No final de 2019, um novo vírus da família dos coronavírus foi identificado como responsável por vários casos de pneumonia na cidade de Wuhan, na província de Hubei, na China. A doença recebeu o nome de COVID-19 e é causada pelo vírus SARS-CoV-2 (Severe Acute Respiratory Syndrome Coronavirus 2) ou 2019-nCoV, mais recentemente nomeado dessa forma. A condição rapidamente se espalhou pelos continentes, culminando com a declaração de pandemia pela Organização Mundial da Saúde em 11 de março de 2020. Um sintoma bastante recorrente, entre os pacientes de COVID, é precisamente a pneumonia viral, e é dela que vamos falar hoje.
Desde seu aparecimento, vivemos uma realidade que trouxe inúmeros desafios a serem enfrentados, que nos mostraram o quão frágeis somos como sociedade, não somente do ponto de vista de um grande problema de saúde pública, mas também em questões econômicas, seguridade social, educação, destino e administração de recursos humanos. Hoje, segundo o Painel Coronavírus do Ministério da Saúde atualizado em 08/09/202, nosso país conta com 20.928.08 casos confirmados da doença, com um total de 584.421 óbitos acumulados, um número jamais imaginado.
Com a chegada das vacinas e sua utilização com cobertura de grande parte da população, vemos uma esperança com a diminuição do número de mortes por COVID-19, diminuição do número de internações e ocupações em leitos de UTI. Contudo, não é agora o momento em que vamos baixar a guarda.
O SARS-CoV-2, como todo vírus, passa por mudanças do genoma viral que são responsáveis pelo desenvolvimento de novas cepas, com maior infectividade e que agregam mais morbidade à doença.
Esse texto tem como objetivos trazer uma revisão sobre os principais aspectos clínicos da pneumonia viral da COVID-19, (revisitar alguns conceitos básicos sobre a doença) e fazer com que você fixe e aprenda aspectos da clínica que irão te auxiliar na avaliação do paciente sintomático respiratório. Além disso, vamos discutir alguns aspectos radiológicos da doença e também sobre o manejo do paciente adulto que é atendido no Pronto Socorro e do paciente internado. Espero que aproveitem!
A COVID-19 pode se apresentar como uma doença assintomática e ainda assim transmissível. Segundo o UptoDate, a taxa de pacientes assintomáticos pode chegar a 33% em alguns estudos populacionais, com grande variabilidade devido a definição de “doença assintomática” adotada pelos diversos estudos. Mesmo assintomáticos do ponto de vista clínico, esses pacientes podem apresentar anormalidades radiológicas, como aspecto em vidro fosco, espessamento pleural, espessamento interlobular e outras anormalidades radiológicas atípicas.
O pulo do gato: alguns pacientes diagnosticados e definidos como assintomáticos, na verdade são os chamados “pré-sintomáticos” e desenvolvem sintomas em média 4 dias após o resultado de RT-PCR positivo.
A doença possui um período de incubação de em média 14 dias, com a maioria dos casos ocorrendo em torno de 4 a 5 dias após a exposição. Os sintomas mais comuns incluem manifestações de via aérea superior e inferior, sintomas gastrointestinais e constitucionais, como segue abaixo segundo uma coorte do CDC que envolveu mais de 370.000 casos confirmados da doença:
Notavelmente, tosse e febre são os sintomas que carregam maior sensibilidade para o diagnóstico da pneumonia por COVID-19, presente em aproximadamente 50% dos pacientes. Porém, segundo uma revisão recente da Cochrane, nenhum sintoma ou conjunto de sintomas consegue sozinho confirmar ou excluir o diagnóstico. A anosmia não associada a congestão nasal possui a melhor especificidade (96%) dentre os sintomas, porém está presente em uma pequena parcela da população sintomática. Levando ainda em consideração que é um sintoma pouco identificado, pois grande parte dos pacientes nem mesmo têm a percepção de perda do olfato, o que chama a atenção para a necessidade de busca ativa durante a anamnese.
Dica de ouro:
A progressão para a forma mais grave da doença geralmente acontece na 2ª semana, entre o 7-10º dia de sintomas, com persistência de febre e fadiga, início de dispneia e hipoxemia.
A admissão hospitalar ocorre em média entre o 7-8º dia de doença. Ter em mente essas informações é crucial no momento de orientação do paciente com sintomas leves. Esse paciente deve ser orientado sobre a possibilidade de piora e quanto aos sinais de alarme que o devem fazer procurar um novo atendimento de maneira imediata!
Lembre-se: orientação também faz parte da sua conduta como médico.
As complicações mais comuns relacionadas à COVID-19 são a insuficiência respiratória hipoxêmica secundária à síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA) (20%); complicações tromboembólicas como Trombose Venosa Profunda e Tromboembolismo Pulmonar (10-40% dos pacientes internados em UTI); complicações cardiovasculares (como arritmia, injúria miocárdica, insuficiência cardíaca e choque); além outras menos comuns como encefalopatia relacionada à COVID-19, síndrome inflamatória multissistêmica, síndrome de Guillain-Barré e infecção bacteriana ou fúngica secundária (somente 8% dos casos!).
Para o diagnóstico da pneumonia viral por COVID-19, o RT-PCR é o exame ideal, com uma especificidade que chega a 97%.
Isso quer dizer que um resultado positivo praticamente confirma o diagnóstico ou pelo menos mostra que o paciente teve contato com o vírus nas últimas semanas.
Entretanto, a sensibilidade do exame é de somente 70%, o que significa que de cada 10 testes considerados negativos, 3 são falso-negativos.
Se um paciente se apresenta no consultório com sintomas clínicos compatíveis, porém com RT-PCR negativo, não devemos descartar a infecção e devemos orientar o isolamento mesmo assim. Uma outra opção seria orientar o paciente a repetir o exame em 24-48 hrs, o que aumenta a sensibilidade do teste.
O teste de antígeno para COVID-19 é um teste de rápida e fácil execução que garante o resultado em minutos, porém deve ser bem indicado de acordo com suas características. A sensibilidade do teste de antígeno é menor que o RT-PCR.
Papo reto:
Ora, então se eu já não confiava em um resultado negativo com o RT-PCR, confio muito menos aqui, ou seja, não consigo excluir a doença com esse teste.
A positividade do teste se relaciona com o período de maior transmissibilidade da doença, pois o vírus será encontrado na via aérea com mais facilidade.
A sorologia é um teste complementar disponível e muito mal utilizado pelos serviços, de um modo geral. Sabe-se que ela possui uma boa especificidade, porém somente positiva após 14 dias da infecção, o que torna inviável seu uso no sintomático respiratório agudo. Sua maior aplicabilidade se restringe a estudos populacionais para identificar a população que já teve contato com o vírus.
Não necessariamente, pois a positividade depende do tipo de sorologia e do tipo de vacina que o paciente recebeu. A maioria das sorologias brasileiras testam o antígeno N, e muitas das vacinas produzidas são contra o antígeno S do vírus (como exemplo, Oxford, Moderna, Pfizer, Sputnik V), ou seja, estar vacinado não tornará o exame sorológico positivo. A vacina Corona Vac, por outro lado, utiliza um vírus vivo atenuado e com isso são produzidos antígenos contra o vírus inteiro, o que geralmente faz com que a sorologia se torne positiva.
Como vocês estão cansados de saber, até o momento não há nenhum tratamento específico para o paciente ambulatorial com a forma leve da doença. Nenhum dos medicamentos testados mostrou benefício de diminuição do risco de evolução com formas graves. O manejo é sintomático, com orientações sobre sinais de alarme, isolamento social e dos contactantes.
Dica de ouro:
Recomenda-se 10 dias de isolamento desde o início dos sintomas para o paciente e 14 dias de isolamento para contactantes domiciliares.
A avaliação do paciente ambulatorial envolve a identificação de fatores de risco para maior gravidade, como idade avançada e comorbidades associadas a maior risco de doença grave, como condições cardiovasculares, diabetes mellitus, doença pulmonar obstrutiva crônica, câncer, doença renal crônica, transplante de medula, obesidade e tabagismo.
Os pacientes que se apresentam no Pronto Atendimento com saturação periférica de O2 < 94%, dispneia ou frequência respiratória > 30 irpm devem ser considerados para internação hospitalar e realização de exames laboratoriais e de imagem, tendo como objetivo a identificação de complicações. A tomografia de tórax pode auxiliar na identificação de padrões relacionados à doença, sendo o mais comum o achado de vidro fosco de localização periférica associado ou não a consolidações, como demonstrado na imagem abaixo:
Outros achados identificados são espessamento pleural adjacente, espessamento interlobular e septal e broncogramas aéreos. Achados possíveis mas incomuns incluem padrão de pavimentação em mosaico, bronquiectasias, derrame pleural ou pericárdico e linfonodomegalias.
Os pacientes hospitalizados em uso de oxigênio ou intubados, se beneficiam do uso de Dexametasona 6 mg 1x ao dia por 7-10 dias, segundo dados do Recovery Trial.
O uso de suporte de oxigênio deve objetivar uma saturação periférica entre 92-94%, através do uso de dispositivos de baixo fluxo como cateter nasal ou máscara Venturi, ou de alto fluxo como máscara não reinalante, cateter nasal de alto fluxo ou ventilação não invasiva. A escolha do método deve levar em consideração a proteção da equipe e o risco de aerossolização.
Papo reto:
O uso desses dispositivos pode ganhar tempo, mas nunca deve ser usado para atrasar a indicação de IOT no paciente com necessidades crescentes de oxigênio.
A anticoagulação profilática também é uma medida que deve ser prescrita para todos os pacientes internados, tendo em vista a característica de hipercoagulabilidade que a doença traz consigo e as possíveis complicações tromboembólicas que agregam morbidade.
Existem novos tratamentos com evidência de redução de mortalidade para pacientes hospitalizados, como o uso de Tocilizumabe (anti IL-6) em casos de pneumonia COVID-19 grave (FR > 30 irpm, SatO2 < 90%, dispneia ou sinais de desconforto respiratório) em piora. Outro representante do grupo dos anti IL-6 é o Sarilumabe, porém com menos evidência que o primeiro. Os inibidores de JAK, como o Baricitinibe e o Tofacitinibe, são drogas com potencial de redução de mortalidade em COVID-19 que têm demonstrado redução de mortalidade nos ensaios, porém ainda precisam de evidências mais robustas para serem incorporadas no rol terapêutico da doença.
Agora, pra finalizar o texto, temos um recado importante pra dar: embora exames como TC e UCG estejam se tornando mais comuns, a gente sabe que, em grande parte dos serviços, o raio-x continua sendo o único método de imagem disponível.
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Um abraço!
Curitibano criado no interior do Paraná, nascido em 1996 e se formou em Medicina em 2020 pelas Faculdades Pequeno Príncipe (FPP) em Curitiba. Residência em Clínica Médica no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (HCFMUSP). Apaixonado pela arte de escutar e aliviar o sofrimento. Busca desenvolver habilidades em Educação Médica. Considera-se um eterno aprendiz em constante crescimento!