Síndrome do Intestino Irritável em Pediatria: saiba mais!

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Você sabia que os distúrbios gastrointestinais funcionais (DGIF) são a causa mais comum de consulta em gastroenterologia pediátrica, sendo um problema mundial e com alta prevalência em crianças em idade escolar? Pensando nisso, hoje, vamos falar sobre a síndrome do intestino irritável infantil.

Estatisticamente, 24% das crianças de 0 a 3 anos e 25% das crianças e dos adolescentes de 4 a 18 anos preenchem os Critérios de Roma IV baseados em sintomas para algum tipo de DFGI.

Síndrome do intestino irritável: definições

Os Critérios de Roma IV, publicados em 2016, definem os distúrbios das dores abdominais funcionais (DAF) como um grupo de DGIF que tem a dor como sintoma principal.

Esse grupo de distúrbios inclui quatro diagnósticos: síndrome do intestino irritável (SII), dispepsia funcional (DF), dor abdominal funcional não especificada (DAF-NE) e migrânea abdominal (MA).

A SII é a DAF mais comum, com a maioria dos estudos em todo o mundo mostrando que, de todas as crianças em idade escolar, 4-7% se qualificam para esse diagnóstico, correspondendo a 36% de todas as DAF.

Entre as crianças com DAF, aquelas com sintomas de SII parecem ter um prognóstico menos favorável em comparação com DAF-NE ou DF. Nesse público, as DAF estão associadas à baixa qualidade de vida, ao sofrimento psíquico, ao absentismo escolar e ao mau funcionamento físico e social.

Fatores predisponentes

Diversos fatores são sugeridos como possíveis predisponentes para SII. Todos devem ser observados no paciente com síndrome do intestino irritável infantil e, quando for possível, modificados no manejo clínico. São eles:

  • sexo feminino;
  • maior ocorrência entre 8 e 12 anos de vida;
  • fatores psicológicos (estresse psicológico);
  • preocupações em excesso;
  • ansiedade;
  • depressão;
  • abuso (físico, emocional e sexual);
  • traços anormais de personalidade.

Mecanismo patofisiológico da síndrome do intestino irritável

De modo geral, os DFGI ocorrem por alterações no funcionamento do eixo-cérebro-intestino, ou seja, a relação que ocorre entre o sistema nervoso central e o sistema nervoso entérico.

Desde o início da vida, a genética, a cultura e o ambiente (traumas, infecções, comportamento dos pais), assim como fatores psicossociais (estressores, traços da personalidade, estado psicológico, cognição, processamento e apoio social) exercem influência sobre a fisiologia intestinal (motilidade, sensibilidade, ocorrência de disfunção imune/inflamatória, alteração da microbiota, dieta/alimentação). Consequentemente, todos eles se relacionam à apresentação das DFGI, em termos de sintomas, gravidade e comportamentos.

O eixo-cérebro-intestino é o substrato neuroanatômico que possibilita a influência dos fatores psicossociais sob o TGI e vice-versa. Esse eixo integra o circuito de comunicação dos centros emocionais e cognitivos do cérebro, por meio de neurotransmissores, ao funcionamento do TGI.

Na via cérebro-intestino, as emoções e o estresse físico podem alterar o funcionamento normal e a sensibilidade do TGI. Já na via intestino-cérebro, o aumento da motilidade intestinal, da inflamação e das lesões podem hiperestimular as vias neurológicas de sensibilidade à dor, contribuindo para alterações do estado mental, como ansiedade e depressão, por exemplo.

Critérios de Roma IV e diagnóstico

O diagnóstico de SII é clínico. Isso significa que é muito importante uma história clínica detalhada, que inclua o hábito intestinal, o padrão de dor abdominal, os sintomas associados, a avaliação da história social, familiar e psicológica, os antecedentes pessoais, os medicamentosos e tudo mais de uma boa anamnese. O exame físico deve excluir alterações sugestivas de doença orgânica.

Os critérios diagnósticos da SII segundo os Critérios de Roma III, prévios aos mais atuais, especificaram que a dor abdominal esteja presente com dois ou mais dos seguintes sintomas: melhora com a defecação, início associado a uma alteração na frequência das fezes e início associado a uma mudança na forma das fezes.

Já os critérios de Roma IV de 2016 para SII mudaram para se tornarem mais inclusivos, de modo que exigiam apenas um dos sintomas listados anteriormente, juntamente à alteração dos critérios de dor melhorada com defecação para dor relacionada à defecação (ou seja, poderia melhorar ou piorar).

Sendo assim, os critérios diagnósticos de Roma IV para a síndrome do intestino irritável infantil precisam incluir:

  • todos os critérios precisam ser preenchidos por ao menos dois meses antes do diagnóstico;
  • dor abdominal por pelo menos quatro dias ao mês, associada a um ou mais dos seguintes fatores: defecação, mudança na frequência evacuatória e alteração na forma (aparência) das fezes;
  • em crianças com constipação, a dor abdominal não melhora com a resolução da constipação (crianças que têm a dor melhorada com a resolução da constipação tem constipação funcional, não SII);
  • após avaliação apropriada, os sintomas não podem ser completamente explicados por outra condição médica.

Outras categorias

Além dos critérios de SII, os critérios de Roma IV também subcategorizaram a síndrome do intestino irritável infantil de acordo com o padrão intestinal predominante como:

  • SII com constipação (SII-C): mais de 25% das evacuações com Bristol 1 ou 2 e menos de 25% das evacuações com Bristol 6 ou 7;
  • SII com diarreia (SII-D): mais de 25% das evacuações com Bristol 6 ou 7 e menos de 25% das evacuações com Bristol 1 ou 2;
  • SII com hábitos intestinais mistos: mais de 25% das evacuações com Bristol 1 ou 2 e mais de 25% das evacuações com Bristol 6 ou 7;
  • SII não classificada: pacientes que preenchem critérios para SII, mas que o hábito evacuatório não pode ser categorizado de forma acurada em um dos 3 subtipos acima.

Essa subcategorização da SII é muito importante para a definição do manejo clínico. Ainda existem alguns sinais e sintomas de alarme, “red flags”, que podem indicar uma patologia orgânica subjacente e devem ser identificadas se estiverem presentes:

  • história familiar de doença inflamatória intestinal, doença celíaca ou doença péptica ulcerosa;
  • dor abdominal à direita alta ou baixa persistente;
  • disfagia;
  • odinofagia;
  • vômitos persistentes;
  • sangramento gastrointestinal;
  • diarreia noturna;
  • artrite;
  • doença perianal;
  • perda involuntária de peso;
  • desaceleração do crescimento;
  • puberdade precoce;
  • febre inexplicada.

Tratamento

Uma relação efetiva entre o médico, os pais e o paciente é um dos principais componentes do tratamento para síndrome do intestino irritável, que envolve educação e aconselhamento parental, terapias farmacológicas e não farmacológicas.

Intervenções psicossociais

São constituídas pelo aconselhamento e pela explicação da doença para os pais e a criança. Além disso, é preciso controlar a resposta materna à dor abdominal da criança.

Essas intervenções devem ser precoces. A terapia cognitivo-comportamental é a terapia psicológica mais estudada para o tratamento da SII. Ela visa alterar as cognições, as emoções e os comportamentos que podem desempenhar um papel na exacerbação ou na manutenção dos sintomas da síndrome do intestino irritável infantil.

Intervenções dietéticas

Servem para otimizar a nutrição e limitar os sintomas (ex: dieta com baixo teor de oligossacarídeos, dissacarídeos e monossacarídeos fermentáveis e polióis – FODMAP, carboidratos de cadeia curta absorvidos mais lentamente ou não digeridos no intestino delgado).

Caso as medidas acima não sejam eficazes, deve-se determinar com subtipo de síndrome do intestino irritável em questão para traçar outras estratégias com medidas farmacológicas, mas sempre mantendo as medidas iniciais, que são fundamentais.

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RafaellaMonterlei

Rafaella Monterlei

Nascida em Campo Grande-MS, mas praticamente uma nômade! Tem o Rio de Janeiro como sua cidade de coração, onde também começou sua relação de amor com a medicina, graduada em 2016 pela UERJ. No 4º ano da faculdade, foi viver por 14 meses em Dundee, na Escócia, onde fez intercâmbio em Neurociências na Universidade de Dundee. Morou também em Botucatu, onde fez 3 anos de Residência Médica em Pediatria no HC FMB UNESP. Residência também em Gastroenterologia e Hepatologia Pediátrica no ICr do HC FMUSP. Considera a oportunidade de ensinar o seu momento de maior aprendizado.