Fala, pessoal! Hoje vamos falar sobre os macrolídeos. Certamente, você já ouviu falar da azitromicina. Atualmente, não é preciso ser da área da saúde para conhecê-la ou até opinar sobre ela. Isso porque, com a pandemia, esse medicamento se encontra dentro da maioria dos “kits de tratamento precoce” contra a Covid-19, tão amplamente divulgados em meios sociais, mesmo tendo já sua eficácia contra essa doença descartada.
Mas você sabia que a azitromicina é um representante da classe dos macrolídeos? Sabe o que são, como agem e para que são realmente indicados? Então, vem com a gente e se liga neste post para não dar mancada na hora de prescrever!
Os macrolídeos foram descobertos no início da década de 50, com o isolamento da eritromicina (o protótipo dos macrolídeos), que é produzida por algumas cepas de uma bactéria chamada Streptomyces erythraeus.
A partir da eritromicina, foram desenvolvidos derivados semissintéticos que hoje são usados como representantes da classe no Brasil: a claritromicina e a azitromicina. Essas modificações aumentam a estabilidade em meio ácido e melhoram a penetração dos tecidos, aumentando também o espectro de ação.
Os macrolídeos são antibióticos bacteriostáticos, isto é, inibem o crescimento bacteriano, facilitando que nosso próprio sistema imunológico possa eliminar os agentes da infecção que se deseja tratar. Eles agem inibindo a produção de proteínas pelas bactérias.
Para isso, vamos precisar nos lembrar das aulas de biologia celular dos primeiros períodos da faculdade. Lembrem-se de que a produção de proteínas acontece nos ribossomos, que são pequenas estruturas presentes nas células de todos os seres vivos, desde as mais simples, como as das bactérias, quanto às mais complexas, como as nossas humanas.
Todos os ribossomos são formados por duas subunidades. O que muda é que os nossos são maiores e mais complexos, formados por uma subunidade de tamanho 60s e uma menor 40s, enquanto que as estruturas bacterianas são formadas por uma subunidade maior 50s e uma menor 30s. Isso é extremamente importante, pois garante especificidade aos macrolídeos, que atuam nas subunidades 50s.
Caso todas as estruturas fossem iguais em todas as espécies, essas medicações também atrapalhariam a nossa síntese proteica, sendo igualmente nocivos a nós.
Os macrolídeos irão se ligar, reversivelmente, a uma região da subunidade maior dos ribossomos de microrganismos susceptíveis. Ao se ligar nessa região entre os sítios A e P, eles inibem a translocação da cadeia de peptídeos que está sendo formada no sítio A para o sítio P, ação que seria realizada por uma proteína ribossomal chamada peptidil transferase.
A translocação é importante para liberar o sítio A para receber um novo RNA transportador que estaria trazendo o próximo peptídeo a se anexar à cadeia, inibindo assim a síntese de proteínas da célula. Sem produção de proteínas, não há crescimento e desenvolvimento de qualquer ser vivo. Esse mecanismo de ação é ilustrado na imagem abaixo.
Esses antibióticos são mais ativos in vitro contra bactérias aeróbicas Gram-positivas, que acumulam aproximadamente 100 vezes mais eritromicina do que as Gram-negativas. São praticamente ineficazes contra os germes da família Enterobacteriaceae, à qual pertencem a famosa E. coli, entre outros Gram-negativos aeróbicos entéricos.
Os macrolídeos podem ter ação contra algumas micobactérias (como o Mycobacterium avium complex) e alguns protozoários (como Toxoplasma gondii e Plasmodium spp.), mas não possuem qualquer efeito contra os vírus ou fungos.
A claritromicina é discretamente mais potente contra cepas de Strepto e Staphylococcus, enquanto a azitromicina é geralmente menos efetiva contra organismos Gram-positivos, porém mais ativa contra H. influenzae e Campylobacter spp. Ambas têm atividade contra M. catarrhalis, Chlamydia spp., L. pneumophila, B. burgdorferi, Mycoplasma pneumoniae e H. pylori (em negrito, os germes causadores das chamadas pneumonias atípicas).
Ok, agora que já vimos de onde vem e como agem esta classe, vamos agora para a parte prática de como e quando usá-los.
Devido aos seus potenciais de ação contra Streptococcus pneumoniae, H. influenzae, M. catarrhalis e os atípicos (Chlamydophila pneumoniae, Mycoplasma pneumoniae e Legionella pneumophila), os macrolídeos são possibilidades alternativas no tratamento de exacerbações de bronquite crônica, otite média aguda, faringoamigdalite estreptocócica e sinusite bacteriana aguda.
Não podemos nos esquecer do mais importante aqui nesse grupo de infecções: a pneumonia. Lembrem-se de que as diretrizes brasileiras de pneumonia adquirida em comunidade indicam os macrolídeos em monoterapia como tratamento de primeira escolha para os casos de pneumonia leve a moderada.
Mesmo nos casos de pneumonia grave ou com fatores de risco, eles ainda estão indicados, porém associados a um betalactâmico, para garantir cobertura aos germes atípicos. Para saber mais sobre pneumonia comunitária, já temos um post muito bom sobre o assunto. É só clicar!
As Chlamydias são agentes muito importantes quando falamos das DSTs, já que uretrites, cervicites, doença inflamatória pélvica e até o linfogranuloma venéreo são causadas por este agente altamente susceptível a esta classe de antimicrobianos.
Ah, um detalhe essencial em se tratando de DSTs: a facilidade do esquema terapêutico! A maioria dessas infecções pode ser adequadamente tratada com uma dose única de azitromicina 1g. Só não vamos nos esquecer de, a depender do caso, considerar a possibilidade de envolvimento de Gonococo também, o que implica a adição de alguma outra droga no esquema, como o ceftriaxone.
Lembrem-se de que em alguns casos selecionados de pacientes considerados de alto risco para o desenvolvimento de endocardite infecciosa, como aqueles portadores de valva protética, devemos administrar um antibiótico profilático antes de procedimentos dentários ou invasivos em vias aéreas. Embora os agentes de escolha sejam as penicilinas, em pacientes alérgicos, os agentes alternativos serão os macrolídeos.
Embora a mais famosa micobactéria seja a causadora da tuberculose, quando falamos de pacientes imunocomprometidos, como portadores da Aids, devemos considerar a possibilidade de infecção por outros microrganismos pertencentes a este grupo, que podem causar infecções sistêmicas e potencialmente graves: as micobactérias não tuberculosas, com destaque ao Complexo Mycobacterium avium (MAC).
Os protocolos e diretrizes brasileiros de tratamento (PCDT) da Aids indicam profilaxia para MAC com azitromicina 1.500mg/semana, ou alternativamente a claritromicina, para todos os pacientes HIV+ com contagem de linfócitos CD4 menor que 50 células. Para esquema de tratamento propriamente dito dessas condições, os macrolídeos também serão empregados, porém em associação a outras drogas, e não em monoterapia.
Os protocolos atuais de erradicação do H. pylori indicam como esquema terapêutico de primeira linha uma associação de amoxicilina com a claritromicina por 14 dias, juntamente a um IBP por quatro semanas.
Não! Essa classe de drogas tem ainda um potencial adicional, um uso que pode ir além de suas capacidades antimicrobianas: seus efeitos imunomoduladores!
Sim, os macrolídeos têm essa ação, justificando inclusive seu uso como medicação de uso contínuo em algumas situações.
Isso acontece pois há evidências de alterações na produção de muco, citocinas, proteínas de adesão e funções inflamatórias com esta classe, justificando seu uso na prevenção de exacerbação de várias doenças do trato respiratório.
Alguns exemplos dignos de nota são o DPOC e condições como a fibrose cística e bronquiectasias, com tratamento de base já otimizado, porém ainda apresentando exacerbações. Nesses casos, o regime geralmente prescrito é azitromicina 500mg nas segundas, quartas e sextas-feiras, com melhora da qualidade de vida, expectoração e redução das descompensações agudas.
Uma outra indicação que pode ser uma surpresa é seu uso para a acne vulgar inflamatória. Sim, isso mesmo, usar um antibiótico para tratar espinhas! Vários estudos sugerem evidências desse uso, geralmente feito em “pulsos”. Uma sugestão é a azitromicina 500mg ao dia, por 4 dias consecutivos no mês, por um total de 3 meses.
Por fim, vocês sabiam que os macrolídeos podem ser usados como pró-cinéticos? Especialmente a eritromicina, que estimula a motilidade do trato gastrointestinal (TGI) por agir em receptores da motilina, pode ser usada em casos de íleo paralítico pós-operatório ou de gastroparesia refratária ou intolerante aos pró-cinéticos de uso comum.
Até agora, parece um remédio dos céus, porém não é bem assim. Agora, vamos falar um pouco dos pontos negativos dos macrolídeos.
Dentre os efeitos adversos, podemos citar principalmente a intolerância gastrointestinal, como diarreia. Lembrem-se de que eles são pró-cinéticos! Além disso, há um potencial de hepatotoxicidade e cardiotoxicidade, podendo induzir prolongamento de intervalo QT e arritmias.
Assim como qualquer antibiótico, os macrolídeos estão susceptíveis ao desenvolvimento de resistência bacteriana, o que mostra ser uma questão importante a ser considerada, principalmente com uso indiscriminado dessas medicações. Basicamente, as bactérias podem apresentar quatro mecanismos de resistência a esta classe.
Proteínas de membrana que bombeiam ativamente as moléculas da droga para fora das células, impedindo que as mesmas exerçam suas funções. Esse mecanismo pode ser encontrado nos Staphylo e nos Streptococcus.
Enzimas que modificam o sítio de ação da droga dentro dos ribossomos, diminuindo sua ligação a estas estruturas. Esse mecanismo pode inclusive conferir resistência cruzada a outras classes de drogas, as lincosamidas e as estreptograminas, que agem no mesmo sítio de ligação.
A destruição das moléculas de macrolídeos acontece através de hidrólise por esterases produzidas por Gram-negativos da família Enterobacteriaceae.
Alteram a estrutura da subunidade 50s dos ribossomos bacterianos, encontrados em Gram-positivos, micobactérias, B. subtilis e Campylobacter spp.
Como pudemos ver, os macrolídeos são ótimas medicações, com inúmeras aplicabilidades e indicações, desde que bem usados e com racionalidade. Daí a importância de sempre reforçar e bater na tecla do uso racional de antibióticos.
Eles não são sintomáticos e não abreviam ou amenizam infecções causadas por vírus. Pelo contrário, apenas adicionam novos efeitos indesejáveis que não eram esperados apenas pela infecção em si.
Infelizmente, os macrolídeos têm sido alvo de uso e prescrição indiscriminados, sendo disseminados pela população com pouca ou nenhuma evidência ou indicação médica. Isso apenas trará cada vez mais resistência, fazendo com que essas medicações tão úteis possam ser cada vez menos utilizadas com eficácia segura. Por isso, meus amigos, busquem sempre informações de qualidade, acompanhem nosso blog ou outras fontes confiáveis e vamos usar os antimicrobianos sempre com racionalidade e sabedoria para, juntos, tornarmos o futuro melhor!
Esperamos muito que você tenha gostado. Agora que você já está mais informado sobre macrolídeos, confira mais conteúdos de Medicina de Emergência, dá uma passada lá na Academia Medway. Por lá disponibilizamos diversos e-books e minicursos completamente gratuitos! Por exemplo, o nosso e-book ECG Sem Mistérios ou o nosso minicurso Semana da Emergência são ótimas opções pra você estar preparado para qualquer plantão no país.
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Goiano, nascido em Rio Verde, interior do estado, em 1994. Meio mineiro, formado pela Universidade Federal de Uberlândia em 2018, com residência em Clínica Médica pelo Hospital de Clínicas da USP em Ribeirão Preto, término em 2021. Super curioso, apaixonado em aprender e ensinar.