Pneumocistose pulmonar: tudo que você precisa saber

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A pneumocistose pulmonar (PCP) é a principal complicação pulmonar que encontramos em pacientes HIV positivos, principalmente naqueles com contagem de CD4 < 200. 

Acontece também em outros pacientes imunossuprimidos, como os transplantados, usuários crônicos de corticóides e/ou imunomoduladores, bem como nos pacientes submetidos à quimioterapia.

O importante é criarmos uma imagem de quem é o paciente que chegará com esse quadro, para não comermos bola com este diagnóstico que tem peculiaridades na apresentação, diagnóstico e tratamento. E aí, bora entender mais sobre o assunto? 

Agente etiológico da pneumocistose pulmonar

Para começo de nossa conversa, o causador desta doença é o Pneumocystis Jirovecii (anteriormente conhecido como P. Carinii), um fungo, transmitido de pessoa para pessoa por via aérea. O ciclo de vida consiste em 3 fases: forma trófica, pré-cística e cística, sendo a forma trófica a mais implicada na infecção

Quadro clínico

O paciente típico nós já sabemos: é o imunossuprimido. E no caso do paciente HIV positivo, será aquele que não tem uma boa adesão ao tratamento ou com descoberta recente da doença, pois o baixo CD4, normalmente nos denota má adesão, falha terapêutica ou diagnóstico recente. 

O P. Jirovecii coloniza predominantemente nossos alvéolos, logo, a principal forma de pneumocistose é a pulmonar. O quadro clínico é arrastado, insidioso, de dias a semanas, composto por tosse seca, dispneia e febre. Eventualmente a ausculta pulmonar pode nos enganar, visto que pode ser normal em até 50% dos casos. 

A radiografia de tórax é nossa aliada neste momento: o achado mais característico da pneumocistose pulmonar são infiltrados intersticiais bilaterais bibasais que surgem no hilo e descem para base, poupando o ápice. 

Ela também é nossa aliada em nos mostrar achados que, se presentes, devem nos fazer pensar em outro diagnóstico que não a pneumocistose: adenopatia hilar ou derrame pleural. Podemos ter esses achados na PPC? Claro que sim, na medicina pode tudo, mas são achados incomuns e isto nos deve suscitar outras hipóteses!

A tomografia de tórax de alta resolução, hoje em dia mais disponível, pode nos revelar, caracteristicamente atenuação em vidro fosco irregular ou nodular, possuindo sensibilidade de 100%! Ou seja: uma TC negativa descarta a hipótese de PCP.

Alguns exames complementares são de suma importância em nossa investigação:

  • LDH: comumente aumentado nos casos de PCP (> 90% dos casos);
  • Hemograma: sugere achado de leucopenia com linfopenia;
  • Gasometria arterial: é um exame não só para nos sugerir o quadro, mas também nos mostrar a gravidade do paciente. Estes pacientes podem evoluir com insuficiência respiratória do tipo I (hipoxêmica) e elevação do gradiente alvéolo-arterial. Para facilitar nossa lembrança, devemos lembrar que o P. Jirovecii adora se alojar nos alvéolos, dificultando a troca gasosa e gerando IRpA tipo I. O achado de hipoxemia, principalmente PaO2 < 70 mmHg nos sugere gravidade, mas também muda nossa conduta, como veremos à frente.
  • CD4: comentamos acima que a PCP é comum nos imunossuprimidos, mas que temos que ter cautela em relação ao portador de HIV. O paciente que se cuida, tem carga viral indetectável, CD4 alto, não devemos pensar neste diagnóstico! Um CD4 acima de 200, inclusive, praticamente descarta a hipótese de PCP!

Diagnósticos diferenciais

A fotografia que montamos acima é importante, pois ela nos auxilia a confrontar os diagnósticos diferenciais e suas características:

  • Tuberculose pulmonar: é o principal diagnóstico diferencial, mas ocorre com qualquer quantificação de CD4 e geralmente as cavernas acometem o ápice pulmonar;
  • Pneumonia bacteriana: normalmente um quadro agudo (evolução em dias), com tosse produtiva, escarro purulento, exame físico rico, e radiografia de tórax com infiltrado focal/unilateral, podendo estar associado a derrame pleural;
  • Criptococose pulmonar: qualquer quantificação de CD4, radiografia de tórax mostrando nódulos, derrame pleural ou adenopatia hilar;
  • Histoplasmose Pulmonar: comumente um quadro associado à hepatoesplenomegalia.

Diagnóstico da pneumocistose pulmonar 

O diagnóstico, na prática, é presuntivo, baseado na anamnese, quadro clínico, exames laboratoriais e radiografia. Com base nestes achados, já iniciamos o tratamento. 

Mas podemos também realizar o diagnóstico definitivo, que consiste em ver o bicho por bacterioscopia, imunofluorescência ou PCR. O material pode ser coletado através de escarro e lavado broncoalveolar.

Devemos, contudo, levar em consideração que o diagnóstico definitivo não é tão simples de ser realizado: os escarros podem não ser tão bem coletados ou difíceis de obter, bem como fazer uma broncoscopia em todos os pacientes com suspeita não é isento de risco. Além disso, a interpretação da amostra pode demorar dias para ser realizada. 

Na prática, fazemos o diagnóstico de presunção e instituímos o tratamento para o nosso paciente, esta é a mensagem!

Tratamento da pneumocistose pulmonar

Por fim, chegamos ao tratamento. O primeiro ponto é que, aqui, vemos a importância da gasometria arterial nestes pacientes. Caso haja PaO2 < 70 mmHg, devemos instituir corticoterapia nestes pacientes, feita da seguinte forma:

  • D1-D5: Prednisona 40 mg VO 2x ao dia;
  • D6-D10: Prednisona 40 mg VO 1x ao dia;
  • D11-D21: prednisona 20 mg VO 1x ao dia.

No caso de pacientes sem aceitação via oral, podemos utilizar a metilprednisolona intravenosa, com dose equivalente de 75% da prednisona via oral. 

O antimicrobiano de preferência usado no tratamento é o sulfametoxazol (SMX) – trimetoprim (TMP), que deve ser feito na dose total de 15-20mg/kg/dia via oral ou intravenosa dividido em 3-4 tomadas por 21 dias.

No caso de pacientes alérgicos a sulfas, podemos instituir tratamento com clindamicina 300mg VO 3-4x por dia + Primaquina 15-30 mg VO por dia.

E se nosso paciente não responder ao tratamento inicial?

Essa é uma boa pergunta, que muitas vezes não é respondida nos textos em geral. Vamos lá. 

  • Caso nosso paciente tenha iniciado o regime com SMX-TMP via oral, podemos passar o regime para via intravenosa; 
  • Caso o paciente tenha iniciado com regime alternativo devido alergia a sulfas, devemos proceder com a dessensibilização à sulfas e instituir o regime com SMX-TMP; 
  • Caso o paciente tenha iniciado o regime com SMX-TMP intravenosa, nossa conduta deve ser trocar para um regime alternativo. 

Cabe ressaltar que, nestes casos, devemos buscar outras infecções concomitantes e tratá-las! Até 15% dos pacientes com PCP irão apresentar infecções oportunistas.

E a TARV?

Comentamos que é comum os pacientes possuírem diagnóstico recente de HIV (e não terem iniciado o tratamento) ou serem maus aderentes. Devemos iniciar a TARV somente após 2 semanas do início do tratamento da PCP, para evitarmos o risco da síndrome de reconstituição imune.

Profilaxias

A profilaxia primária deve ser instituída em todos os pacientes com CD4 < 200, enquanto a profilaxia secundária deve ser feita em todos os pacientes que apresentaram quadro de PCP. Deve ser realizada com SMX-TMP, 800-160mg, 3 vezes por semana até CD4 > 200 por pelo menos 3 meses.

Referências

  1. Velasco, I., Neto, R., Souza, H., Marino, L., Marchini, J. and Alencar, J., 2021. MEDICINA DE EMERGÊNCIA – ABORDAGEM PRÁTICA. 15th ed. São Paulo: Manole, pp.426-437.
  2. UpToDate. Uptodate.com. Disponível em: <AQUI>. Acesso em: 30  mai.  2022.<AQUI>. Acesso em: 30  mai.  2022.

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RodrigoFranco

Rodrigo Franco

Paraense, forjado em 1990. Residência em Clínica Médica pelo Hospital Israelita Albert Einstein (HIAE). Neto de professor que me transferiu o amor pelo magistério. Apaixonado pelo raciocínio clínico, por uma boa resenha, viagens e novas experiências. Siga no Instagram: @rodrigocfranco