A necrólise epidérmica tóxica (NET) é uma emergência dermatológica rara, mas com mortalidade elevada. Por esse motivo, não podemos comer bola aqui.
Sei que na sua prática médica, a imensa maioria dos casos dermatológicos que você atende são condições relativamente simples, e sua conduta costuma ser prescrever corticoide e consultar com um dermato ambulatorialmente. Mas nesse caso, meu amigo, o buraco é mais embaixo, e a sua conduta tem que ser assertiva, até porque o paciente corre risco de vida.
Que tal entender este assunto e não comer bola no plantão? Continue a leitura que a gente te explica!
Nós, médicos e estudantes de medicina, costumamos gostar de doenças com nomes/epônimos complicados. Por conta disso, talvez você já tenha ouvido falar da “irmã da NET”, a síndrome de Stevens-Johnson (SSJ). SSJ e NET são basicamente a mesma patologia, com a diferença apenas no grau de acometimento (falaremos sobre isso na sequência).
Beleza, mas então o que seria a NET (e a SSJ)? A NET é basicamente uma reação de hipersensibilidade cutânea secundária – na maioria dos casos, a medicações. Sua fisiopatologia ainda não é bem compreendida, mas sabe-se que ocorre uma resposta imunológica específica com apoptose de queratinócitos deflagrada por antígenos/metabólitos (presentes nos medicamentos).
Mais de 80% dos casos são causados por medicamentos. Os mais comumente associados serão descritos na tabela abaixo. Atenção aqui!
Medicamentos associados à NET |
Anticonvulsivantes (lamotrigina/carbamazepina/fenitoína/fenobarbital) |
Alopurinol (>100mg/dia) |
Sulfonamidas (clotrimazol/sulfassalazina/sulfadiazina) |
Antibióticos (penicilina/cefalosporina/quinolona/doxiciclina/eritromicina/rifampicina/minociclina) |
Sertralina |
Paracetamol/Dipirona |
Nevirapina |
AINEs (diclofenaco/ibuprofeno/naproxeno/cetoprofeno/piroxicam/celecoxibe) |
Contraste iodado |
Estes são apenas os mais comuns. Mais de 100 já foram descritos como desencadeantes.
Além de medicamentos, outras possíveis causas seriam:
Os sintomas costumam aparecer cerca de 3 a 7 semanas após a exposição ao medicamento (período de latência). Inicialmente, o paciente pode apresentar apenas pródromos (febre, astenia e mal-estar), com duração normalmente de até 3 dias.
Exame dermatológico (aqui filho chora e a mãe não vê…):
Ficou claro? Eu sei que não, por isso, abaixo te trago algumas imagens (retiradas do UpToDate) para elucidar o que foi falado acima.
Aqui é fácil, temos um eritema como “pano de fundo” e presença de algumas bolhas.
Aqui, temos uma “lesão em alvo atípico” – lesão eritematosa arredondada com uma bolha necrótica ao centro.
Nestas duas imagens, podemos observar o descolamento na pele. Caso tenha sido causado após uma leve pressão/tração, falamos em sinal de Nikolsky positivo.
Então, o diagnóstico de NET pode ser dado observando o quadro clínico e a relação com exposição a medicamentos (aqui, cito o algoritmo de ALDEN para causalidade de medicações no quadro de NET. Vários critérios são avaliados, com diferentes pontuações em cada item, ou seja, complexo e não vale a pena decorar, mas guarde o nome – ALDEN – e se algum dia precisar, pesquise. Google it!).
Para confirmação diagnóstica, temos que lançar mão de uma biópsia da pele para análise histopatológica
Suspensão da medicação desencadeante!
Sempre está indicada a internação imediata, bem como deve ser solicitado avaliação da equipe da dermatologia.
A internação em leito em UTI é indicada se a área de descolamento for maior que 30% (ou seja, NET) ou houver presença de 2 dos seguintes critérios:
Diversas condutas podem ser adotadas para o cuidado da pele na NET, tais como:
A avaliação diária é necessária, tendo em vista a rápida progressão da doença em nível dos olhos que pode ocorrer.
Podem ser usados colírios lubrificantes apenas, contendo corticoide ou até mesmo antibiótico, dependendo da gravidade do quadro.
Por conta das áreas desnudadas, pode ocorrer desequilíbrio de fluidos e eletrólitos. Por conta disso, temos que corrigir os distúrbios eletrolíticos e repor volume. Nesses casos, a reposição é cerca de ⅓ menor do que a necessária para os pacientes vítimas de queimaduras.
Reposição de cristaloides nas primeiras 24 horas: 2 ml/Kg x % de área corporal com descolamento de pele.
A alimentação oral (se necessário via sonda nasogástrica) deve ser iniciada o mais rápido possível.
A dor é comum nos casos de NET e pode ser muito intensa.
Ainda não são consenso na literatura e seu uso é baseado em experiência clínica e diretrizes locais.
A mortalidade nos casos de NET é de cerca de 30% (enquanto que na Síndrome de Stevens-Johnson é de aproximadamente 10%). Sendo que as principais causas de morte intra-hospitalar são: sepse, SDRA e falência múltipla de órgãos.
A recorrência é alta nos casos de NET, quando o paciente é re-exposto à droga deflagradora.
E sobre sequelas?
Agora não podemos mais fazer piada de que na dermato não tem emergência, porque acabamos de ver que existe, sim, e das grandes. Mas se chegar um quadro de NET, sabemos o que fazer agora.
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HIGH, Whitney A. Stevens-Johnson syndrome and toxic epidermal necrolysis: Pathogenesis, clinical manifestations, and diagnosis. UpToDate, 10 ago. 2021. Disponível: https://www.uptodate.com/contents/stevens-johnson-syndrome-and-toxic-epidermal-necrolysis-pathogenesis-clinical-manifestations-and-diagnosis. Acesso em: 4 dez. 2021.
Gaúcho, de Pelotas, nascido em 1997 e graduado pela Universidade Federal de Pelotas (UFPEL). Residente de Clínica Médica na Escola Paulista de Medicina (UNIFESP). Filho de um médico e de uma professora, compartilha de ambas paixões: ser médico e ensinar.