Vamos pensar em uma situação hipotética sobre a intoxicação por mercúrio: o paciente comparece à Unidade Básica de Saúde (UBS) com queixas de epigastralgia, gosto metálico na boca, cefaléia intermitente, parestesias, e insônia.
Nota também, um grau de irritabilidade nunca antes experimentado. “Chego a tremer, doutor”, dizia o paciente. Já durante a entrevista, o médico percebe que o paciente tem gengivite, e diante de mais este sinal, direciona sua anamnese.
Pacientes com queixas similares não são raridade neste posto de saúde. No território, existe uma fábrica de produção de cimento e já há algum tempo, a UBS organiza um grupo de trabalho para acompanhar mais de perto esses trabalhadores. E aí, até aqui, qual é a sua hipótese diagnóstica?
Pois bem! As queixas que podem soar como inespecíficas, mas que diante de um contexto epidemiológico, precisamos estudar sobre intoxicação por mercúrio.
O mercúrio, o único metal encontrado na forma líquida à temperatura ambiente, é volátil e liberta um gás monoatômico perigoso: o vapor de mercúrio. Este é estável, podendo permanecer na atmosfera por muito, mas muito tempo.
Erupções vulcânicas, evaporação natural e minas de mercúrio, erosão das rochas, movimento das águas e queima de biomassa são alguns exemplos de fontes naturais de mercúrio.
Do ponto de vista de atividades humanas, as possíveis fontes são: produtos com mercúrio adicionado, extração de ouro artesanal, centrais elétricas alimentadas a carvão, processos de fundição usados na produção de metais não ferrosos, unidades de incineração de resíduos, fábricas de cimento. Atenção ao nosso caso!
O mercúrio circula na natureza de diferentes formas. Ana Rita Correia Francisco, é autora de monografia sobre a “Química e toxicidade do Mercúrio”, e trouxe uma imagem bastante didática para fixarmos isso.
Essa é a pergunta que você deve estar se fazendo agora, certo? Então, responde-lá!
A intoxicação por mercúrio, chega por diversas formas, como: inalação, por absorção no trato gastrointestinal, pela pele, ou seja, depende da forma do mercúrio e do tipo de exposição. Nas águas, o mercúrio pode se transformar em uma forma mais tóxica para os seres humanos, fazendo com que o consumo de peixes e de frutos do mar contaminados representem um risco à saúde da população.
Além disso, vale dizer que a mineração de ouro artesanal e em pequena escala é apontada pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) como uma das principais fontes antropogênicas de contaminação ambiental pelo mercúrio no mundo. Lembrando que gestantes, lactantes, mulheres em idade fértil, crianças, indígenas e ribeirinhos são populações mais vulneráveis aos impactos do mercúrio na saúde.
Existem especificidades em relação à forma do mercúrio a que se foi exposto – mercúrio metálico, mercúrio inorgânico e metilmercúrio. Mas, não é nosso objetivo destrinchar isso neste artigo, beleza?
A nefrotoxicidade e neurotoxicidade do metal são comuns a todas as formas de apresentação do metal. Um problema relevante que merece destaque é o fato dessa substância atravessar a barreira hematoencefálica, justificando sinais e sintomas neurológicos na intoxicação.
Em caso de intoxicação aguda – efeitos surgem em 24 horas da exposição – Tosse, dispneia, tontura, espasmos musculares, tremor, hipertermia, traqueobronquite, pneumonia química, cegueira súbita, irritabilidade, nervosismo, delírios, alucinações, tendência suicida, ataxia, disartria parestesias (mãos, pés, boca), estomatite, gengivite, sialorréia, úlcera mucosa oral, dor retroesternal, são alguns sinais e sintomas possíveis.
Em caso de intoxicação crônica – exposição contínua ou repetida por tempo prolongado a baixas doses do metal – irritabilidade, tristeza, insônia, depressão, tremor que se pode iniciar na língua, lábios, pálpebras e dedos com alteração na escrita, marcha, neuropatia periférica, redução do campo visual, queda prematura dos dentes, halitose, sabor metálico na boca, dermatites de contato.
O diagnóstico das intoxicações por mercúrio pode ser determinado por critério:
Considera o histórico de exposição ao mercúrio e sua relação com as manifestações clínicas do paciente;
Evidenciado por exames laboratoriais;
Baseado na avaliação do histórico de exposição ao mercúrio (tempo, lugar e pessoa).
São ferramentas úteis para a vigilância da saúde e avaliação da exposição humana aos contaminantes químicos. Os biomarcadores mais comuns de exposição aos mercuriais são os que abrangem medições dos níveis de mercúrio total no cabelo, na urina e no sangue.
No sangue, a Organização Mundial de Saúde considera a concentração normal média de mercúrio total no sangue entre 5 e 10 µg/L em indivíduos com ausência de consumo de peixes contaminados.
Porém, é o cabelo a escolha preferida para muitos estudos. É um método não invasivo que estima a exposição de médio a longo prazo ao metilmercúrio, pois uma vez incorporado no cabelo, o mercúrio não volta para o sangue.
Os níveis de mercúrio na urina são considerados a melhor opção para exposições recentes a vapores inorgânicos de mercúrio ou mercúrio elementar, pois o mercúrio na urina é utilizado para indicar os níveis de mercúrio presentes nos rins, um dos importantes órgãos de acumulação.
Uma vez identificado um caso suspeito ou confirmado, a notificação é compulsória e semanal. As notificações devem ser inseridas no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), por meio da ficha de investigação de intoxicação exógena.
A notificação compulsória é obrigatória para os médicos, outros profissionais de saúde ou os responsáveis pelos serviços públicos e privados de saúde que prestam assistência ao paciente.
Com certeza a integração entre a vigilância em saúde e a atenção básica contribui para a investigação epidemiológica dos casos e para a qualificação das informações registradas! Concorda?
Segundo o boletim epidemiológico liberado neste ano de 2023, no período de 2006 a 2021 foram notificados no Sinan 1.103 casos de intoxicação exógena por mercúrio na população brasileira. As taxas de notificação das intoxicações exógenas (IE) por mercúrio representam menos de 1% do total de casos de IE registrados no Sinan no Brasil, nesse período.
Os estados de Roraima e Maranhão, juntamente com o Distrito Federal, foram aqueles que apresentaram as maiores taxas de notificação de IE por mercúrio – 1,49%; 0,11% e 0,12%, respectivamente. Vejam o mapa:
Quando comparado o quantitativo de registros de intoxicações crônicas e agudas observa-se, de forma geral, que há predominância das intoxicações agudas, que representaram 67,1% (741) do total de notificações no período de 2006 e 2021, enquanto os registros de intoxicações crônicas corresponderam a 19,0% (210) do total de casos.
As intoxicações por mercúrio entre profissionais da saúde bucal (técnico em higiene dental, cirurgião dentista e auxiliar de prótese dentária) corresponderam a 5,7% (12) dos casos. Subentende-se que os registros possam estar relacionados à preparação da amálgama dentária, cuja exposição ocupacional pode levar a manifestações agudas e crônicas.
Mas olha que curioso! A exposição ao metal em residências correspondeu a 61,5% do total de casos, sendo 86,7% (589) desses ocorridos de forma acidental. Em 78,47% (532) dos casos ocorridos em residência, a exposição se deu pela via digestiva. Por sorte, se é que podemos dizer isso, por essa via o mercúrio metálico não é expressivamente absorvido ou transformado pelo organismo, sendo quase completamente excretado nas fezes. Os casos notificados no ambiente de trabalho somam 21,31% (224).
Para quem vai fazer provas de residência médica esse ano, vale a pena dar uma olhada no documento, que é bastante atual!
A Convenção de Minamata sobre Mercúrio (CMM) é um marco importante dentro desse assunto! Foi instituída em 2013, no Japão, e ratificada pelo Brasil em 14 de agosto de 2018, por meio do Decreto Presidencial n.º 9.470. Em seu artigo 16, a CMM apresenta os aspectos de saúde e norteia a atuação do setor no desenvolvimento de iniciativas de proteção e promoção da saúde da população e dos trabalhadores expostos ou potencialmente expostos ao mercúrio.
A Convenção de Minamata sobre Mercúrio colocou o marco em 2020 para que a manufatura, importação e a exportação de alguns produtos contendo mercúrio não sejam mais permitidas, como: pilhas e baterias; lâmpadas fluorescentes; cosméticos; computadores, interruptores; e equipamentos de medição (manômetros; termômetros, esfigmomanômetros, barômetros e higrômetros).
O uso de termômetros e de esfigmomanômetros com coluna de mercúrio nos serviços de saúde está proibido no País desde 2019.
Revisado o assunto, podemos prosseguir com o atendimento e com a notificação do caso suspeito, concordam? Vamos resumir. Segundo o Ministério da Saúde:
Caso exposto (caso suspeito): indivíduo com provável ou conhecida história pregressa ou atual de exposição a substâncias químicas que apresenta, ou não, algum sinal ou sintoma clínico ou alterações laboratoriais.
Caso confirmado: a confirmação do caso de intoxicação exógena pode ocorrer a partir dos seguintes critérios:
Existem outras exposições e outras preocupações em relação à Saúde do Trabalhador? Sim! Vamos citar aqui uma delas que precisamos lembrar: o Saturnismo.
As principais utilizações do Chumbo incluem as baterias de chumbo-ácidas, mineração artesanal de ouro, produção de munições e explosivos, construção civil, encanamentos, fabricação de cerâmicas, vidros, soldas e tintas, proteção contra radiação ionizante, queima de combustíveis fósseis.
Outra situação que podemos nos deparar com a intoxicação pelo chumbo é quando a pessoa apresenta projétil de arma de fogo alojada em algum local do corpo.
As vias de contaminação podem ser a inalação por fumos ou poeiras e a ingestão. No sangue, cerca de 99% do chumbo liga-se aos eritrócitos e 1% está presente no plasma. É então distribuído aos tecidos moles, tais como medula óssea, cérebro, rins, fígado, músculos e gônadas. Na sequência, chegam à superfície periosteal dos ossos e, por fim, à matriz óssea.
Entendeu por que vale a pena revisar? Não confunda! Os sinais clássicos, nos casos crônicos, associados à exposição ao chumbo, são a linha gengival de Burton (linhas azuladas nas gengivas) e linhas de chumbo nas radiografias (linhas esbranquiçadas nas metáfises ósseas).
Ufa! Assunto denso e não muito corriqueiro? Depende! Isso vai variar de acordo com a sua área de atuação! Para quem vai fazer prova de residência médica, assunto quente! Notificação, saúde do trabalhador, e por aí vai! Então, volte no texto, consulte, revise, sedimente palavras-chave!
Lembrem que a notificação dos casos é uma obrigação dos profissionais de saúde, de responsabilidade coletiva! A subnotificação é um problema para o correto desenvolvimento de políticas e medidas que impactam na nossa saúde!
Um abraço e até a próxima!
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