A temática de hoje é a rotura uterina: uma condição obstétrica rara, apesar de grave e potencialmente fatal. Sua prevenção e seu diagnóstico antecipado são fundamentais para evitar consequências devastadoras para o binômio mãe-feto.
A rotura uterina pode ser definida como a perda da solução de continuidade das camadas da parede do útero. Quando instalada de forma aguda, ela pode evoluir com descolamento placentário, extrusão do feto para cavidade abdominal e hemorragia, comprometendo o bem-estar materno e fetal.
Consideramos como rotura uterina incompleta ou deiscência uterina quando a solução de continuidade atinge apenas o endométrio e o miométrio, poupando o peritônio visceral. Neste último caso, o risco de hemorragia e hipóxia fetal é menor.
Os fatores de risco para rotura uterina estão descritos na Tabela 1.
Vale ressaltar que o antecedente de rotura uterina em gestação anterior e a presença de cicatriz uterina prévia são os principais fatores envolvidos na patogênese da doença.
Cicatrizes uterinas prévias fazem com que o miométrio se torne mais fino e menos elástico e, quando ocorre a extrema distensão uterina ao longo da gestação, ele vai ficando cada vez mais propenso a romper.
Durante o trabalho de parto, além disso tudo, ainda há um fator ainda mais estressor, que são as contrações uterinas. Com elas, as fibras miometriais podem não aguentar e podem romper e levar a consequências catastróficas.
FATORES DE RISCO PARA ROTURA UTERINA |
Antecedente de rotura em gestação anterior |
Presença de incisão miometrial prévia (cesárea, miomectomia) |
Indução do trabalho de parto |
Trabalho de parto prolongado |
Uso de drogas uterotônicas |
Traumatismos – acidentes de trânsito e manobras obstétricas (manobra de Kristeller e versões cefálicas interna ou externa) |
Fraqueza da parede muscular uterina (Ehlers-Danlos e malformações mullerianas) |
Sobredistensão da cavidade amniótica (gestação múltipla, polidrâmnio, macrossomia fetal) |
Neste momento é válida uma ressalva: cuidado para não estudar essa tabela e ficar desesperado! Entenda que os riscos devem ser ponderados. Por exemplo, não devemos indicar cesárea eletiva para todas as pacientes pensando que uma suposta indução do trabalho de parto aumentaria risco de rotura uterina, OK?
O importante aqui é individualizar cada caso e definir as condutas pensando na comparação risco vs. benefício.
Em pacientes com cicatriz uterina prévia, por exemplo, é contraindicado o uso de prostaglandinas para preparo do colo uterino, pois sabemos que o risco de rotura uterina nessas circunstâncias é elevado.
O diagnóstico de rotura uterina é essencialmente clínico. Devemos diferenciar três situações: rotura uterina subclínica, iminência de rotura uterina e rotura uterina instalada. Trata-se de um processo evolutivo, no qual o diagnóstico e a intervenção precoce podem garantir o sucesso do tratamento.
Vale já adiantar que os exames de imagem NÃO são úteis como forma de diagnóstico para os casos agudos de rotura uterina.
A deiscência uterina não costuma cursar com sintomas evidentes e geralmente é diagnosticada durante o parto cesárea. Pode eventualmente ser evidenciada em exames de imagem realizados de rotina, especialmente o ultrassom.
A iminência de rotura uterina, por sua vez, manifesta-se através da Síndrome de Bandl-Frommel, caracterizada pela distensão do segmento inferior do útero (sinal de Frommel) e palpação do ligamento redondo, desviado para a frente (sinal de Bandl). A Figura 1. evidencia tal síndrome, estando em destaque a distensão do segmento inferior uterino.
Nessa situação, a paciente apresenta queixa importante de dor abdominal e o feto pode apresentar bradicardia.
Já a rotura uterina propriamente dita, por fim, trata-se de uma condição obstétrica bastante sintomática, que pode ser manifestada em três ocasiões diferentes: antes, durante ou após o trabalho de parto.
Podemos citar como exemplo de rotura anteparto aquelas decorrentes de traumas, como nos casos de acidentes automobilísticos ou manobras obstétricas (versões cefálicas interna ou externa).
Durante o trabalho de parto, a rotura é mais comum em pacientes com cicatriz uterina prévia, trabalho de parto prolongado e uso de uterotônicos, apesar de ainda ser considerada um evento raro. Com a rotura das paredes uterinas as contrações uterinas cessam e a paciente apresenta aparente melhora súbita da dor. Na sequência, com a história natural da doença, a paciente pode evoluir com hemorragia, choque hipovolêmico, comprometimento da nutrição fetal e consequente óbito fetal.
Nessa fase, ao toque vaginal, nota-se a subida da apresentação fetal (o feto está disperso na cavidade abdominal). Além disso, a paciente pode se queixar de dor na região escapular, devido irritação peritoneal (sinal de Laffont) e apresentar hematoma em região periumbilical (sinal de Cullen).
Por fim, a rotura uterina pode ser diagnosticada no pós-parto imediato. Nesses casos, o feto é capaz de tamponar a hemorragia e os sinais e sintomas são observados apenas após o nascimento.
Suspeita-se dessa condição clínica em pacientes com fatores de risco para rotura uterina e quadro de dor abdominal importante associado à hemorragia pós-parto não responsiva aos uterotônicos.
Devemos considerar como diagnósticos diferenciais da rotura uterina outras causas de sangramento na segunda metade da gestação, como por exemplo o descolamento prematuro de placenta e a placenta prévia, que também cursa com sangramento e dor abdominal.
A ruptura hepática também é um quadro a ser descartado, estando geralmente associado às formas graves de pré-eclâmpsia e síndrome HELLP. Além disso, vale considerar como diagnóstico diferencial as causas não obstétricas de abdome agudo, como colecistite, apendicite e obstrução intestinal.
Devemos diferenciar o tratamento em abordagem clínica e abordagem cirúrgica. De toda forma o objetivo é estabilização hemodinâmica e controle rápido da hemorragia e do foco de sangramento, na tentativa de evitar sequelas graves para a mãe e o feto.
Na suspeita de rotura uterina, a paciente deve ser rapidamente estabilizada. Está indicada expansão volêmica e avaliação da necessidade de hemotransfusão. É fundamental a monitorização contínua de sinais vitais e diurese, bem como a proteção de via aérea.
Está indicada a resolução imediata da gestação, através da via mais rápida, diante de uma suspeita de rotura uterina. Na maioria dos casos as pacientes são encaminhadas para cesárea de emergência. São raros os casos em que o nascimento por via vaginal está iminente e é o mais indicado.
A histerectomia pode ser indicada nos casos em que a correção da lesão uterina não é factível, com dificuldade de controle da hemorragia.
Como já citado antes, a rotura uterina pode apresentar desfecho catastrófico. Podemos separar as suas complicações em maternas ou fetais/neonatais.
Dentre os principais desfechos maternos, destacam-se:
Dentre as complicações para o concepto, devemos citar como principais:
Com esses desfechos, acredito que ficou clara a importância do diagnóstico antecipado, não é mesmo? Conhecer o quadro clínico da rotura uterina e suas variáveis clínicas (especialmente a iminência de rotura) é o primeiro passo para garantir sucesso no tratamento.
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Nascido em 1993, em Maringá, se formou em Medicina pela UEM (Universidade Estadual de Maringá). Residência em Medicina de Emergência pelo Hospital Israelita Albert Einstein.