Pneumonia aspirativa: definição, classificação e complicação

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Fala, meu povo! A pneumonia aspirativa corresponde à pneumonite resultante da aspiração de conteúdo patogênico proveniente da orofaringe ou do estômago. Em pessoas saudáveis ocorre a aspiração de pequenas quantidades da secreção orofaríngea durante o sono, que é denominado de microaspiração, que não gera maiores repercussões. 

Em algumas situações predisponentes pode haver aspiração de maior quantidade de secreção da orofaringe ou secreção gástrica, com conteúdo colonizado por bactérias, gerando a macroaspiração, que é a condição base para que ocorra a pneumonia aspirativa. 

E lembre-se: Cerca de um terço dos pacientes possui aspiração silenciosa, sem evidências de tosse ou vômito. Quando se nota presença de tosse ao se alimentar, devemos ficar com uma pulga atrás da orelha quanto a evento aspirativo!

Fatores de risco

O rebaixamento de nível de consciência (secundário a convulsões, uso de sedativos ou neurolépticos, uso de drogas ou álcool) compromete o reflexo de tosse e o fechamento glótico, sendo um fator de risco importante. 

Doenças neurológicas (demência, déficit de AVC ou doenças neuromusculares) podem gerar disfagia, sendo mecanismo de macroaspiração. Distúrbios do trato gastrointestinal podem favorecer aspirações, como presença de doença do refluxo gastroesofágico. 

Um fator de risco que, às vezes, passa despercebido é a presença de dispositivos que interrompem o mecanismo de fechamento glótico ou do esfíncter esofágico inferior, tal como presença de cânula endotraqueal, sonda naso ou orogástrica e procedimentos de endoscopia e broncoscopia. 

A presença de má-higiene bucal também está associada a pneumonia aspirativa, provavelmente porque nestes casos há maior quantidade de inóculo e com bactérias mais patogênicas. 

Pacientes pós parada-cardiorrespiratória também apresentam maior incidência de pneumonia aspirativa, podendo ser relacionada à perda de consciência, aspiração de secreção orofaríngea e gástrica durante reanimação cardiopulmonar, ventilação com dispositivo bolsa-valva-máscara e intubação de emergência.

Classificação

As características do inóculo, as condições pulmonares subjacentes e a apresentação nos ajudam a distinguir as 3 formas de apresentação clínica: 

Pneumonite Química

Aspiração de secreção orofaríngeo e/ou gástrica estéril leva a uma reação inflamatória das vias aéreas inferiores. 

Pode vir a desenvolver pneumonia aspirativa devido à quebra da defesa pulmonar por mecanismos provocados pela irritação química.

Pneumonia Aspirativa Bacteriana

Infecção ativa causada pela inoculação de grandes quantidades de microrganismos nos pulmões via conteúdo orofaríngeo e/ou gástrico (em geral bactérias aeróbias e anaeróbias).

Obstrução Mecânica

Material aspirado obstrui vias aéreas ou desencadeia mecanismo de fechamento reflexo das vias aéreas, mas sem que haja reação inflamatória parenquimatosa associada.

Fisiopatologia

O desenvolvimento da pneumonia aspirativa depende do volume de material aspirado e do pH do conteúdo. Em geral, volume de 70 ml (1 a 4 ml/kg) e pH inferior a 2,5 é suficiente para o desenvolvimento de dano pulmonar. 

A lesão inicial produzida pelo material ácido aspirado gera uma lesão corrosiva nas vias aéreas inferiores, levando a uma resposta inflamatória que atinge o pico em 4 a 6 horas após inalação do inóculo, que leva a atelectasias, hemorragias peribrônquicas e edema. 

Após cerca de 48 horas da aspiração, pode haver formação de membrana hialina. A liberação de citocinas pró-inflamatórias levam ao aumento de permeabilidade capilar local, levando a presença de fluído ao nível alveolar. Tal cascata de inflamação pode se levar às manifestações clínicas de febre, tosse e dor pleurítica.

Pneumonite química

Como dito anteriormente, pneumonite química é a lesão inflamatória das vias aéreas inferiores e do parênquima pulmonar que ocorre a partir da aspiração de conteúdo estéril. 

Foi descrita inicialmente por Mendelson em uma série de casos de 61 pacientes obstétricas que aspiraram conteúdo gástrico durante anestesia, onde foi notado cianose e taquipneia cerca de 2 horas após a aspiração, com exame de imagem após com opacidades em lobos inferiores pulmonares. 

Nessa série, os pacientes apresentaram rápida recuperação em até 36 horas, com resolução radiográfica em até 1 semana do evento sem necessidade de antibioticoterapia.

Apesar do curso indolente na série de casos de Mendelson, já foram evidenciados quadros de síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA) após aspiração. 

O mecanismo para tal inclui edema pulmonar, redução da ação do surfactante pulmonar (inativado pelo material aspirado), reflexo de fechamento das vias aéreas, formação de membrana hialina e algum grau de hemorragia alveolar. 

E quando devemos pensar em pneumonite química? Principalmente em pacientes com início súbito de dispneia, tosse e hipoxemia associado a fatores de risco para aspiração.

Pode-se notar ainda a presença de febre baixa ou episódio subfebril. A ausculta pulmonar pode evidenciar crepitações difusas ou em bases pulmonares. Em exame de imagem pode ser observado opacidades em bases pulmonares. 

Um ponto importante é que se aspiração ocorre em posição não em decúbito, os lobos mais acometidos são os segmentos basais dos lobos inferiores, principalmente no pulmão direito. 

Já em pacientes que apresentam o episódio de aspiração em decúbito, pode haver lesão nos segmentos superiores dos lobos inferiores e segmentos posteriores dos lobos superiores. Segue o manejo da pneumonite química: 

  • paciente com aspiração presenciada? Virar a cabeça para o lado para evitar mais aspiração e, se paciente com tubo endotraqueal, realizar aspiração traqueal imediata;
  • o principal ponto do manejo desses pacientes é o suporte, como oxigenação e ventilação mecânica para aqueles que se manifestam como SDRA;
  • Não é indicado rotina corticoterapia.

E o antibiótico empírico? Aí tem o risco de gerar infecção bacteriana no local da pneumonite química, né? Melhor colocar um antibiótico… Não é bem assim! 

Uma revisão retrospectiva (Dragan et al. 2018) com 200 pacientes com pneumonite por aspiração mostrou que o desfecho dos pacientes foi semelhante, independente de terem ou não utilizado antibiótico empírico. 

Desta forma, o uso de antibióticos após episódio de aspiração é reservado para pacientes com insuficiência respiratória progressiva com sinais sistêmicos de inflamação, sendo reavaliada a necessidade de manter o antibiótico diariamente! Também pode ser indicado para aqueles sem melhora clínica em 48 horas.

Pneumonia aspirativa bacteriana

A pneumonia aspirativa bacteriana é causada por inóculos de bactérias localizadas no material aspirado, sendo em gerais anaeróbios orais (Peptostreptococcus, Fusobacterium e Bacteroides) e estreptococos. 

Porém, tais microrganismos são mais predominantes nas aspirações que ocorrem na comunidade. Nos pacientes com aspiração adquirida no hospital, os agentes mais envolvidos são S. aureus e bacilos gram-negativos (BGN), além dos anaeróbios. 

O quadro clínico é semelhante ao da pneumonia adquirida na comunidade, mas em geral de evolução mais lenta (exceto em infecções intra-hospitalares por S. aureus e BGN, cujo curso clínico é mais abrupto). 

Nota-se a presença de febre, tosse com expectoração purulenta, dor pleurítica e dispneia. Não se esqueça que em pacientes idosos e debilitados, a manifestação mais notável pode ser apenas alteração no estado mental.

Exame de imagem pode evidenciar opacidades (tal como na pneumonite química), além de abscesso pulmonar e empiema.

O tratamento, ao contrário da pneumonite química, é baseado na antivioticoterapia. A escolha do esquema de antibioticoterapia dependerá do local em que ocorreu aspiração (comunitário ou hospitalar), suspeita de infecção anaeróbia e gravidade da apresentação clínica. 

A cobertura empírica para anaeróbios é mais indicada na presença de abscesso pulmonar ou empiema, entretanto pode-se incluir a cobertura se fatores de risco para germes anaeróbios, como alcoolismo, uso de drogas, dentes em mau estado, escarro com odor pútrido e exame de imagem evidenciando abscesso pulmonar ou empiema. 

O tratamento dura de 7 a 10 dias a depender da evolução clínica. Abaixo segue algumas possibilidades de esquemas de antibioticoterapia:

Pneumonia Aspirativa Bacteriana da ComunidadeAmoxicilina + Clavulanato 875 mg+ 125mg VO/EV 12/12hAmpicilina-Sulbactam 1,5 g – 3 g EV 6/6hClindamicina 600 mg VO/EV 8/8h (se alergia a penicilina)Ceftriaxone 1g EV 12/12h +/- Metronidazol 500mg 8/8h
Pneumonia Aspirativa Bacteriana HospitalarPiperacilina-Tazobactam 4,5 g EV 6/6hMeropenem 1 g EV 8/8hCefepime 1 g – 2 g EV 8/8h + Clindamicina 600mg EV 8/8h

Referência: Medicina de Emergência – Abordagem Prática – 14ª. Ed (2020)

Complicação da pneumonia aspirativa

Uma das complicações da pneumonia aspirativa é o abscesso pulmonar, sendo definido como processo necrotizante supurativo localizado que ocorre no parênquima pulmonar. 

Em geral ocorre de 1 a 2 semanas após o evento de aspiração. Os agentes mais implicados são os agentes anaeróbios, além de bactérias aeróbias, como S. aureus, K. pneumoniae, P. aeruginosa e mais raramente os pneumococos. 

Deve-se suspeitar de abscesso pulmonar em pacientes com febre, halitose, expectoração pútrida e perda de peso que duram por semanas. 

O diagnóstico é realizado por meio de exame de imagem, no qual se observa área de consolidação no parênquima pulmonar com nível líquido no interior de lesão cavitária. O tratamento clínico com antibioticoterapia apresenta sucesso em 85 a 90% dos abscessos pulmonares (devem receber antibiótico por 4 a 6 semanas). 

A drenagem do abscesso geralmente ocorre de forma espontânea a partir da comunicação da cavidade do abscesso com a árvore brônquica. Aqueles abscessos que não apresentam drenagem espontânea são candidatos a abordagem cirúrgica, como drenagem ou toracotomia percutânea guiada por imagem. 

É isso, pessoal!

Agora já discutimos sobre a pneumonia aspirativa! Mas ainda há mais conteúdo sobre essas patologias pulmonares, né? Então, fique de olho no nosso blog para saber mais! Continuem estudando e nos encontramos em breve! Ah, e se quiser conferir mais conteúdos de Medicina de Emergência, dê uma passada na Academia Medway. Por lá, disponibilizamos diversos e-books e minicursos completamente gratuitos.

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JéssicaNicolau

Jéssica Nicolau

Residência em Clínica Médica no Hospital das Clínicas da FMUSP. Graduação em Medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Intercâmbio acadêmico em estágio de pesquisa científica na Harvard Medical School/Brigham and Women's Hospital. Experiência como Médica-Preceptora da Disciplina de Emergências Clínicas da FMUSP.