Fala galera! Quem nunca entrou em desespero quando viu um hemograma com níveis reduzidos de alguma das linhagens celulares do sangue periférico? Se você já, fique tranquilo, porque agora vamos discutir de maneira sistemática um assunto super relevante na prática médica — a investigação e abordagem sumária da pancitopenia.
Trata-se da redução de todas as linhagens de sangue periférico – ou seja, o valor da hemoglobina, dos leucócitos e das plaquetas encontram-se abaixo do intervalo de referência normal. Em geral, consideramos os seguintes valores de referência:
Limiar paraser considerado “penia” | |
Eritrócitos(Hemoglobina – anemia) | Homem – < 13 g/dLMulher – < 12 g/dL |
Glóbulos brancos(Leucócitos – leucopenia) | Neutrófilos* < 1.000 / microL |
Plaquetas(Plaquetopenia) | < 150 mil / microL |
Para configurar uma leucopenia, observamos o número de neutrófilos, que constituem a maioria dos leucócitos no sangue periférico e na medula óssea, de forma que quase todos os casos de leucopenia ocorrem às custas de neutropenia.
NÃO! Fique ligado:
É importante ter em mente que a pancitopenia NÃO é um diagnóstico definitivo, mas, sim, uma condição que deve ser investigada — ainda mais porque pode estar associada a vários estados de doença, alguns dos quais com risco de vida.
Não necessariamente essa morbidade associada envolve uma doença de medula óssea (MO), podendo ser consequência de um mecanismo externo à ela.
Veremos adiante que existem MUITAS doenças que podem levar à pancitopenia. Então, inicialmente, uma boa anamnese e um exame físico detalhado podem nos ajudar a suspeitar da redução das linhagens sanguíneas, bem como tornar restrito o espectro de diagnósticos diferenciais. Tudo isso, posteriormente, vai ser complementado com exames laboratoriais e hematoscopia do sangue periférico.
Na anamnese, podemos suspeitar do diagnóstico pelo relato de alguns sintomas relacionados à:
Dica de ouro:
A dor óssea, que pode ser relatada por esses pacientes, geralmente está associada a infiltração da medula óssea por neoplasia!!
A avaliação inicial deve englobar a história pregressa – incluindo histórico de infecções ou doenças autoimunes – e história medicamentosa completa do paciente, visto que alguns agentes terapêuticos podem causar ou contribuir para citopenias. Além disso, devemos investigar exposições pessoais e ocupacionais, por exemplo consumo de álcool, dietas restritas, exposição a solventes orgânicos, entre outros.
No exame físico, podemos encontrar objetivamente algumas pistas que corroboram a possibilidade de citopenias, bem como pode ser valioso para estabelecer a etiologia dessa redução de células hematológicas. Alguns dos achados incluem linfadenopatias, esplenomegalia, estigmas de hepatopatia, sinais de síndrome consumptiva, artrite e lesões cutâneas.
Algumas vezes a pancitopenia, se leve, pode vir desacompanhada de manifestações clínicas e ser identificada em um hemograma de rotina.
Inicialmente, um hemograma completo, é claro, que deve ser acompanhado da contagem de reticulócitos e hematoscopia do sangue periférico.
A avaliação dos reticulócitos permite configurar de que se trata de uma condição hipoproliferativa, enquanto que o esfregaço do sangue periférico revela alterações morfológicas de células sanguíneas.
Outros exames devem incluir:
Além disso, frente a determinadas suspeitas clínicas, devemos solicitar exames específicos (o FAN, por exemplo, na suspeita de lúpus; dosagem de B12 na suspeita de anemia perniciosa…).
Algumas etiologias de pancitopenia podem ser identificadas e tratadas por um clínico não especializado – no caso de deficiência de vitamina B12 e no hiperesplenismo, por exemplo. Em algumas situações, por se tratar de um quadro potencialmente grave, devemos considerar a avaliação especializada do hematologista. Embora nem sempre necessário, pode ser apropriada a realização de exames como a biópsia da medula óssea e/ou citometria de fluxo.
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Voltando ao assunto, basicamente, o paciente pode ter desenvolvido pancitopenia por um ou mais dos seguintes mecanismos:
Sem dúvidas! Papo reto:
Em alguns cenários, a pancitopenia pode configurar uma emergência! Lembrem-se:
Nessas situações, a prioridade máxima é a estabilização clínica do paciente, seguida das medidas específicas para cada uma das situações. A hospitalização deve ser realizada para controle das infecções, hemotransfusão (se necessária) e para seguimento dessas emergências clínicas, com avaliação conjunta do hematologista.
MOhipocelular | Anemias aplásticas Mielodisplasias Leucemias agudas aleucêmicas Linfomas de MO | |
MOcelular | Doenças medulares primárias: mielofibrose, mielodisplasias, linfoma medular, tricoleucemia, hemoglobinúria paroxística noturna (HPN). Condições secundárias: lúpus eritematoso sistêmico (LES), síndrome de Sjogren, hiperesplenismo, deficiência de vitamina B12 ou folato, sepse, alcoolismo, sarcoidose e doenças infecciosas (como brucelose e tuberculose) |
A primeira coisa a se estabelecer é se a pancitopenia apresenta ou não relação com disfunção ou alteração da MO. Portanto, muitas vezes, a avaliação de uma pancitopenia envolve a avaliação da função da medula óssea do nosso paciente por meio de um aspirado e biópsia da MO.
Pulo do gato:
Geralmente, esse exame é importante em doentes para os quais se suspeita de uma doença hematológica primária como causa de pancitopenia ou naqueles cuja etiologia permanece obscura mesmo após a avaliação inicial.
Em termos gerais, se a MO de um paciente com pancitopenia for hipocelular – ou seja, apresentar menos de 30% do espaço medular ocupado por células hematopoiéticas – estaremos diante de condições primárias da medula óssea. Entretanto, caso ela se apresente com celularidade normal (celular), podemos estar diante tanto de condições primárias hematológicas ou mesmo de condições que não apresentam relação com a hematologia.
Ei, fique atento!
É importante ter cuidado nessa avaliação porque, como quase tudo na hematologia: a celularidade da MO depende da idade do paciente!!! Pacientes idosos, por exemplo, apresentam a medula com maior quantidade de tecido adiposo e menor celularidade.
O diagnóstico diferencial da pancitopenia poderá exigir mais testes especializados da medula óssea e/ou sangue periférico (por exemplo, citometria de fluxo, citogenética, estudos moleculares, culturas microbiológicas).
No geral:
Dentre as possíveis etiologias citadas, o principal diagnóstico a ser definido ou excluído em um paciente com pancitopenia é a anemia aplástica (AA)!
As anemias aplásticas, por definição, consistem em um grupo de anemias caracterizado por pancitopenia com MO hipocelular. Trata-se de um diagnóstico de EXCLUSÃO!
Basicamente, podem ser classificadas em:
As AA podem ser hereditárias, quando habitualmente atingem pacientes com faixa etária mais baixa. Dentre elas, temos anemia de Fanconi, disceratose congênita, Schwachmann-Diamond, disgenesia reticular e aplasia medular familial.
No entanto, mais comumente, encontramos aplasia de medula adquirida – que pode ocorrer por infecções virais (herpes vírus, citomegalovirose, Epstein-Barr, HIV), doenças imunes (timoma, doença do enxerto x hospedeiro), irradiação, drogas (benzeno, ouro, cloranfenicol e anti-inflamatórios não-esteroidais, entre outros), hemoglobinúria paroxística noturna, colagenoses, gestação ou idiopática. Esse quadro pode acometer qualquer faixa etária, mas apresenta picos de incidência entre 15 a 25 anos e aos 60 anos.
Várias drogas são capazes de desencadear citopenias e, eventualmente, evoluir com AA. São, inclusive, responsáveis por cerca de 15 a 25% dos casos!
Os medicamentos podem promover pancitopenia por mecanismos idiossincráticos (desconhecido e inesperado) ou dose-dependente.
Algumas drogas que devemos indagar ao paciente se houve uso recente:
Benzeno | Butazona | Fenotiazinas |
Sais de ouro | AINEs | Antitireoidianos |
Cloranfenicol | Sulfonamidas | Benzeno |
Dipirona | Furosemida | Antiepilépticos |
Portanto, sempre que houver um paciente com diagnóstico ou suspeita de AA devemos avaliar os medicamentos em uso ou que já foram utilizados por esse paciente.
Clinicamente, as manifestações das AA são decorrentes da pancitopenia, portanto, o paciente deve apresentar algum dos sintomas já citados.
Dica de ouro:
É importante saber que NÃO esperamos encontrar visceromegalia (não há esplenomegalia), adenomegalias, dor óssea e emagrecimento nos pacientes com essa causa de pancitopenia.
Para o diagnóstico, a avaliação histológica da MO revela presença de hipocelularidade acentuada sem sinais de displasia ou displasia mínima.
Nesse caso, para o tratamento, é essencial a interrupção da exposição ao agente causador, se identificado. Outras medidas incluem terapia de suporte através da transfusão de hemoderivados, somente quando estritamente necessário, ou seja, na presença de sintomas graves atribuídos à anemia.
A terapia definitiva pode ser realizada através de:
Abordamos aqui de forma simplificada, porém intensa, um resumo das principais características e etiologias das pancitopenias! Por mais que possa parecer um assunto distante para muitos médicos, por poder configurar uma emergência médica, é essencial que saibamos as principais condições relacionadas, como realizar a investigação inicial e quando encaminhar ao hematologista!
Claro que o assunto não foi completamente esgotado e há muitos detalhes acerca de cada uma das etiologias que podem ser estudados separadamente. Espero que tenha conseguido elucidar os aspectos de fisiopatologia e investigação sumárias diante de um paciente pancitopenia que você eventualmente pode se deparar.
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Nascido em 1993, em Maringá, se formou em Medicina pela UEM (Universidade Estadual de Maringá). Residência em Medicina de Emergência pelo Hospital Israelita Albert Einstein.
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