Meningite Herpética: do diagnóstico ao tratamento

Conteúdo / Medicina de Emergência / Meningite Herpética: do diagnóstico ao tratamento

Quando suspeitar de uma meningite herpética? Bem, esse é o principal desafio que o clínico ou o neurologista possuem num ambiente de Urgência e Emergência. 

A identificação dos sintomas principais e o início da investigação podem trazer medo e insegurança, para muitos colegas. Hoje, no entanto, vamos trabalhar de forma prática e direta a maneira de realizar esse diagnóstico e começar o tratamento clínico nas primeiras 24 horas dos sintomas! 

Mas antes de tudo, o que é a meningite ou a meningoencefalite herpética? Vamos começar com conceitos básicos para entendermos essa doença um pouco melhor. 

Conceitos básicos

Meningite

É uma infecção ou inflamação no sistema nervoso central. No nosso caso, esse local será nas meninges – mais especificamente, na pia-máter e aracnoide. Ou seja, é um processo inflamatório das meninges que cursa com um aumento da celularidade no líquido cefalorraquidiano (LCR). A depender do agente etiológico, poderemos ou não ter também outras alterações no LCR: das proteínas, glicose, lactato, etc. 

Soa complicado, mas é essa diferenciação na análise do líquor que vai nos dizer qual dos diversos agentes etiológicos está envolvido, sejam eles bactérias, micobactérias, fungos, vírus e doenças autoimunes (as famosas meningites assépticas!).

Figura ilustrando uma meninge, onde ocorre a meningite herpética
Figura ilustrando uma meninge (Créditos: MSD Manuals)

Evidenciando as meninges e sua relação com o córtex cerebral: de fora para dentro podemos ver: crânio, dura-máter, aracnoide, espaço subaracnoide, pia-máter e cérebro, sendo as últimas 4 estruturas as mais envolvidas nas meningites e meningoencefalites herpéticas 

Encefalite

Nesta condição, a infecção ou inflamação  se encontra no parênquima encefálico, causando um déficit neurológico focal. Como assim? São exemplos: crises convulsivas, hemiparesia, alterações de nervos cranianos, aumento dos reflexos tendinosos profundos, alterações da linguagem e fala. O paciente se apresenta, muitas vezes, confuso, agitado, desorientado em tempo ou espaço. 

Aprofundando um pouco na clínica

As meningites causadas pela família herpes se encontram entre as principais causas etiológicas virais, entre os quadros fatais, lembrando que as mais comuns são causadas pelo herpes simples 1 e 2. 

Elas se distribuem por todas as faixas etárias, de neonatal até a população mais idosa.

As apresentações clínicas mais comuns no dia a dia (fora da faixa etária pediátrica) podem ser divididas em 2 pacientes “típicos”: 

  1. Paciente com quadro de cefaleia, com uma dor que nunca apresentou na vida, ou até mesmo com um padrão de uma cefaleia prévia (ou seja, o paciente tinha um tipo de dor cabeça, como uma enxaqueca, e agora apresenta uma dor diferente), podendo ou não estar acompanhada de mais outros 2 sintomas, a febre ou a irritação meníngea. Quando esta tríade se apresenta de forma completa, a suspeita se torna mais fácil! Porém um paciente que apresenta cefaleia com queda do estado geral, com ou sem febre, deve ser investigado se não apresentar algum outro foco específico! Ou seja, se ele não fecha critérios para sinusite, não tem ITU, não apresenta GECA, o sintoma guia é DOR DE CABEÇA (sem fechar critério para dores específicas como uma enxaqueca ou outros quadros primários) e a investigação deverá prosseguir.
  1. Alteração de comportamento/consciência como sintoma guia. Teríamos aqui um paciente jovem ou adulto apresentando pela primeira vez na vida um quadro agudo de alteração comportamental, agitação e agressividade, lembrando um primeiro episódio de surto psicótico, associado a alteração do estado geral. Ou um idoso que, de forma aguda, começou a apresentar desorientação e alterações da fala ou linguagem (esse segundo contexto tem muita importância na prática!). É preciso ter muito cuidado para não classificar esse paciente como um delirium de causa infecciosa urinária ou pulmonar, o que atrasaria o diagnóstico de uma encefalite! Colha a anamnese com bastante atenção e evite conclusões precipitadas como “ah, deve ser mais um idoso iniciando um quadro demencial, fazendo um delirium por uma infecção urinária”. Combinado?

E como eu diagnostico uma meningoencefalite herpética?

Agora, ou estamos com um paciente com um quadro clínico suspeito de meningite herpética, ou estamos com um paciente em que precisamos excluir uma infecção no SNC, pois já excluímos todos os outros possíveis diagnósticos. Como devemos começar nossa investigação? 

Primeiro, preciso que você perca o medo de investigar e tratar pacientes neurológicos! Nós iremos começar a investigação da mesma forma que fazemos para todo quadro infeccioso grave: exames séricos (hemograma, proteína c reativa, VHS, HIV 1 e 2, íons e eletrólitos, função renal e hepática) para avaliar e dimensionar o grau de inflamação e complicações dos sistemas, associados a exames específicos para o foco da infecção, que nesse caso será o sistema nervoso central. 

Não há dúvidas que vamos realizar uma punção liquórica, para analisar o LCR do paciente, e também vamos pedir exames de imagem, mas qual deve ser nossa sequência?

  • Tanto pela disponibilidade quanto pela rapidez da técnica, nossa primeira escolha será a TC de crânio, para nos ajudar a visualizar alterações e para excluir contraindicações à realização de uma punção lombar.
    Observação: não se deve realizar a punção lombar antes da imagem em diversas situações, e algumas delas são: déficit focal, alteração ou rebaixamento do nível de consciências, papiledema. A TC de crânio até pode estar normal em um primeiro momento Porém, alterações na TC de crânio na fase aguda estão relacionadas a um pior prognóstico e gravidade do quadro, podendo haver hipodensidades e perda da diferenciação córtico subcortical (principalmente nos lobos temporais), assim como pequenos sangramentos nos mesmos locais, evidenciando uma lesão necro hemorrágica. 
  • O próximo passo é mandatório: a análise do LÍQUOR é fundamental para a identificação do agente etiológico. O LCR vai estar alterado na maioria das vezes, podendo estar normal apenas em casos muito precoces do início dos sintomas (porém essa é exceção e não a regra!). Geralmente o que iremos identificar é uma celularidade indo de 10 – 400 células/mL com predomínio linfomonocitário, presença de hemácias em até 80% dos pacientes (sem que isso seja um acidente de punção), assim como a proteína elevada. Além da análise inicial, deverá ser solicitado PCR para familiar herpes/painel pan herpes no LCR. A sensibilidade e especificidade desse método podem chegar a 98% e 99% respectivamente, devendo sempre ser solicitado. 
  • Sempre que disponível, a RM de crânio e EEG devem ser solicitados. A RM de crânio (com ou sem contraste) é o exame de imagem de escolha, e estará alterada em quase 100% dos casos, desde o começo dos sintomas, com um hipersinal em T2 representando edema, principalmente nas lobos mesial temporal e orbitofrontal, assim como no córtex da ínsula, e alterações assimétricas nos lobos temporais são muito características. Alguns estudos mostram que a RM pode se alterar até mesmo antes do PCR para o herpes (no LCR). Já o EEG se encontra alterado em mais de 80% dos casos, apresentando alterações focais, desde quadros inespecíficos até descargas epileptiformes, quando essas alterações são em lobos temporais. Tais achados reforçam ainda mais a hipótese de meningite herpética pelo herpes vírus 1.

Beleza! Para finalizar, como tratar a meningite herpética?

As meningites herpéticas estão entre as infecções do SNC mais graves que existem! Por conta disso, o paciente com suspeita deverá ser encaminhado e monitorado em ambiente de terapia intensiva, assim como receberá suporte clínico intensivo. Eventualmente, o paciente pode evoluir com rebaixamento do nível de consciência, necessitando de uma via aérea avançada, por exemplo.

A única medicação que comprovadamente atua nesse tipo de infecção é o aciclovir endovenoso, que deverá ser ministrado num regime de 10 mg/kg a cada 8 horas por um período de 14 a 21 dias (lembrem sempre de corrigir a dose para a função renal!). Existem poucos estudos evidenciando o resultado do valaciclovir oral, então a droga de escolha é mesmo o aciclovir. Não há indicação de iniciar corticóide para meningite herpética, como ocorre nos quadros como tuberculose. 

O tratamento deve ser iniciado de forma precoce, e devemos avaliar os 3 marcadores que se indicam melhor prognóstico:

  • Início do tratamento nas primeiras 24 horas do início dos sintomas;
  • Início do tratamento antes da perda de consciência;
  • Início do tratamento com o glasgow entre 9-15.

Ou seja, nós queremos que o nosso paciente receba o tratamento com aciclovir endovenoso o mais rápido possível!!! Então, se você está em um serviço que a tomografia será demorada, que você não tem material ou experiência para realizar a punção lombar com a coleta do LCR, o tratamento da meningite herpética deve ser iniciado de forma empírica!

Por fim, uma última dúvida que você pode ter ficado: “mas e se depois de toda a investigação, minha hipótese mudar, eu posso suspender a medicação?” Apenas em pacientes de baixo risco, ou seja, LCR normal, RM de crânio normal, EEG normal, e no paciente sem alteração no nível e do conteúdo de consciência. 

É isso!

Acho que encerramos toda a discussão sobre a meningite herpética!

E como estão seus conhecimentos de intubação? Ainda dá um “medinho” na hora de fazer? Se esse é seu caso, dá já uma olhada no nosso Guia Rápido de Intubação Orotraqueal, que traz tudo o que você precisa saber para realizar esse procedimento com segurança!

Mas antes de você ir embora, uma dica: quer acumular mais conhecimento ainda sobre a área, o PSMedway, nosso curso de Medicina de Emergência, pode ser uma boa opção. Lá, vamos te mostrar exatamente como é a atuação médica dentro da Sala de Emergência!

Aliás, fica aqui mais uma sugestão: temos um material que pode te ajudar com isso, que é o nosso Guia de Prescrições. Com ele, você vai estar muito mais preparado para atuar em qualquer sala de emergência do Brasil.

Se tiver ficado alguma dúvida, deixa aqui nos comentários para respondermos. Um abraço!

É médico e quer contribuir para o blog da Medway?

Cadastre-se
Luiz HenriqueLibardi

Luiz Henrique Libardi

Médico capixaba, graduado pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Neurologista e Mestre pela Escola Paulista de Medicina (Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP). Fellow em Neuromuscular pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP).