Fala, pessoal! O assunto de hoje é placenta acreta. O acretismo placentário se trata de uma infiltração anômala da placenta na parede uterina. Pode ser classificada em acreta, quando o tecido placentário invade parte do miométrio; increta, quando invade completamente o miométrio e percreta, quando chega a ultrapassar os limites do útero, invadindo inclusive órgãos adjacentes, como a bexiga.
Devido à alta taxa de mortalidade, é importante entender desenvolvimento, fatores de risco e tratamento adequado da placenta acreta. Bora lá?
Bom, agora que você já sabe a definição de acretismo placentário, é importante entender o porquê isso acontece.
Basicamente a parte interna do útero, chamada decídua, possui 2 camadas: uma mais externa, chamada de esponjosa e outra mais interna, chamada de compacta. A camada esponjosa da decídua é um tecido frouxo, rendilhado, que se destaca facilmente da parede uterina durante a dequitação placentária.
No acretismo, no entanto, a placenta se insere muito profundamente na decídua, dificultando essa correta separação. Isso pode ocorrer por diversos fatores, sendo o mais importante deles a placenta prévia.
A placenta prévia é definida como a implantação da placenta, parcial ou inteiramente, no segmento inferior do útero e pode ser classificada em:
Sua incidência é de 0,5 %, ou seja, ocorre em 1 a cada 200 gestações que chegam ao 3º trimestre. É um achado ultrassonográfico extremamente comum em exames realizados entre 16 e 20 semanas, mas é importante destacar que aproximadamente 90% dessas placentas passam a posição normal até o término da gravidez, isso por conta do fenômeno de migração que ocorre pelo crescimento placentário em direção ao fundo uterino, que é mais vascularizado, ocorrendo degeneração das vilosidades periféricas, que recebem menor aporte de sangue.
Por conta disso, só se considera como conclusivo o diagnóstico de placenta prévia após a 28ª semana, ou seja, no terceiro trimestre de gravidez. Porque nesse caso já temos o fenômeno de migração praticamente completo.
O principal fator de risco para ocorrência da placenta prévia é a presença de uma cicatriz uterina anterior, seja por parto cesárea prévio ou por manipulações uterinas, como no caso de curetagem e miomectomia.
Isso explica o porquê de nos últimos 50 anos a prevalência de acretismo ter aumentado tão substancialmente. Vivemos um aumento no número de cesáreas em todo o mundo, tanto por ter sido facilitado o acesso às pacientes que têm indicação, como pela realização indiscriminada do procedimento.
Esse fator é tão importante que a presença de uma cesariana anterior aumenta o risco de acretismo em 4,5 vezes. Após duas cesáreas, o risco se torna 7,4 vezes maior, 3 cesáreas, 6,5 vezes e quatro cesáreas, 45 vezes maior! Por isso a necessidade de sermos criteriosos na hora de indicar um parto cesariano, lembrando não só dos riscos inerentes a qualquer procedimento cirúrgico como também o impacto na vida obstétrica futura dessas pacientes.
Quanto ao diagnóstico de placenta prévia, ele é classicamente clínico, através de uma história de sangramento entre o 2º e o 3º trimestre, indolor, autolimitado e progressivo!
Vamos lembrar aqui que, frente a um quadro de sangramento na segunda metade da gestação, é preciso estar atento a 3 diagnósticos principais:
A placenta prévia você já sabe, sangramento vaginal indolor, autolimitado e progressivo, lembrando de sempre se atentar aos fatores de risco e a posição da placenta à ultrassonografia.
O descolamento prematuro de placenta é classicamente caracterizado por um quadro de sangramento acompanhado de dor e hipertonia uterina, além dos fatores de risco clássicos, como a hipertensão!
Já a vasa prévia é uma anormalidade rara do desenvolvimento coriônico, em que os vasos sanguíneos da superfície fetal da placenta, atravessam o segmento inferior do útero sobre a membrana amniótica que recobre o OI cervical. Seu quadro clássico se dá por um sangramento importante após a rotura de membranas com comprometimento rápido da vitalidade fetal e muitas vezes fatal.
Uma coisa importante de lembrarmos sobre o quadro clínico da placenta prévia, no entanto, é que diante de um quadro de acretismo pode não ocorrer sangramento! O que dificulta ainda mais o diagnóstico.
A conduta nos casos de placenta prévia depende de alguns fatores, como quantidade de sangramento, número de episódios, condição hemodinâmica materna e idade gestacional.
Basicamente nos casos de estabilidade hemodinâmica e sangramento autolimitado com prematuridade extrema deve-se adotar conduta expectante com acompanhamento em centro especializado. Nos casos de sangramento ativo, comprometimento do bem-estar materno ou da vitalidade fetal se impõe a resolução da gestação.
Nos casos limítrofes em que há uma recorrência do sangramento mas estamos frente à prematuridade devemos individualizar caso a caso e seguir essas pacientes internadas em centro de referência.
A escolha da via mais adequada também depende de alguns fatores, como a localização da placenta, presença de acretismo placentário e condições materno-fetais. Lembrando que em TODOS os casos, seja por via cesariana ou vaginal, a reserva e disponibilidade imediata de sangue é mandatória assim como uma equipe especializada.
Agora que você já sabe reconhecer o principal fator de risco para o desenvolvimento da placenta acreta, vamos voltar para o seu diagnóstico e tratamento!
O diagnóstico precoce da placenta acreta é imprescindível para evitar suas complicações. O que acontece, no entanto, é que nem sempre é fácil perceber sua ocorrência antes do parto, principalmente por ser uma condição que geralmente não apresenta sintomas. O diagnóstico muitas vezes só é possível através de exames de imagem, seja pela ultrassonografia detalhada ou pela ressonância magnética, quando o médico suspeita do problema.
Por isso o primeiro passo é SUSPEITAR dessa condição! Sempre que estiver diante de uma paciente com múltiplas cesáreas, antecedente de manipulação uterina e principalmente diagnóstico de placenta prévia é OBRIGATÓRIO pensar e investigar a presença de acretismo placentário, fechado?
A história clínica mais importante para a suspeição ultrassonográfica de acretismo placentário no segundo e terceiro trimestres é a presença de placenta prévia em gestantes com cesárea anterior. Nessas pacientes, valorizamos os seguintes achados:
O uso do Doppler ajuda no diagnóstico através da identificação de um aumento na vascularização subplacentária, vasos ligando a placenta à parede uterina, além de um fluxo sanguíneo lacunar turbulento. A ultrassonografia apresenta alta sensibilidade e especificidade, mas é importante lembrar que, na ausência de alterações, ela não descarta o diagnóstico, principalmente na presença dos fatores de risco que conversamos. Já a ressonância magnética tem seu papel em casos mais difíceis, principalmente para avaliar a profundidade e extensão da invasão, não sendo o método de escolha para avaliação inicial.
Agora que você já sabe quando suspeitar dessa condição e como fazer o diagnóstico, vamos entender as principais complicações relacionadas ao quadro e o tratamento!
A placenta acreta é causa de importante morbidade materna e sérias complicações, sendo a principal delas a hemorragia pós-parto. O grande problema dessa condição é o desconhecimento de sua existência antes do parto, por isso a importância de um pré-natal de qualidade e diagnóstico precoce.
Há casos de acretismo leve, focal, em que a placenta é separada do útero sem grandes intercorrências. Porém, dependendo do grau de invasão, pode ocorrer hemorragia grave na tentativa de dequitação placentária, colocando a vida do paciente em risco.
Frente a isso entendemos a necessidade de um diagnóstico precoce, definição do grau de invasão e planejamento cirúrgico adequado. Desde a escolha de um hospital com disponibilidade de sangue, UTI e equipe treinada, até o planejamento cirúrgico em que muitas vezes é necessária retirada do útero (histerectomia) com a placenta ainda aderida.
Para o bebê, os principais riscos são de nascimento prematuro, com a necessidade de realização de uma cesariana de emergência.
Considerando que o maior fator de risco para o aparecimento do acretismo é a placenta prévia, nos guiamos basicamente pelos seus critérios de resolução. A diferença está no planejamento cirúrgico!
Nas pacientes com sangramento abundante não tem discussão, é cesárea de urgência! Já naquelas que apresentam sangramento discreto devemos lembrar de realizar corticoterapia e agendar cesárea eletiva entre 34 e 36 semanas.
Nas pacientes com sangramento recorrente, se já estivermos em um limite de prematuridade mais confortável, ou seja, acima de 34 semanas, devemos indicar o parto cesárea, devido ao grande risco de hemorragia. Nas assintomáticas com diagnóstico de acretismo, a cesárea eletiva está indicada pela maioria dos autores entre 34 e 37 semanas, idealmente entre 35-36 6/7.
O planejamento cirúrgico inclui primeiro um centro de referência com disponibilidade de UTI, além de avaliação anestésica e reserva de hemoderivados (CGV, PFC e plaquetas); equipe de urologia devido a possibilidade de cistoscopia e passagem de duplo J nos casos de invasão vesical e disponibilidade de ultrassonografia na sala de parto para definição de sítio placentário e incisões.
De acordo com a localização da placenta definimos o local de histerotomia, sendo no caso da placenta anterior a histerotomia longitudinal corporal fúndica a melhor opção.
Nos casos em que não há mais desejo de prole, está indicada histerorrafia com placenta in situ, ou seja, fechamento do útero com a placenta dentro, seguido da retirada da histerectomia. Se a paciente tem desejo de prole e apresenta um acretismo focal, pode-se tentar a dequitação placentária, lembrando que essas pacientes devem passar por uma avaliação bem planejada antes de tentar uma nova gravidez, pois há um grande risco de ela desenvolver novamente um acretismo placentário.
Bom, galera. Essas são as informações mais importantes sobre acretismo placentário, uma condição que assombra ginecologistas e obstetras, tanto no seu manejo como na prevenção através de um pré-natal de qualidade e responsabilidade nas indicações de via de parto. Aproveita pra dar uma boa revisada e já emenda nos próximos textos sobre os diferenciais de sangramento da segunda metade da gestação, beleza? E porque não aproveitar e revisar também os sangramentos da primeira metade?
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Paulista, nascida em 1995. Formada em Medicina pela Escola Paulista de Medicina/Universidade Federal de São Paulo (EPM-Unifesp) e especialista em Ginecologia e Obstetrícia pela mesma instituição. Fellowship de pós-graduação em Reprodução Humana na Unifesp. Experiência na assistência médica com Reprodução Humana e Saúde Assistida. O sucesso é uma decisão.