Miocardite viral: dor no peito… e algo mais?

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Bom… Sejam muito bem vindos a mais um tópico. Muita informação boa e assertiva das quais farão diferença pra você e ampliarão seu leque de diagnóstico! Miocardite viral é frequentemente subdiagnosticada e, portanto, não reconhecida e/ou tratada adequadamente — e o que pode ser feito para isso não ocorrer com você? Falaremos por aqui!

Você certamente entenderá mais a respeito de um tema em que a suspeição diagnóstica e o reconhecimento da história natural da doença pode ser fácil pela clínica de dor torácica e elevação de troponina em pacientes jovens com quadro clínico viral prévio; ou até mesmo ser surpreendido por taquiarritmias de difícil controle ou quadro de insuficiência cardíaca na sala de emergência.

Ah, e nós temos uma dica para você. Como está a sua interpretação de eletrocardiogramas? Seja para compreender imagens em uma prova de residência ou mesmo para o diagnóstico, todo mundo sabe que ela é fundamental. Então, que tal ir do zero ao especialista em ECG com nosso curso?

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Então vamos lá, sempre com muito amor pela medicina.

Figura 1. Imagem histopatológica de miocardite viral na autópsia em paciente com insuficiência cardíaca congestiva aguda. A etiologia viral, entretanto, não foi determinada no estudo sorológico.
Figura 1. Imagem histopatológica de miocardite viral na autópsia em paciente com insuficiência cardíaca congestiva aguda. A etiologia viral, entretanto, não foi determinada no estudo sorológico. Disponível em: https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/5/54/
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O que é miocardite viral e quais os patógenos mais comuns?

De maneira intuitiva conseguimos entender que a miocardite é uma doença inflamatória que ocorre no miocárdio. Ok! Entre uma variedade de doenças infecciosas que podem ativar o sistema imunológico local e então afetar o músculo cardíaco, as infecções virais são as mais comuns, determinando a miocardite viral.

Os vírus cardiotróficos mais prevalentes são os adenovírus, enterovírus, parvovírus-B19, herpes simples, vírus da hepatite C, citomegalovírus e Epstein-Barr. A prevalência do perfil viral varia conforme o meio estudado.

Como evitar a perda do diagnóstico de miocardite viral?

Perder o diagnóstico, pode significar, em última análise perder o paciente? Claro! A miocardite viral pode ser subdiagnosticada por apresentar um perfil de apresentação clínica extremamente variável! O paciente pode receber alta correndo risco de morte súbita ou piora evolutiva da função ventricular gerando um quadro de franca insuficiência cardíaca.

Este fato pode ser amplificado por não haver um teste diagnóstico isolado sensível e específico o bastante para você bater o martelo; então, preste bem atenção para o reconhecimento da miocardite viral.

Manifestações clínicas e diagnóstico

Como já dito antes, o espectro clínico da miocardite viral é extremamente amplo, o que pode variar desde quadros subclínicos com dilatação e disfunção ventricular assintomática, quadros sintomáticos ou síndrome de insuficiência cardíaca aguda fulminante com choque cardiogênico refratário à todas as medidas de suporte.

Até em 80% dos casos o paciente enfrentará mialgia, fraqueza inespecífica e febre. Dispnéia, palpitação, síncope e dor torácica – que pode mimetizar a dor anginosa – também são sintomas comuns. Insuficiência cardíaca, arritmias e morte súbita são as formas de apresentação de maior gravidade.

O exame físico é frequentemente normal nos casos leves a moderados. O ruído de atrito pericárdico pode ser audível nos pacientes com pericardite associada. Em casos graves, você pode se deparar com sinais e sintomas de insuficiência cardíaca.

Alterações eletrocardiográficas e/ou elevação de troponina e/ou alteração contrátil segmentar, em vigência de dor torácica pode te confundir na estratégia diagnóstica inicial e não ultrapassar o seu limiar de reconhecimento desta entidade, causa relevante de dor torácica na sala de emergência! A síndrome coronariana aguda é um diagnóstico diferencial importante.

Você deve suspeitar de miocardite viral em pacientes com quadro clínico sugestivo, que apresentam aumento nos biomarcadores cardíacos (p. ex. troponina); alterações no ECG sugestivas de dano cardíaco (p. ex. arritmia ou alteração da repolarização ventricular); evidência de função cardíaca alterada (p.ex anormalidades globais ou regionais da função sistólica do VE determinadas por ecocardiografia ou ressonância magnética cardíaca), particularmente se os achados clínicos forem novos e inexplicados em pacientes jovens e sem fatores de risco cardiovasculares para doença arterial coronariana.

Falando em ECG, se você ainda tem dúvidas sobre a interpretação desse exame, sugiro dar uma olhada no nosso e-book gratuito ECG Sem Mistérios, que traz todas as informações que você precisa saber sobre a interpretação desse exame, incluindo as 5 principais etapas na hora da análise sistemática de um ECG.

Diante de clínica indistinguível de síndrome coronariana aguda, podemos lançar mão da ressonância cardíaca em que, neste último caso, poderá demonstrar a presença de realce tardio após a infusão de gadolíneo acometendo o subendocárdio.

Critérios histológicos de Dallas

O diagnóstico definitivo de miocardite viral é baseado, tradicionalmente, nos critérios histológicos de Dallas, obtidos por biópsia endomiocárdica – que não está indicada para todos os pacientes – e que contemplam a visualização de necrose e inflamação miocárdica. Este método possui baixa sensibilidade e abordagem invasiva: pensa que você pode solicitar uma biópsia que não foi capaz de abranger a área cardíaca segmentar acometida pela doença!

A pesquisa de concomitante de PCR de genoma dos vírus mais comumente envolvidos na miocardite viral é capaz de elevar a sensibilidade do método, que não é isento de complicações e exige pessoal treinado para coleta, processamento e análise adequada do material.

As principais indicações de biópsia miocárdica na miocardite viral são:

1) Quadros de insuficiência cardíaca aguda (menos que duas semanas) sem etiologia definida e de rápida evolução, determinando comprometimento hemodinâmico.

2) Insuficiência cardíaca de início recente (menos que três meses), sem etiologia definida, que se apresentam de maneira concomitante com ausência de resposta ao tratamento inicial dentro de uma ou duas semanas e falha do sistema de condução ou arritmias ventriculares complexas.

Miocardite fulminante: o que é?

Apesar da miocardite viral, na maioria das vezes, ser uma doença autolimitada que não deixa sequelas, pode haver recorrência nos casos de comprometimento grave, especialmente quando acompanhada por disfunção grave do VE (FEVE < 35%), com risco de evoluir para uma forma crônica e para cardiomiopatia dilatada.

Em geral a miocardite fulminante ocorre uma evolução da miocardite viral rapidamente progressiva (menos que duas semanas), ocasionando choque cardiogênico. A entidade surge com a exacerbação da resposta imunológica pelo hospedeiro, com produção aumentada de citocinas inflamatórias e decréscimo significativo da função ventricular.

Qual é o tratamento de miocardite viral?

A terapia de primeira linha para todos os pacientes com miocardite viral e insuficiência cardíaca baseia-se nos cuidados de suporte. A minoria dos pacientes precisará de suporte hemodinâmico com vasopressores, balão intra-aórtico ou dispositivos de assistência ventricular.

Pacientes com miocardite viral podem desenvolver arritmias, que geralmente desaparecem após a fase aguda. A terapia nestes casos também será de suporte e monitorização constante, muitas vezes com necessidade do uso de antiarrítmicos ou de terapia elétrica.

Imunossupressão com corticoterapia, azatioprina e/ou ciclosporina e imunomodulação com imunoglobulina intravenosa podem ser indicados em casos específicos.

Quando a instabilidade e a gravidade não estiverem presentes, você pode orientar medidas gerais, que se constituem de repouso; evitar ingesta alcoólica; evitar atividade física por 6 meses; analgesia para alívio de dor torácica – sendo que os AINES estão contraindicados; tratamento padrão de insuficiência cardíaca com IECA/BRA, betabloqueadores e antagonista de aldosterona, com ou sem diureticoterapia.

Você aprendeu o teor desta mensagem? Dor no peito e mais algumas coisas que não são justificadas por coronariopatia aguda, seja pelo perfil clínico epidemiológico do paciente que você está atendendo e/ou pelas evidências de exames complementares: aqui não é necessário dupla antiagregação!

Alta para domicílio também não é factível. O doente com miocardite viral precisa ser seguido na fase hospitalar e ambulatorialmente.

É isso!

Gostou? Agora você não precisa passar aperto com seu paciente quando se deparar com uma miocardite viral! Aliás, se quiser mais uma dica, aproveita e dá uma olhada no nosso Guia de Prescrições! Com ele, você estará muito mais preparado para encarar qualquer plantão do Brasil!

Ah, e já que falamos várias vezes a respeito da insuficiência cardíaca (IC), que tal conferir um vídeo interessantíssimo publicado no nosso canal do Youtube? Com ele, os seus conhecimentos ficarão cada vez mais aprimorados. Não vai perder, hein?

Um abraço e até breve!

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DhiegoCampostrini

Dhiego Campostrini

Nascido em 1990. Médico graduado em 2014. Formado em Clínica Médica pelo Hospital Santa Marcelina-SP. Residência em Cardiologia da UNIFESP-EPM. Ex-preceptor, médico concursado do Hospital do Servidor Público Municipal - SP. Apaixonado por aprender e ensinar; fascinado pela Medicina.