Falar sobre saúde trans é preciso! E é por isso que estamos aqui: para tirar algumas dúvidas a respeito do assunto e ajudar você, médico ou futuro médico, a prestar um atendimento digno e humanizado a pacientes transgênero.
Afinal, ainda há certas dúvidas sobre esse universo. E o quanto antes elas forem sanadas, mais essa parcela da população se sentirá contemplada por serviços de qualidade, com um acolhimento justo e pleno entendimento acerca de seu gênero.
Portanto, vamos ao que interessa. A seguir, você pode tirar suas dúvidas, aprender um pouco mais, e começar, o quanto antes, a transformar sua postura para oferecer uma consulta cada vez melhor. Boa leitura!
Antes de focar na saúde trans, vale a pena falar primeiro sobre transgeneridade. Para começar, as pessoas transgênero não se identificam com o sexo biológico atribuído ao nascer. Muitas buscam ajuda médica para realizar intervenções que alinhem sua aparência externa com o gênero com o qual se identificam. Essas intervenções podem incluir tratamentos estéticos, hormonais e cirurgias de adequação de gênero.
É importante ressaltar que o termo “transgênero” abrange uma variedade de identidades, como transexualidade e travestilidade. O diagnóstico clínico não está necessariamente vinculado aos procedimentos hormonais ou cirúrgicos que uma pessoa possa escolher para se adequar ao gênero desejado. Esses procedimentos são usados para promover a saúde e o bem-estar das pessoas transgênero, que podem precisar de mudanças corporais para se sentirem confortáveis e saudáveis.
Além disso, a definição do gênero de uma pessoa deve vir dela mesma. Por exemplo, se alguém nasceu com o sexo biológico masculino, mas se identifica e se entende como feminino, isso é suficiente para que os profissionais de saúde utilizem pronomes femininos ao se referirem a essa pessoa.
A cada ano, o número de pessoas transgênero no Brasil continua a crescer. Com novas pesquisas e levantamentos surgindo constantemente, governos e políticas públicas estão começando a se movimentar para promover a inclusão dessa população na sociedade.
Na mais recente Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde (PNDS) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de outubro de 2022, os responsáveis incluíram perguntas sobre orientação sexual e identidade de gênero, conforme solicitação da sociedade civil. Embora os dados oficiais estejam previstos para serem divulgados apenas no final de 2024, um levantamento realizado em 2021 pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) já apontava cerca de 3 milhões de pessoas no Brasil que se identificavam como transgênero ou não-binárias.
Outro dado relevante, que comprova o aumento da população transgênero, diz respeito ao número de pessoas que pedem a inclusão do nome social em documentos oficiais. No estado de São Paulo, em cinco anos, o número de mudanças de nome e sexo em cartórios cresceu cerca de 43%, de acordo com a Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen-Brasil).
Esse aumento resultou em um total de 5.700 alterações, realizadas sem a necessidade de procedimento judicial ou comprovação de cirurgia de redesignação sexual, a transgenitalização. Diante desse cenário significativo, é importante considerar que os cuidados com a saúde trans também apresentam demanda e necessidade crescentes, e é por isso que os profissionais de todas as áreas precisam se mostrar preparados para o atendimento.
Em 2024, o Ministério da Saúde fez alterações nas restrições de gênero para 271 procedimentos médicos oferecidos pelo SUS (Sistema Único de Saúde), com o objetivo de aumentar o acesso a exames, cirurgias e outros tratamentos para pessoas transexuais e travestis.
Essa revisão foi realizada em resposta a uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 787, que determinou ao Ministério da Saúde a necessidade de atualizar e adequar seus sistemas de informação, como o SIA-SUS (Sistema de Informação Ambulatorial) e o SIH-SUS (Sistema de Informação Hospitalar).
Antes dessa mudança, alguns exames e procedimentos, como os ginecológicos e urológicos, eram restritos a um determinado sexo, masculino ou feminino. Isso criava barreiras para homens transexuais, que tinham dificuldade em acessar exames ginecológicos e obstétricos, e para mulheres transexuais e travestis, que encontravam obstáculos para realizar exames urológicos e proctológicos, devido à mudança no sexo registrado em seus documentos de identificação.
No Brasil, o suporte médico especializado para pessoas trans é fundamentado por leis e diretrizes que visam garantir acesso a tratamentos de saúde adequados e seguros. A Resolução nº 2/2010 do Conselho Federal de Medicina define os critérios para o processo de transexualização, incluindo a necessidade de acompanhamento multidisciplinar, como psicoterapia, endocrinologia e cirurgia, para realizar a transição de gênero.
Esta resolução tem como objetivo assegurar que os procedimentos sejam conduzidos de maneira ética e segura, com a devida avaliação médica e respeito pela autonomia do paciente. Normalmente, o processo para acessar a cirurgia de mudança de gênero pelo SUS inicia-se com o encaminhamento de um profissional de saúde, como um endocrinologista ou psicólogo, para uma equipe especializada em um centro de referência em saúde trans.
Esta equipe realizará avaliações multidisciplinares, envolvendo psicólogos, psiquiatras, endocrinologistas e cirurgiões, para avaliar a necessidade e a adequação da cirurgia. Ainda é apropriado lembrar que, além das leis, nosso país também conta com redes de apoio exclusivas para pessoas trans. Como é o caso do Ambulatório Transdisciplinar de Identidade de Gênero e Orientação Sexual (AMTIGOS), na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e o Serviço de Atendimento a Travestis e Transexuais (SEATT), no Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (HC-USP).
Mas, afinal, como dispensar um atendimento humanizado para pacientes trans? Com base no que você viu agora, é possível colocar em prática algumas ações básicas para garantir que seus serviços pela saúde trans sejam realizados da maneira certa. Veja só!
Utilizar os pronomes corretos é uma forma crucial de demonstrar respeito e reconhecimento pela identidade de gênero dos pacientes trans. Perguntar diretamente ao paciente quais pronomes ele prefere e usá-los consistentemente ajuda a construir confiança e mostra que o profissional de saúde está comprometido com um atendimento respeitoso.
Acredite, esse gesto simples pode ter um impacto significativo na experiência do paciente. Sem dúvida alguma, é o primeiro passo para reduzir o desconforto e promover um ambiente de cuidado inclusivo.
Para prestar um atendimento humanizado e eficaz, é vital que os profissionais de saúde se informem sobre a cultura LGBTQIAPN+. Isso inclui compreender as terminologias corretas, as questões sociais e de saúde que afetam a comunidade trans e estar ciente das discriminações e desafios que essas pessoas enfrentam.
A educação contínua sobre essas questões não só melhora a qualidade do atendimento. Mas, acima de tudo, demonstra um compromisso genuíno com a inclusão e o respeito pelos pacientes trans e outros que fazem parte da sigla.
Construir vínculos sólidos com pacientes trans vai além de oferecer cuidados médicos. Trata-se de criar um relacionamento baseado na confiança e no respeito mútuo.
Por isso, ouvir atentamente, ser empático e validar as experiências e sentimentos dos pacientes são práticas fundamentais. Um vínculo forte ainda pode facilitar a comunicação aberta, permitindo que os pacientes se sintam mais confortáveis em compartilhar suas preocupações e necessidades, o que é essencial para um diagnóstico preciso e um tratamento satisfatório.
Manter um ambiente acolhedor e seguro é outro fator fundamental para que os pacientes trans se sintam bem-vindos e respeitados. Dessa maneira, procure adotar políticas claras contra discriminação, fornecer treinamento adequado à equipe sobre sensibilidade e inclusão, e criar espaços visivelmente inclusivos, como salas de espera com materiais de leitura que representem a diversidade de gênero.
Caso você não esteja à frente de uma equipe ou espaço, sugira a seus superiores que essas providências sejam tomadas. Para começar, por exemplo, pequenos gestos, como usar formulários que permitam a autodeclaração de gênero e nome social, já fazem uma grande diferença na percepção do paciente sobre o cuidado recebido.
Investir em cursos de especialização e treinamento contínuo é uma prática essencial para qualquer profissional de saúde que deseja proporcionar um atendimento de alta qualidade a pacientes trans. Esses cursos podem abordar uma ampla gama de tópicos, desde a compreensão das necessidades de saúde específicas da população trans até a aprendizagem de técnicas de comunicação eficazes e sensíveis.
Adicione-se que a especialização não só melhora a competência clínica, mas também demonstra um compromisso com a excelência e a inclusão. Para não perder muito tempo procurando e começar já a se aprofundar no assunto, você pode conferir os materiais e cursos da Unaids, que são muito completos e de qualidade.
Gostou de saber mais sobre saúde trans e como prestar um atendimento humanizado para esse paciente? Vale lembrar que aqui estão apenas algumas informações iniciais e que vale a pena ir além nos estudos sobre o tema para conseguir melhorar cada vez mais seu trabalho, combinado?
E se quiser mais direcionamento de carreira ou na preparação para a residência, a gente também pode ajudar. Bora para a Academia Medway, que com certeza será um grande diferencial na sua vida médica! Esperamos por você.
Nascido em 1991, em Florianópolis, formado pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) em 2015 e com Residência em Clínica Médica pelo Hospital das Clínicas da FMUSP (HC-FMUSP) e Residência em Administração em Saúde no Hospital Israelita Albert Einstein (HIAE). Fanático por novos aprendizados, empreendedorismo e administração. Siga no Instagram: @alexandre.remor