticoterapia deve ser mantida por via oral até completar 10-14 dias do tratamento da infecção urinária na gravidez e guiada segundo o antibiograma.
Agora que você já sabe o que é infecção urinária na gravidez, é hora de se atentar ao tratamento. A seguir, confira os principais antibióticos que podem ser utilizados! Vale lembrar que, sempre que for possível, guie-se pela urocultura, optando pelos medicamentos seguros na gestação.
Antibiótico | Via de administração | Posologia | Considerações |
Fosfomicina-Trometamol | Oral | Dose única | Boa opção para bacteriúria assintomática e cistite. Segura na gestação |
Nitrofurantoína | Oral | 100 mg de 6/6h por 3-7 dias | Boa opção para bacteriúria assintomática e cistite. Se for possível, evitar no 1º trimestre (estudos inconclusivos sobre risco de malformações fetais) e no 3º trimestre (risco de anemia hemolítica materna e fetal) |
Amoxicilina | Oral | 500 mg de 6/6h por 3-5 dias | Permite esquemas mais curtos. Bom perfil de sensibilidade aos agentes mais comuns. |
Cefalexina | Oral | 500 mg de 6/6h por 5-7 dias | Boa opção para bacteriúria assintomática e cistite |
Cefazolina/Cefalotina | Endovenosa | 1 g de 6/6h | Primeiras escolhas para pielonefrite segundo o Ministério da Saúde |
Ceftriaxona | Endovenosa | 1 g de 12/12h | Opção para pielonefrite segundo o protocolo da FEBRASGO |
Mesmo após o tratamento do quadro agudo, a gestante pode se beneficiar de tratamento profilático, caso preencha os seguintes critérios de infecção urinária de repetição:
Nesses casos, o tratamento profilático é feito com nitrofurantoína 100 mg VO 1x dia ou cefalexina 500 mg VO 1x dia, sempre à noite, até o final da gestação.
Ficou claro que a infecção urinária na gravidez pode se apresentar de diferentes formas, desde a assintomática até a forma mais grave, com repercussões sistêmicas, em um processo evolutivo?
É exatamente nesse ponto que o médico deve agir ao investigar, diagnosticar e tratar. Ao cuidar da bacteriúria assintomática, por exemplo, a incidência de pielonefrite, desfechos maternos e fetais desfavoráveis é reduzida, sendo esse o grande objetivo!
Ao entender as formas de infecção urinária na gravidez, você pode aplicar todo o conhecimento obtido em questões das últimas provas de residência. Para treinar na prática, inscreva-se no PSMedway, nosso curso que prepara para a atuação médica na Sala de Emergência!
Nascida em Morungaba, interior do estado de São Paulo, em 1994. Formada em Medicina pela Universidade São Francisco em 2018. Residência em Ginecologia e Obstetrícia na Escola Paulista de Medicina - Unifesp. "A persistência é o caminho do êxito".